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Tempo para respirar: da necessidade de prorrogação dos prazos relativos ao domicílio eletrônico judicial em virtude da crise enfrentada no Estado do Rio Grande do Sul

Gabriel Petry e Karin Rosa trata da necessidade de prorrogação de prazos relativos a domicílio eletrônico judicial

20/5/2024

O presente texto trata de uma continuação (necessária) daquele publicado no Migalhas n° 5.844, Domicílio eletrônico judicial e o acesso às comunicações do judiciário - Migalhas1, datado em 6 de maio de 2024, exatamente 25 dias antes do prazo final previsto na Portaria nº 46/2024 do CNJ2, para cadastramento de pessoas jurídicas, e no momento que talvez tenha sido o auge de uma das maiores catástrofes naturais já experienciadas pelo Estado do Rio Grande do Sul. Diante disso, surge a necessidade de atualização daquele texto, para contemporizar uma questão lógica: é necessário TEMPO. Tempo para resistir, sobreviver, reinventar, reestruturar e até mesmo para reorganizar. Enfim, tempo de respirar… Direito!

Desde o dia 01/05/2024, diversos municípios do Estado do Rio Grande do Sul vêm sendo duramente atingidos por volumes de chuva inimagináveis. No dia 02/05/2024, em questão de algumas horas, o Estado Gaúcho se tornava manchete do Jornal Estadunidense The New York Times, com título que denunciava a catástrofe: “Torrential Rains Leave at Least 29 Dead and More Missing in Brazil”.3 Até a data de 07/05/2024, contam-se 95 mortos, 131 desaparecidos, cerca de 372 feridos e (estima-se!) mais de 1,4 milhão de pessoas afetadas pelos temporais que assolam o Estado.4

Enquanto algumas cidades experienciam inundações de residências, estabelecimentos comerciais e das indústrias, outras já lidam com o rastro de destruição deixado pela força da natureza - que chocam, e ao mesmo tempo revelam a imensa capacidade de solidariedade de nossos concidadãos, que mesmo diante de suas próprias perdas, partilham doações, mão de obra, roupas, energia elétrica, acesso à água e refeições, fazendo valer o princípio basilar da dignidade humana, presente em nossa Constituição Federal.

Evidentemente, o impacto é também para as pessoas jurídicas.Sem condições de acesso, de insumos, de matéria prima e de instalações seguras, não existe produção. O que se vê hoje, de maneira pública e notória, é a total falta de previsão de retorno à normalidade. As águas demoram a baixar, a previsão para os próximos dias é de chuva, a limpeza das casas e dos estabelecimentos demandará muito trabalho e obras de infraestrutura não são rápidas. Esse é o quadro vivido no Rio Grande do Sul.  

Simultaneamente à catástrofe climática, o prazo para cadastramento obrigatório de pessoas jurídicas no Domicílio Eletrônico Judicial segue correndo como o cavalo alado de como no mito de Platão, para encerrar dia 30/05/2024, conforme o cronograma oficial constante da Portaria 46 do CNJ - publicada em 16 de fevereiro de 2024, época em que sequer se poderia cogitar uma catástrofe dessa magnitude em algum Estado da Federação. Não há dúvida, ajustes são necessários, especialmente quando considerados os possíveis impactos negativos que o cadastramento compulsório poderá acarretar, abordados no primeiro texto5.

O cadastramento compulsório, previsto pelo §4º, do art. 1º, da Portaria 46 do CNJ, será feito pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio do compartilhamento de bancos de dados cadastrais de órgãos governamentais, conforme disposto no art. 16, §1º, da Resolução CNJ 455/22. Os riscos dizem respeito às desatualizações ou incorreções existentes nas bases de dados utilizadas para esse cadastramento compulsório, que levarão ao direcionamento indevido ou equivocado das comunicações eletrônicas (como citações e intimações), sujeitas aos prazos e penalidades previstos. Na prática, isso significa que para efeitos legais as comunicações e citações serão enviadas, mas talvez seus destinatários não tomarão ciência e poderão sofrer as consequências por omissão. O problema se agrava no cenário Gaúcho, considerando que, somada à desinformação quanto à obrigatoriedade do cadastramento, várias pessoas jurídicas de direito privado - aqui incluídas empresas e até mesmo algumas serventias extrajudiciais - foram afetadas pelas enchentes. O levantamento da Defesa Civil aponta que mais de  ? dos municípios gaúchos foram atingidos.

