Introdução
Com o advento da lei 14.382, de 2022, alterou-se a Lei de Registros Públicos (LRP) para inclusão do § 4º do art. 221, inovando o processo de registro. O dispositivo se coordena com o § 6° do art. 19 da mesma lei. Ambos têm a seguinte redação:
Art. 19. A certidão será lavrada em inteiro teor, em resumo, ou em relatório, conforme quesitos, e devidamente autenticada pelo oficial ou seus substitutos legais, não podendo ser retardada por mais de 5 (cinco) dias.
(...)
§ 6° O interessado poderá solicitar a qualquer serventia certidões eletrônicas relativas a atos registrados em outra serventia, por meio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça.
...
Art. 221 - Somente são admitidos registro:
(...)
§ 4º Quando for requerida a prática de ato com base em título físico que tenha sido registrado, digitalizado ou armazenado, inclusive em outra serventia, será dispensada a reapresentação e bastará referência a ele ou a apresentação de certidão.
Quais serão as repercussões da mudança legislativa na praxe cartorária? Vamos no deter nesse ponto, buscando formular algumas questões para debate e aprofundamento desse e de outros temas conexos.
Rogação pelo interessado...
A lei exige requerimento do interessado. Não cabe ao registrador diligenciar, sponte propria, a ocorrência de registro do título no cartório ou em outra serventia. O impulso (instância ou rogação) deve ser do interessado (inc. II do art. 13 c.c. § 6º do art. 19 da LRP).
A expressão interessado é significativa no contexto da lei. Não será qualquer apresentante que mobilizará o processo de registro. O interessado deve justificar o pedido, autorizando o oficial a proceder às diligências para consumação do registro com base em títulos registrados alhures.1
Título físico...
A previsão da lei é a prática de ato de registro com base em título físico apresentado anteriormente. À parte a expressão equívoca (não existirão, tanto quanto saiba, títulos metafísicos), com base na estrita literalidade da lei, não se admitirá o aproveitamento de título natodigital ou digitalizado, nos estritos termos da lei. Certo que, no caso dos títulos natodigitais, o conceito de original e cópia perde completamente o sentido (original = original). Já no caso dos títulos digitalizados, além dos requisitos aos quais já se aludiu extensamente2, paira certa dúvida se eles deverão ser mantidos nas Serventias, a teor estrito e literal do disposto no defectivo art. 194 da LRP3.
Pode-se cogitar de se admitir certidões eletrônicas relativas a atos registrados em outra serventia (§ 6° do art. 19 c.c. § 4º do art. 221 da LRP) constituindo-se, ela mesma, em eventual título inscritível. Cresce o grau de insegurança jurídica em todo este processo, já que, por definição, o Oficial qualifica o título em toda a sua extensão, não o extrato registral (que pode vir a ser o extrato do extrato...).
Além disso, o que se aproveita é o título em si mesmo considerado, não outros documentos acessórios, embora o Oficial possa admitir prova produzida em outro processo de registro, por analogado do art. 372 do CPC – desde que, evidentemente, os documentos tenham sido anteriormente arquivados na Serventia4. Além disso, própria LRP (“g”, I, art. 213) autoriza o aproveitamento dos dados oficiais para colmatar lacunas5.
Note-se, por fim, a dicção da lei: poderá, isto é, cada caso deverá ser apreciado com autonomia e independência pelo registrador competente nos limites e atribuições legais.
- Clique aqui e confira a íntegra da coluna.
__________
1 JACOMINO, Sérgio. Interessado e apresentante na vigente LRP. São Paulo: Observatório do Registro, 15 jul. 2021. Disponível aqui. Após o advento da Lei nº 14.382/2022 eu retornaria ao tema em JACOMINO, Sérgio. Instrumentos particulares, títulos digitalizados – requisitos técnicos. As reformas sucessivas da lei 14.382/2022, loc. cit., 23/9/2023. Disponível aqui.
2 JACOMINO, Sérgio. Original e cópia – o inebriante efeito especular da digitalização. Velhas questões, novos desafios. São Paulo: Observatório do Registro, 19.fev.2024. Disponível aqui.
3 Aqui calha uma nótula: quando se alude a títulos digitalizados, teve-se em mira os títulos assim apresentados na serventia, não os títulos “físicos” digitalizados pelo próprio cartório. Embora as críticas assacadas em face da digitalização atécnica ab origine se apliquem inteiramente aos títulos cartáceos (“físicos”) digitalizados pelas serventias.
4 Ap. Civ. 77.859-0/8, Bragança Paulista, j. 2/8/2001, DJ 5/9/2001, Rel. Des. Luís de Macedo. Disponível aqui. Ap. Civ. 10.697-0/8, Osasco, j. 12/3/1990, DJ 25/4/1990, Rel. Des. Onei Raphael Pinheiro Oricchio. Disponível aqui.
5 Processo CG 933/2005, São Paulo, decisão de 27/3/2006, Des. Gilberto Passos de Freitas. Disponível aqui.