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A conversão da união estável em casamento e a dispensa de pacto antenupcial em caso de manutenção do regime vigente durante a convivência

Provimento 141/23 do CNJ regulamenta lei 14.382/22 sobre união estável, discutindo necessidade de pacto antenupcial em conversão em casamento.

13/3/2024

INTRODUÇÃO

O Provimento 141/23 da Corregedoria do CNJ1 veio regulamentar as disposições da lei 14.382/22 relativas à união estável, trazendo muitas inovações. No presente artigo trataremos da questão da exigência ou não de pacto antenupcial quando da conversão da união estável em casamento, apresentando decisão proferida pela MMª juíza da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte/MG.

Sobre a escolha do regime de bens que vigorará no casamento, o Código Civil estabelece a necessidade de pacto antenupcial quando a escolha do casal for de regime de bens diverso do legal. O regime legal no Brasil desde a lei do divórcio, que entrou em vigor em 27/12/77, é a comunhão parcial de bens, podendo ser o caso também de a lei estabelecer a separação obrigatória de bens. 

Ambos, comunhão parcial de bens e separação obrigatória de bens são regimes que decorrem da lei, logo, dispensam o pacto, devendo ainda ser considerado que, para o maior de 70 anos de idade, poderá ser lavrado pacto antenupcial ou escritura ou termo declaratório de união estável afastando o regime da separação de bens, tendo em vista o Tema 1.236 da repercussão geral do STF.2 

O PACTO ANTENUPCIAL NA CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO

O Código Civil determina que poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer regime de bens, sendo que, quanto à forma, será reduzida a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública nas demais escolhas. Já no art. 1.653, o Código estabelece que é nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento.

O tema abordado neste artigo envolve a conversão da união estável em casamento, procedimento no qual a celebração é dispensada e que tem por fundamento legal o disposto no art. 226, § 3º, da Constituição da República, segundo o qual, para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. A determinação constitucional foi regulamentada pelo art. 8º da lei 9.278/96 e pelo art. 1.726 do Código Civil.

A forma administrativa de conversão da união estável em casamento, que se dá mediante requerimento feito pelos conviventes ao Oficial do Registro Civil, não foi disciplinada pelo Código Civil, mas a lei 9.278/96 não foi revogada no que se refere ao procedimento administrativo, razão pela qual permanece a opção.

DA NÃO EXIGÊNCIA DE PACTO ANTENUPCIAL QUANDO FOR MANTIDO O REGIME DE BENS EXISTENTE DURANTE A UNIÃO ESTÁVEL

No que se refere à conversão da união estável em casamento, o Provimento 141/CNJ, hoje 149/CNJ, inovou, dispensando em certos casos o pacto antenupcial. O mencionado provimento estipulou que a “conversão da união estável em casamento implica a manutenção, para todos os efeitos, do regime de bens que existia no momento dessa conversão, salvo pacto antenupcial em sentido contrário.”

Foi esclarecido pelo Provimento do CNJ que somente será exigido pacto antenupcial quando na conversão for adotado “novo regime, salvo se o novo regime for o da comunhão parcial de bens, hipótese em que se exigirá declaração expressa e específica dos companheiros nesse sentido”. Entendemos que a mesma regra da comunhão parcial se aplica aos casos de separação obrigatória de bens, ou seja, os nubentes manifestarão ciência, em termo, de que o regime legal está sendo aplicado.

O Provimento do CNJ ordena que o regime de bens a ser indicado no assento de conversão de união estável em casamento, quando a opção for por manter o mesmo regime escolhido quando da união estável e esse regime for diverso do legal, deverá ser o mesmo consignado em um dos títulos a seguir indicados: I – sentenças declaratórias do reconhecimento da união estável; II – escrituras públicas declaratórias de reconhecimento da união estável; III – termos declaratórios de reconhecimento de união estável formalizados perante o oficial de registro civil das pessoas naturais. Assim, desde a publicação do Provimento 141/CNJ, cujas disposições atualmente estão o Provimento 149/CNJ, somente esses três títulos são hábeis a definir o regime de bens na união estável e, muito importante ressaltar, esses títulos têm força de pacto antenupcial quando o regime de bens escolhido na convivência tiver sido diverso do regime legal e os nubentes optarem pela manutenção do regime no casamento. 

Somente se houver opção, após a conversão da união estável em  casamento, por outro regime, diferente, pois, daquele que vigorou na união estável, deverá ser lavrado pacto antenupcial, sendo recomendada pelo provimento a partilha de bens.

