Migalhas Notariais e Registrais

Alienação fiduciária e forma pública: densidade dogmática e adequação funcional

Alexandre Kassama comenta recente decisão do Conselho Nacional de Justiça sobre o uso de instrumento particular para alienação fiduciária de imóveis.

30/8/2023

No dia 8 de agosto último, o e. Conselho Nacional de Justiça julgou improcedente, por unanimidade de votos, o Procedimento nº. 0000145-56.2018.2.00.0000, o qual visava declarar ilegal o art. 954 do Provimento Conjunto nº. 93/2020 do e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais que autoriza o uso de instrumento particular em atos relativos à alienação fiduciária de bens imóveis apenas quando celebrados por integrantes do Sistema de Financiamento Imobiliário, Cooperativas de Crédito e Administradoras de Consórcio de Imóveis.

Conforme o voto do Relator, Exmo. Conselheiro Mário Goulart Maia, o entendimento do Tribunal Mineiro se faz “razoável”, guardando, ainda, “sintonia com os entendimentos de outros tribunais, a exemplo do TJPA, TJMA, TJPB e TJBA, que também inadmitem o uso de instrumento particular para entidades não integrantes do SFI”.

A despeito de ter sido formado pela unanimidade dos Conselheiros, inclusive pelo Corregedor Nacional de Justiça, Min. Luis Felipe Salomão, que, ao declarar seu voto convergente, informou que a e. Corregedoria aguardava o deslinde do caso para propor a normatização do tema em âmbito nacional, o entendimento do colegiado foi chamado de “ilegal”, com consequências “graves” e “nefastas” pela advogada da parte interessada em coluna neste mesmo portal1.

O presente texto visa apresentar uma visão diversa, sendo que, aos olhos do presente autor – um tabelião de notas, é bom que se diga expressamente para não deixar oculto o possível conflito –, a decisão do e. CNJ fez jus à melhor dogmática, indo além dos interesses econômicos sempre presentes na discussão, os quais propendiam a uma dogmática de menor complexidade.

Analisando o texto crítico já mencionado2, fica claro que o cerne da questão gira em torno da interpretação dos artigos 22, §1º, e 38 da lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, a Lei que instituiu o “Sistema de Financiamento Imobiliário e a alienação fiduciária de bem imóvel”, como consta de sua ementa.

Deixa-se de lado, desde logo, a argumentação empreendida em torno do art. 5º, §2º, da mesma lei, por se entender que o parágrafo não pode ser ampliativo em relação ao caput, não sendo da técnica legislativa que um parágrafo de um artigo específico seja interpretado com referência a outro artigo, ainda que da mesma lei, como quiseram as autoras do texto referido, de modo que fica claro que o que quis dizer o §2º do artigo 5º é justamente que as condições obrigatórias do financiamento imobiliário previstas no mesmo artigo 5º3 - e não, por óbvio, no art. 38 -, devem ser aplicadas tanto a integrantes do SFI, quanto a entidades que eventualmente realizem a venda de imóveis a prazo fora do referido sistema.

Ora, quanto ao art. 22, §1º, não há qualquer dúvida: a contratação da garantia da alienação fiduciária de bem imóvel, inclusive com sua recuperação em procedimento específico, diferentemente daquela prevista para bens móveis no decreto-lei 911, de 1º de outubro de 1969, pode ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica, integrante ou não do SFI.

A situação, contudo, é muito diversa em relação à interpretação do art. 38, o qual tem a seguinte redação literal: “Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.”

Uma leitura mais imediata e simplista poderia sugerir, como queria a parte autora no procedimento julgado, que “os contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação” fossem aqueles que previssem a garantia da alienação fiduciária de bem imóvel, já que o mesmo ato normativo que criou o SFI criou a referida garantia em nosso ordenamento. Todavia, essa leitura levaria a resultados dogmáticos de baixa complexidade. Vejamos.

Mesmo em um expediente interpretativo mais raso, já se poderia apontar que o art. 38 se encontra no Capítulo III, das “Disposições Gerais e Finais” da Lei, o qual traz normas, entre outras, que se referem claramente ao SFI, e não à alienação fiduciária, como o art. 41 que cria a competência do Conselho Monetário Nacional para regulamentar a própria Lei. Ora, quisesse o legislador se referir à alienação fiduciária, por que não inserira o art. 38 dentro do Capítulo II, o qual trata especificamente da “Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel”?

Mais do que isso, o Legislador não poderia mesmo aplicar o art. 38 à alienação fiduciária em garantia sem subverter alguns dogmas de nossa teoria geral do direito.