A dilação do prazo para o cadastramento obrigatório, livre das consequências potencialmente negativas que o cadastramento compulsório pode acarretar, é absolutamente imperiosa, considerando a necessidade premente de reestruturação das operações de pessoas jurídicas no Estado do Rio Grande do Sul, o que pode incluir desde a realocação da sede até contratação de pessoal - que afetará, inquestionavelmente, o cerne do Domicílio Eletrônico Judicial, que é justamente garantir segurança, celeridade e eficácia às comunicações processuais. Tal propósito não pode representar um “atropelamento” ou uma punição àqueles que sofreram e estão sofrendo com as consequências da crise climática que castiga o RS.

O Supremo Tribunal Federal, em 04 de maio de 2024, determinou a suspensão da contagem dos prazos processuais dos feitos em que sejam parte o Estado do Rio Grande do Sul ou seus Municípios, nos termos da Resolução nº 829/2024.6 O Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região comunicou, por meio da Portaria Conjunta n°. 1.830, de 07 de maio de 2024, a suspensão dos prazos processuais, e, inclusive, a inatividade momentânea do sistema utilizado para acesso aos processos7. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região publicou a suspensão dos prazos, conforme o Portaria n°. 386/2024, de 06 de maio de 2024, e, também, o acesso ao sistema E-proc8. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nesse sentido, também determinou a suspensão dos prazos processuais9.

Nesse contexto, a Receita Federal do Brasil publicou a Portaria RFB nº. 415, de 6 de Maio de 2024, prorrogando os prazos para pagamento de tributos federais, e cumprimento de obrigações acessórias, suspendendo os prazos para prática de atos processuais no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), para contribuintes domiciliados nos municípios localizados no Estado do Rio Grande do Sul, onde foi declarado estado de calamidade pública em razão da catástrofe climática. Com isso, o prazo para entrega da declaração de Imposto de Renda para moradores das mais de 300 cidades atingidas foi prorrogado para 31 de agosto.10

A sensibilidade das autoridades que presidem os órgãos que expediram as publicações referidas deve servir de inspiração ao Conselho Nacional de Justiça, para que determine a prorrogação do prazo obrigatório para cadastramento das pessoas jurídicas de direito privado sediadas no Estado do Rio Grande do Sul, notadamente nos municípios atingidos, evitando prejuízos que o cadastramento compulsório poderá acarretar.

Neste momento, isto é o mínimo!

__________

1 ROSA, Karin Regina Rick; PETRY, Gabriel Cemin. Domicílio eletrônico judicial e o acesso concentrado às comunicações do Poder Judiciário. Migalhas, Disponível aqui. acesso: 08 mai. 2024.

2 CNJ. Portaria Nº 46 de 16/02/2024, Estabelece cronograma nacional para cadastro no Domicílio Judicial Eletrônico e dá outras providências. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024.

3 IONOVA, Ana. Torrential Rains Leave at Least 29 Dead and More Missing in Brazil. The New York Times. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024.

4 G1. Sobe para 95 o número de mortos após enchentes que atingem o RS. G1 RS,  Disponível aqui. acesso: 08 mai. 2024.

5 ROSA, Karin Regina Rick; PETRY, Gabriel Cemin. Domicílio eletrônico judicial e o acesso concentrado às comunicações do Poder Judiciário. Migalhas, Disponível aqui. acesso: 08 mai. 2024.

6 STF. Resolução N°. 829, de 04 de maio de 2024.  Dispõe sobre a suspensão de prazos processuais. Disponível em: https://digital.stf.jus.br/publico/publicacao/426030. Acesso: 08 mai. 2024.

7 TRT-4. PORTARIA CONJUNTA GP.GCR.TRT4 No 1.830, DE 07 DE MAIO DE 2024. Prorroga os períodos de suspensão de prazos processuais, da prática de atos processuais e do atendimento presencial nas unidades judiciárias e administrativas, bem como prorroga o regime de trabalho remoto integral e compulsório em todas as unidades judiciárias e administrativas da Justiça do Trabalho da 4a Região. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024.

8 TRF-4. Portaria n°. 386, de 06 de maio de 2024. Dispõe sobre a suspensão dos prazos processuais, sessões e audiências no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Rgião e da Seção judiciária do Rio Grande do Sul. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024.

9 TJRS. ATO CONJUNTO Nº 03/2024-P E CGJ. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024.

10 SERFB. PORTARIA RFB Nº 415, DE 6 DE MAIO DE 2024.  Prorroga prazos para pagamento de tributos federais, inclusive parcelamentos, e para cumprimento de obrigações acessórias, e suspende prazos para a prática de atos processuais no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, para contribuintes domiciliados nos municípios enumerados no Anexo Único desta Portaria, localizados no Estado do Rio Grande do Sul.Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024. 

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.