De proêmio, insta salientar que a lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal. No capítulo IV, em relação às incompatibilidades e os impedimentos, em seu artigo 25, trata que “(o) exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão”.
Nesse toar, o PL 16, de 1994 (nº 2.248/91 na Câmara dos Deputados) teve o parágrafo § 1°, do artigo retro citado, vetado pela Presidência, conforme a Mensagem nº 1.034, porém tal articulado preconizava a seguinte redação:
§ 1º Poderão notários e oficiais de registro exercer mandatos eletivos, cargos de Ministro de Estado, Secretários Estaduais e Municipais ou de magistério, bem como cargo executivo em autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações, federais, estaduais e municipais.
Razões do veto
As exceções previstas no § 1 º são por demais abrangentes, pois a incompatibilidade para exercício de cargo ou emprego público, em comissão, ocorre apenas no âmbito da administração direta, já que os chamados "cargos executivos" em autarquias e fundações públicas são, na realidade, cargos em comissão, regidos pelo regime jurídico único, previsto no art. 39, caput, da Lei Maior. Essa impropriedade é somada ao conceito elástico de "cargo executivo", que não tem seu contorno precisado no projeto, e que pode ter ampla aplicação. Entretanto, é necessário aduzir que não mais se admite o veto a parte de artigo, parágrafo, inciso ou alínea (, § 2º, da CF), mão pela qual o interesse público deve ser verificado à luz da supressão total do § 1 º, o que importa dizer que as incompatibilidades não art. 66admitem exceção." (grifos nossos).
Sobretudo, diante da impossibilidade de aplicação do princípio da parcelaridade1, na forma do artigo 66, § 2°, da Lei Maior, antes adotado na Reforma Constitucional de 1926, o Presidente poderia vetar apenas algumas palavras dentro de um dispositivo, o que surgiu para arrostar as causas orçamentárias. Pelo excerto grifado na citação, entrevê-se que não era interesse do presidente proibir todas as funções ao Notário e Oficial de Registro.
Nessa ordem de ideias, a elasticidade do termo “cargo executivo”, bem como a menção à entidades da Administração Direta e Indireta, convém reconhecer que o veto de per se não proibia o magistério, tampouco a ocupação de cargos eletivos, segundo a inteligência das razões sobreditas.
Nesse passo, o § 2° do artigo 25 preceitua que “(a) diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e a posse, nos demais casos, implicará no afastamento da atividade”, o qual foi objeto normativo da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN n.° 1531, ementado da seguinte forma:
EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. Ação Direta de Inconstitucionalidade do § 2 do art. 25 da Lei federal n 8.935, de 18.11.1994, que dizem: "Art. 25 - O Exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão. § 2 - A diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e a posse nos demais casos, implicará no afastamento da atividade." Alegação de ofensa ao art. 38, inciso III, da Constituição Federal, que dá tratamento diverso à questão, quando se trate de mandato de Vereador. Medida cautelar deferida, em parte, para se atribuir ao § 2 do art. 25 da Lei n 8.935, de 18.11.1994, interpretação que exclui, de sua área de incidência, a hipótese prevista no inciso III do art. 38 da C.F., mesmo após a nova redação dada ao "caput" pela E.C. n 19/98. Decisão por maioria. (ADI 1531 MC, Relator(a): SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 24-06-1999, DJ 14-12-2001 PP-00022 EMENT VOL-02053-01 PP-00196)
Nesse trilhar, continua vigente o artigo 25, § 2º, da lei 8.935, de 18.11.1994, pelo que se postularia pela mesma interpretação conforme dada na ADI acima, olvidando-se das mudanças de Ministros, e da oxigenação do Direito, ou seja, o texto continua, mas e a norma jurídica extraída?
Sendo assim, insta dizer que o art. 54 da Constituição Federal estabelece como regra a incompatibilidade da atividade legiferante com o exercício de função ou cargo em entidades públicas ou privadas que utilizem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos, cujas exceções estão expressamente previstas no texto constitucional (arts. 38, III; e 56, I) e, com aplicação do princípio da simetria, relativos aos mandatos de deputado estadual e vereador estatuídos nos artigos 27, § 1º, e 29, IX, da Constituição.
Outrossim, com espeque nos artigos 236, § 1º, c/c art. 22, XXV, da Constituição, assim como artigo 5º, XIII, todos da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.
Ao largo disso, consabido que a interpretação do texto constitucional “restrições ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão” deve ser interpretada estritamente, máxime por ser norma de eficácia contida, a título ilustrativo.
E se o STF interpretar que se trata de norma não restringível?
O pedido liminar foi deferido em parte, para atribuir ao § 2º do art. 25 da Lei 8.935, de 18.11.1994, interpretação que exclui, de sua área de incidência, a hipótese prevista no inciso III do art. 38 da Lei Maior, mesmo após a nova redação dada ao caput pela EC 19/98.
Em assim sendo, à época, o artigo 38, inciso III, da Carta Magna propugnava, com a Reforma Administrativa, que “(a)o servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;
IV - em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto para promoção por merecimento;
V - na hipótese de ser segurado de regime próprio de previdência social, permanecerá filiado a esse regime, no ente federativo de origem.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)(grifos nossos)
Posto isso, o Conselho Nacional de Justiça despontou com o Provimento n° 78, de 7 de novembro de 2018, o qual foi alterado em razão da ADIN n.º 1531, a qual julgou constitucional o § 2ª, do artigo 25 da lei 8.935/94.