Para além da questão (des)funcional, a ser tratada mais adiante, foca-se na natureza do contrato: uma garantia. Ora, como bem se sabe e até onde se sabe, a garantia é contrato acessório, e segue um principal, jamais o contrário. Ainda que se entendesse que a alienação fiduciária poderia ser contratada sempre por instrumento particular – e também o mútuo, para o qual não há forma prescrita em nossa legislação4 -, ainda restaria a questão: e a compra e venda?

Sem dúvida, ninguém compra imóvel por garantia, nem por mútuo, e, ao que parece, a Lei 9514/97 não instituiu, nem regulou a compra e venda, a qual continua regrada pelo Código Civil. Nesse sentido, entender que a forma da garantia atrairia a do contrato conexo – e, a rigor, principal no tocante à operação econômica, já que o mútuo e a garantia só existem para que se possa concretizar a compra e venda - seria subverter princípios basilares da dogmática. Não é a compra e venda que resulta da aplicação da alienação fiduciária, mas, rigorosamente, o contrário, não sendo de se esperar que a forma desta se espraie para aquela, mas o inverso.

Também uma solução mais simplória, em que apenas a garantia fosse formalizada por instrumento particular, mantendo-se a escritura pública para a compra e venda, nos traria uma situação deveras inusitada, em que a parte teria de concertar a compra e venda por escritura pública com a garantia da alienação fiduciária por instrumento particular, o que demonstra o equívoco de tal entendimento.

Ainda mais, essa interpretação, ao entender que o art. 38 está vinculado à alienação fiduciária, e não ao SFI, traria como consequência a obrigatoriedade de as próprias instituições financeiras terem de se utilizar das escrituras públicas quando instrumentalizassem também a compra e venda, ficando restrito o instrumento particular à garantia, o que nunca foi sequer imaginado em nenhum momento da interpretação do conceito jurídico específico denominado “instrumento particular com força de escritura pública” – e não meramente “instrumento particular” -  cujas raízes remontam ao ano de 1964 e à criação do “irmão mais velho” do SFI, o Sistema Financeiro da Habitação, pela Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964.

De fato, a interpretação histórica e teleológica da Lei já permitiria apontar que “os contratos referidos nesta Lei”, conforme o texto do art. 38, são aqueles operacionalizados dentro do SFI, em paralelo, assim, com o já em voga, desde 64, para o Sistema Financeiro da Habitação (art. 61, §5º, da Lei 4.380, de 21 de agosto de 19645), no qual sempre se pôde realizar operações por instrumento particular “com força de escritura pública”, independentemente do tipo de garantia a ser utilizada.

Cabe recordar que a garantia própria criada para o Sistema Financeiro da Habitação – a hipoteca especial com execução extrajudicial – somente surgiu dois anos depois do próprio SFH6, nunca tendo havido qualquer discussão quanto à possibilidade de uso do instrumento particular com força de escritura pública por entidades do SFH, com ou sem o uso da garantia. A contrario sensu, o uso de alguma garantia tradicionalmente utilizada por entidades do SFH nunca trouxe, nem poderia trazer, a possibilidade de parte não integrante do mesmo sistema se utilizar do “instrumento particular com força de escritura pública”. Ubi eadem ratio, ibi idem jus.

Dessa forma, para não incidir na hipótese de interpretação que levaria à conclusão de que uma garantia poderia subverter requisito de forma (de ordem pública, portanto) do contrato principal, tão pouco na hipótese em que a contratação da compra e venda continuaria a ser celebrada por escritura pública, mesmo quando realizada por entidades integrantes do SFI, sendo apenas a garantia formalizada por instrumento particular, o único raciocínio coerente com a boa dogmática7 foi pontualmente aquele defendido na decisão do e. CNJ.

Não bastasse, se coloca também uma questão funcional clara: enquanto uma loteadora ou incorporadora é parte principal e interessada na própria compra e venda, a qual tem, via de regra, um consumidor na outra ponta, para as instituições financeiras, a compra e venda é auxiliar, sendo sua verdadeira operação a concessão de crédito com colateral.

Embora pareça banal, essa distinção traz novamente uma consequência importantíssima em defesa da decisão. É que haveria um grande risco ao consumidor hipossuficiente se a parte interessada pudesse redigir unilateralmente o contrato sem qualquer fiscalização8.