Caso concreto foi apresentado à exma. sra. juíza da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte. Um casal que já vivia em união estável e que já tinha, por escritura pública, definido que o regime naquela união seria o da separação consensual de bens, requereu que, na conversão, fosse mantido o mesmo regime, sem apresentar pacto antenupcial. Foi suscitada dúvida pelo Registrador Civil, posto que o atual Código de Normas de Minas Gerais ainda exige o pacto antenupcial. A MMª juíza, em decisão publicada em 20/6/23, interpretando o Provimento do CNJ, proferiu a seguinte sentença3:

É certo que o Código Civil estabelece a obrigatoriedade de realização de pacto antenupcial no caso de opção dos nubentes por regime de bens diverso do legal, o que aqui se verifica.

Todavia, não há como ignorar que, em face da edição da lei 14.382/22, que tratou da conversão da união estável em casamento, o CNJ publicou o recente Provimento 141, justificando-o, dentre outros motivos, para “facilitar aos companheiros a declaração de existência da união estável, a sua conversão em casamento”, estabelecendo, de forma clara e objetiva que:

Art. 9º-D. O regime de bens na conversão da união estável em casamento observará os preceitos da lei civil, inclusive quanto à forma exigida para a escolha de regime de bens diverso do legal, nos moldes do art. 1.640, parágrafo único, da lei 10.406/02 (Código Civil).

§ 1º A conversão da união estável em casamento implica a manutenção, para todos os efeitos, do regime de bens que existia no momento dessa conversão, salvo pacto antenupcial em sentido contrário.

§ 2º Quando na conversão for adotado novo regime, será exigida a apresentação de pacto antenupcial, salvo se o novo regime for o da comunhão parcial de bens, hipótese em que se exigirá declaração expressa e específica dos companheiros nesse sentido.

Ora, a regulamentação previu que somente será exigido pacto antenupcial no caso de conversão de união estável em casamento “se for adotado novo regime” e se não for ele o legal – comunhão parcial de bens. No caso em tela, os nubentes firmaram escritura de união estável em 11/4/23 e nela estabeleceram como regime da relação deles o da separação e bens, pretendendo, agora, manter o mesmo regime, de modo que, nos termos daquele Provimento, não se faz mesmo necessário firmar o pacto, já que não estão alterando o regime anteriormente estabelecido.

Aliás, seria mesmo muito preciosismo e um ônus desnecessário para o cidadão, obrigá-lo a firmar escritura pública para nela estabelecer o que já está estabelecido em idêntico instrumento.

É certo que a ausência do pacto poderia acarretar problemas futuros em especial no caso de transação imobiliária pelos nubentes, mas, para tal, basta a informação no assento de casamento de que o pacto foi suprido, nos termos do art. 9º-D, do Provimento 141/23 do CNJ, pela escritura pública de união estável.

CONCLUSÃO

Perfeita a sentença que, reconhecendo a exceção prevista na norma expedida pela Corregedoria do CNJ, afastou a necessidade de pacto antenupcial apenas no caso da conversão da união estável em casamento em que mantido o regime anterior,  diverso do regime legal, escolhido por título qualificado4 durante a união estável.

Portanto, desde a publicação do Provimento 141/CNJ e atualmente na vigência do Provimento 149/CNJ, nas hipóteses em que na união estável já existir um dos três títulos qualificados previstos naquele Provimento, fixando regime de bens diverso do legal, e o casal pretender manter esse mesmo regime quando da conversão da união estável em casamento, não será necessária a lavratura de pacto antenupcial. Como bem afirmou a MMª juíza da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte/MG, o pacto foi suprido, pelo título no qual foi escolhido regime de bens para a união estável.

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1 O referido Provimento foi revogado em setembro 2023 tendo em vista o surgimento do novo Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça -  Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra), Provimento nº 149, mas o conteúdo das suas normas permanece o mesmo, somente compiladas no novo Código Nacional.

2 Para aprofundamento ver artigo de nossa autoria disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/401508/a-separacao-obrigatoria-para-o-maior-de-70-anos-nao-e-mais-obrigatoria

3 Na sentença são mencionados os artigos do Provimento 37/CNJ, pois a decisão foi proferida antes da publicação do Provimento nº 149/CNJ

4 Os títulos qualificados são: sentença judicial, escritura pública lavrada por tabelião de notas ou termo declaratório lavrado perante registrador civil das pessoas naturais

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.