De todo modo, vejamos a redação do Provimento a seguir:
Seção I
De mandatos eletivos
Art. 72. O notário e/ou registrador que desejarem exercer mandato eletivo deverão se afastar do exercício do serviço público delegado desde a sua diplomação.
§ 1.º O notário e/ou registrador poderão exercer, cumulativamente, a vereança com a atividade notarial e/ou de registro, havendo compatibilidade de horários, e nos demais tipos de mandatos eletivos deverão se afastar da atividade, segundo os termos do caput.
§ 2.º No caso de haver a necessidade de o notário e/ou registrador se afastarem para o exercício de mandato eletivo, a atividade será conduzida pelo escrevente substituto com a designação contemplada pelo art. 20, § 5.º, da Lei
§ 3.º O notário e/ou o registrador que exercerem mandato eletivo terão o direito à percepção integral dos emolumentos gerados em decorrência da atividade notarial e/ou registral que lhe foi delegada.
Considerando os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da ADIN com o fito de manter os titulares de cartórios de notas e de registro já eleitos e em exercício quando do julgamento da ação concentrada.
Sucede que o Provimento nº 149 de 30 de agosto de 2023, um dia antes do meu aniversário, instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra), que regulamenta os serviços notariais e de registro trouxe à baila o seguinte regramento no artigo 72 de seu corpo normativo, senão vejamos:
Art. 72. O notário e/ou registrador que desejarem exercer mandato eletivo deverão se afastar do exercício do serviço público delegado desde a sua diplomação.
§ 1.º O notário e/ou registrador poderão exercer, cumulativamente, a vereança com a atividade notarial e/ou de registro, havendo compatibilidade de horários, e nos demais tipos de mandatos eletivos deverão se afastar da atividade, segundo os termos do caput.
§ 2.º No caso de haver a necessidade de o notário e/ou registrador se afastarem para o exercício de mandato eletivo, a atividade será conduzida pelo escrevente substituto com a designação contemplada pelo art. 20, § 5.º, da Lei Federal 8.935/1994.
§ 3.º O notário e/ou o registrador que exercerem mandato eletivo terão o direito à percepção integral dos emolumentos gerados em decorrência da atividade notarial e/ou registral que lhe foi delegada.
Visto isso, pergunto-me, e aos leitores: essa disposição se trata de mero erro material, ou reavivamento da questão aos olhos de um STF com novos membros e um novo estado constitucional. Pois bem, caso se entenda pelo erro material, cabe oficiar ao CNJ para a devida correção.
Entrementes, no caso de ser uma reviravolta da discussão, o CNJ, no uso de seu poder normativo, reabriu a discussão anteriormente assentada, lembrando que, em matéria constitucional, o poder constituinte difuso permite novas interpretações aos mesmos dispositivos, haja vista a diferenciação entre texto e norma.
Importa assinalar que o artigo 556, inciso XXXVI, do CNN CN-CNJ-Extra, revogou totalmente o antigo Provimento n° 78, de 7 de novembro de 2018.
Ao mesmo tempo, a ADIN n.° 1531 transitou em julgado em 28/04/2020, antes do Provimento n.° 149 da CNN/ Cn-CNJ – Extra.
Sabendo-se que o STF já aceitou o poder normativo, de status primário e autônomo, do CNJ, bem como integra os mesmo Ministros integram o referido órgão na presidência e vice-presidência, nos moldes constitucionais. Jogo ao debate, diante do não acatamento da transcendência dos motivos determinantes, apenas o dispositivo vigora.
Em arremate, indaga-se houve erro material ou uma releitura do direito à vereança pelos delegatários? Caberá ao tempo nos dizer.
Referências
BRASIL, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.°1531. Supremo Tribunal Federal. Disponível aqui.
BRASIL, Provimento n.º 149/2023. Conselho Nacional de Justiça. Disponível aqui, acesso em 28. 10. 2023.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível aqui, acesso em 28.10.2023.
BRASIL, Provimento n.º 78. Conselho Nacional de Justiça. Disponível aqui, acesso em 28.10.2023.
BRASIL, Entenda a tramitação do veto. Disponível aqui, acesso em 28.10.2023.
FILHO, João Trindade Cavalcante. A ciranda do veto: tradicional, meio-veto, desveto, reveto e não veto, acesso em 28.10.2023.
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1 Reveto
Por razões semelhantes às que justificam a refutação do "desveto", também não tem sido aceita entre nós a figura do "reveto". É que não pode o presidente da República, caso exerça o poder de veto parcial, vir a, num segundo momento, vetar outros dispositivos antes não vetados (ou seja, sancionados), promovendo uma espécie de "segunda rodada de vetos", ou "exercício renovado do poder de veto".
“Desveto
Diz-se que o veto é irretratável, porque, uma vez aposto, não pode mais ser desfeito. Assim, quando o presidente da República veta um projeto de lei, não é possível "desvetá-lo". O máximo que pode fazer é rogar ao Congresso para que rejeite o veto do qual ele (presidente) se arrependeu”. Disponível no CONJUR referenciado abaixo.