Enquanto o imóvel é para a instituição financeira um colateral de seu crédito, sendo fiscalizado, ainda que atuarialmente, por meio da análise das carteiras de crédito e critérios de inadimplência no tempo e solvência periodicamente verificados pelo Banco Central, para as próprias empresas imobiliárias o imóvel é “estoque” que deve ser vendido o mais rapidamente e nas melhores condições de preço possível, não sendo trivial que alguns dos principais índices de análise das empresas do setor sejam a “Venda Sobre Oferta – VSO” e o “Índice de Velocidade de Vendas – IVV”, ambos privilegiando a rapidez das vendas, sem que haja qualquer entidade central fiscalizadora de tais contratações que, não por outra razão, resultam, em alguns períodos, em um grande número de “distratos” – os quais acabaram por exigir, até mesmo, lei própria para regular a situação (Lei 13.786, de 27 de dezembro de 2018, a “Lei dos Distratos”).

É precisamente essa a função da escritura pública em relação a tais negócios: fazer as vezes do terceiro imparcial na redação contratual e na manifestação informada e ponderada de vontade das partes. Conforme ensina Antonio Rodríguez Adrados, 

El ámbito típico de la imparcialidad del notario está centrado, en efecto, en la labor profesional que el notario debe desarrollar respecto al negocio documentado, en el asesoramiento y el consejo que debe prestar en los documentos negociales con pluralidad de partes, a fin de ayudarlas a superar la contraposición de sus intereses.9

Neste mesmo móbil, a imparcialidade tem sido estudada como princípio central do notariado do tipo latino, sendo tema de congressos internacionais da União Internacional do Notariado Latino desde, pelo menos, a década de 8010.     

É também por isso que Celso Fernandes Campilongo vê a atuação notarial como verdadeiro “bem público”, aportando “eficácia probatória, redução de litigiosidade, interação com outros ramos da administração pública, benefícios para futuros negócios com o mesmo bem, recolhimento de tributos, certeza jurídica, redução de custos de transação, proteção do consumidor”, sendo “altamente improvável que o interesse privado presente os negócios e contratos imobiliários, por si só, gere um grau ótimo de satisfação dessa ampla gama de efeitos externos positivos e de grande valor público”11-12.

Ademais, justamente a alienação fiduciária em garantia possui uma qualidade específica que recomenda, ainda mais do que em outros atos dispositivos reais imobiliários, a presença da escritura pública: trata-se de um dos poucos mecanismos presentes em nosso ordenamento que podem acarretar a perda da propriedade sem manifestação de vontade da parte executada, e sem qualquer intervenção jurisdicional.

Não por outra razão, o tema enfrentou e enfrenta questionamentos sobre a sua constitucionalidade. Em solo europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou ilegal frente à diretiva europeia de proteção ao consumidor a lei espanhola de execução hipotecária que justamente impedia a defesa, inclusive jurisdicional, senão através de reparação de danos a posteriori, por parte do mutuário inadimplente13. É para se impedir e atenuar esse tipo de questionamento que a figura do notário se presta. 

Ao fim, mesmo o argumento econômico dos críticos da decisão parece desfocado, alarmista e sem comprovação empírica. Se, de fato, as escrituras implicam custos com emolumentos que poderão eventualmente ser repassados aos consumidores14, não é de se imaginar que os custos para a elaboração e gestão dos contratos privados tenham sido totalmente absorvidos pelos empreendedores.

Ao contrário, casos como a da famosa taxa “Sati”- “Serviço de Assessoria Técnica Imobiliária” -, hoje proibida pelo Superior Tribunal de Justiça, demonstram precisamente o inverso.

A propósito, a cobrança da referida taxa “Sati” então em voga no mercado, no valor de 0,88% do valor do imóvel, seria superior, em valores atuais, ao valor efetivamente recebido por um notário paulista15 na realização de escrituras de imóveis com valores superiores a cerca de R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), o que englobaria, inclusive, o tíquete médio de um apartamento padrão em São Paulo16,  com a diferença de que as partes estariam ambas assessoradas por um profissional imparcial, no caso da escritura, e não apenas contratado e remunerado por uma única delas, como no caso do instrumento particular17.

Em síntese, ao privilegiar a forma pública, se fortaleceria o papel da advocacia extrajudicial, com o advogado mais uma vez assumindo o papel de interlocutor privilegiado entre os grandes players do mercado e atores institucionais imparciais com finalidades públicas e de proteção à parte hipossuficiente, com ganhos a todo o mercado18.

