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Princípio da estabilização das situações jurídicas no Direito Civil

O princípio da estabilização das situações jurídicas no Direito Civil, enfatizando a segurança jurídica e a irretratabilidade de atos jurídicos.

23/9/2024

O objetivo deste artigo é, de modo sucinto, tratar do que chamamos de princípio da estabilização das situações jurídicas no Direito Civil. A identificação de princípios ou regras fundamentais do Direito Civil são úteis para definir lugares comuns (topoi) que ancoram o legislador, a jurisprudência, a academia e os profissionais do Direito e que colaboram a manter a coerência das soluções jurídicas.

Passemos a expor o princípio.

O Direito prestigia a segurança jurídica e, consequentemente, a estabilização das situações jurídicas. É excepcional a permissão de desfazimento dessas situações. Trata-se do princípio da estabilização das situações jurídicas.

Daí decorrem diversas consequências. Focaremos esse princípio no âmbito do Direito Civil.

No caso de situações jurídicas criadas por ato de uma pessoa, a regra geral é a irretratabilidade: a pessoa não pode voltar atrás de sua conduta. Trata-se de regra resumida no brocardo latino electa una via altera non datur (eleita uma via, não é dado alterá-la)1. No jargão popular, a hipótese é espelhada por expressões idiomáticas como “ajoelhou, vai ter de rezar” ou “desceu no play, vai ter de brincar”. A retratabilidade é exceção.

Além disso, mesmo no caso de invalidade ou ineficácia do ato jurídico, a regra é a tentativa de preservação dos efeitos práticos do ato jurídico, conforme o princípio da conservação do negócio jurídico (um princípio conectado ao princípio da conservação do negócio jurídico).

Também decorrem do princípio da estabilização das situações jurídicas as hipóteses de regularização de irregularidades por força do transcurso do tempo ou até mesmo de conceitos abertos, como a boa-fé, a socioafetividade, a prescrição etc.

Há diversos exemplos, inclusive em outros ramos do Direito.

No Processo Civil, citamos a preclusão consumativa, que impede que a parte refaça um determinado ato processual. Se ela interpôs um recurso, não pode ela querer substituir esse recurso por outro com argumentos adicionais, ainda que o prazo recursal não tenha se esgotado.

No Direito Administrativo, há a famosa teoria do fato consumado (também chamada de teoria da consolidação da situação de fato) a desaconselhar o desfazimento de atos administrativos irregulares que, no caso concreto, já tenha consolidado alguma situação fática.

No Direito Civil, citamos estes exemplos:

  1. escolhido um objeto nas obrigações de dar coisa incerta ou alternativas com cientificação da outra parte (fase da concentração), é vedado alterar o objeto, salvo consentimento da outra parte. O texto do Código Civil é silente, mas a doutrina é pacífica nesse ponto. O fundamento é o princípio da estabilização das situações jurídicas;
  2. o herdeiro não pode voltar atrás da aceitação nem da renúncia à herança por força do art. 1.812 do CC;
  3. ao celebrar um contrato, a pessoa não pode desfazê-lo por sua mera vontade unilateral, salvo nos casos de permissão legal, ainda que implícita, da lei (resilição unilateral; art. 473, CC), observado eventual dever de pagar multa compensatória ou indenização;
  4. as várias aplicações do princípio da conservação do negócio jurídico, como a conversão substancial do negócio jurídico (art. 170, CC), a conversão formal (art. 183, CC), a redução do negócio jurídico (art. 184, CC) e a substituição de fundamento do ato de vontade (tema que detalhamos em outro artigo2).
  5. a prescrição e a decadência são exemplos também de estabilização de situações jurídicas diante da inércia do titular de um direito ou de uma pretensão pelo transcurso do tempo.
  6. os diversos corolários da boa-fé objetiva, como a proibição do venire contra factum proprium, também respaldam a censura a condutas que contrariam a expectativa gerada por condutas anteriores da pessoa.
  7. o usucapião e a costumeira edição de leis de regularização fundiária retratam a estabilização de situações fáticas de ocupações irregulares em razão do transcurso do tempo, da função social e de outros valores jurídicos.

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1 Com o mesmo significado, são usuais os seguintes brocardos: electa una via non datur regressus ad alteram ou electa una via non datur recursus ad alteram.

2 OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Considerações sobre os planos dos fatos jurídicos e a "substituição do fundamento do ato de vontade". Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, fevereiro/2020 (Texto para discussão nº 270). Disponível aqui.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.