É nesse influxo que, mesmo em uma análise macro, estudos mais recentes do mercado imobiliário global apontam uma consistente melhora em todos os indicadores – velocidade, qualidade e preço - nos países que adotam o sistema do notariado latino na transação imobiliária.

Assim, ao verificar os dados colhidos no próprio relatório do Banco Mundial, “Doing Business” – e a despeito de seu malsinado final -, é possível concluir que “the quality of the transfer is much higher and less expensive if on civil law notary control” e, “Moreover, considering the possible distortion coming for the implication of the methodology on the calculation of time and procedures (see Cappiello 2014), a more faithful representation of the reality by these indicators would probably enhance further the important legal control made by highly qualified legal experts (notaries) completing many checks (procedures) faster than systems which do not adopt civil law notaries”, pelo que “The aggregate analysis on the 190 economies examined with the Registering property indicator and sub-indicators, shows that countries using notaries in real estate transactions are the most efficient (synthetic RP indicators as well as all sub-indicators)”19.

Analisando os dados específicos do “Doing Business” para o mercado brasileiro, também se encontra um prazo de documentação notarial médio de 3 dias, o que não parece excessivo quando se tem em conta que a garantia da alienação fiduciária operará, na vasta maior parte dos casos, o maior passivo da família brasileira,  e considerando que países como o Japão e a Alemanha impõem, por lei20, em tais casos, prazos mínimos obrigatórios de um mês ou pelo menos duas semanas.

Em síntese, muito longe de ser ilegal, a decisão do e. CNJ elabora uma dogmática de maior densidade a qual acarreta consequências funcionais de longo alcance que, afinal, só tendem a beneficiar o mercado como um todo, ainda que contrariando interesses pontuais.      

__________

1 V. DURAZZO, Kelly; CASTRO NEVES, Renata Mathias de. CNJ ratifica provimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que limita uso de instrumento particular para alienação fiduciária somente para entidades que operam no SFI. 10.08.2023. Disponível aqui. Acesso em 21.08.2023.

2 Idem, Ibidem.

3 Assim os incisos do referido art. 5º, os quais, basicamente, estabelecem a livre negociação de juros a taxas de mercado, a possibilidade de capitalização de juros e reajustes do principal e a contratação obrigatória de seguros. São exatamente estas condições, previstas no art 5º, e não no art. 38, às que presumidamente se refere o §2º, não sendo de se esperar que anomalamente o legislador incluísse um parágrafo em um artigo específico para se referir aos termos previstos em artigo diverso.

4 Diferente, por exemplo, do ordenamento português que previu a obrigatoriedade de escritura pública para o mútuo acima de algumas dezenas de milhares de euros (art. 1143 do Código Civil Português), exatamente em decorrência da gravidade do endividamento. Sobre o tema, em atualização à obra de Pontes, Cláudia Lima Marques já apontava que: “Observa-se nas relações de consumo, mas também nas relações interempresariais, uma volta ao formalismo como meio de comunicação e proteção das partes quanto ao cumprimento de seus deveres de boa-fé, a chamada ‘formalidade informativa’.” PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XXXIX. Direito das Obrigações. Compra e venda. Atualizado por Claudia Lima Marques. São Paulo: RT, 2012. p. 145. Nota da atualizadora.

5 “(...) as operações efetuadas por determinação da presente Lei poderão ser celebradas por instrumento particular, os quais poderão ser impressos, não se aplicando aos mesmos as disposições do art. 134, II, do Código Civil, atribuindo-se o caráter de escritura pública para todos os fins de direito (...)”

6 Decreto-lei 70, de 21 de novembro de 1966.

7 Que conta com o apoio, por exemplo, de Gustavo Tepedino. V. TEPEDINO, G. O papel do tabelião no ordenamento jurídico brasileiro e a interpretação do art. 38 da Lei 9.514/97. (parecer). Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 1, n. 2, jul-dez/2012, para quem “pelo documento público assegura-se que, em cada setor alcançado pelo mercado imobiliário, os objetivos do legislador sejam respeitados, atuando o notário como síndico da compatibilidade do ato em face dos valores perseguidos pelo sistema, a partir da simetria de informações. Tal garantia, por meio do instrumento público, apenas poderá ser atenuada, mediante previsão legal, para a consagração de outros interesses em jogo, como se verifica no art. 38, Lei 9.514/97, a qual, sob a justificativa de impulsionar os negócios imobiliários, e certamente tendo em conta os custos inerentes à própria atuação da entidade do sistema financeiro, autorizou a celebração de atos e contratos referidos na lei e dela decorrentes por instrumento particular, desde que haja a participação de entidade do Sistema Financeiro Imobiliário.”

8 Em preocupação ecoada, em outro contexto, por Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem: “Como na fábula, será correto o maior interessado - "a raposa" - guardar o conteúdo, a integridade e legalidade do contrato? Não equivale dar a ela a chave do galinheiro?” V. A raposa e o galinheiro: a MP 1.085/2021 e os riscos ao consumidor. 02.05.2022. Disponível aqui. Acesso em 22.08.2023. 

9 ADRADOS, A. R. Principios notariales. Lima: Gaceta notarial, 2021. p.124-126. Ainda, a imparcialidade do notário seria “cautelar o preventiva, anterior a la prestación de los consentimientos. (…) Es una imparcialidad equilibradora y compensadora de la desigualdad de los otorgantes, que no se limita a proporcionar mayores informaciones legales a quien tiene menos conocimientos jurídicos, sino que tiene que darle más asesoramiento y más consejo, ya que si tratara igualmente a personas que son desiguales, el notario estaría cometiendo una parcialidad en la otra dirección; no hay en ello una discriminación positiva, puesto que el notario no pretende que prevalezcan los intereses de una parte sobre los de la otra, lo que sería una nueva parcialidad, sino que se unan en un armónico equilibrio. Y es una imparcialidad conciliadora y hasta arbitral de los acuerdos, porque solo así podrá tener el alcance antilitigioso que se espera de ella.
La imparcialidad del notario incluye también una labor de asistencia, a fin de procurar ‘que una parte inexperta o poco hábil no quede perjudicada’ (Ley alemana de Documentación, art. 17), lo que según la jurisprudencia francesa supone una agravación del deber de consejo.”

10 Ver, por exemplo, o texto do professor da Universidade Nacional Autônoma do México, Bernardo Pérez Fernández del Castillo, Necesidad social de la imparcialidade del notario. In: Revista de Derecho Notarial Mexicano. N. 81. Cidade do México: Asociación Nacional del Notariado Mexicano, 1981. p. 66-91. Igualmente o XVI Congresso Internacional do Notariado Latino realizado em Lima, em 1983, com o tema “A Imparcialidade do redator do documento”, em que se concluiu que “La participación del notario en el negocio jurídico, imparcial, comprometida con la justicia y la equidade, se basa en la necesidad de garantizar la estabilidad y el equilibrio en las contrataciones, en las cuales la voluntad autónoma, traducida en precepto adquiere un poder reconocido por las leyes”. Relatando a ação notarial na contratação imobiliária em Buenos Aires, já no XXVII Congresso Internacional do Notariado, a representante argentina apontou que apenas 0,044% das demandas judiciais com cunho patrimonial daquele país se referem a lides imobiliárias pertinentes à transmissão autorizada notarialmente, pelo que “La muy baja tasa de siniestros transforma a la seguridad jurídica inmobiliaria intervenida notarialmente en un elemento vital, que repercute en bajos costos, y alta certidumbre dentro del mercado inmobiliario”.     

11 CAMPILONGO, C. F. Função social do notariado: eficiência, confiança e imparcialidade. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 75

12 No mesmo sentido a doutrina italiana que vê a função notarial na “adequação da vontade ao ordenamento”, inclusive como co-construção da vontade da parte, sendo esta a grande diferença entre a escritura pública e atos privados meramente autenticados. V. PETRELLI, G. Atto pubblico e scrittura privata autenticata: funzione notarile e responsabilità. In: Revista del Notariato, XLVIII, p. 1422-1436, apontando, por tal função, “il dovere di ‘imparzialità sostanziale‘, con la connessa tutela del contraente debole”. Assim também, SATTA, S. Poesia e veritá nella vita del notaio. p. 548.In: Vita Notarile: Studi problemi e lettere del notariato. Rivista di Diritto e pratica contrattuale e tributaria. Indice Generale. 1955. Palermo: Edizioni Fiuridiche Italiane. p. 543-550, classificando a atuação notarial como um “giudizio” diferenciado dos demais por se exercer sobre as vontades das partes. E mesmo a clássica lição de Carnelutti, aproximando a figura do notário à do defensor, e assim como não há devido processo sem defesa, não haveria manifestação ponderada de vontade sem notário, donde “quanto mais notário, tanto menos juiz”. CARNELUTTI, F. La figura juridica del notario. Conferência na Academia Madrilenha do Notariado. Maio de 1950. In: Teoría del Derecho Notarial. Lima: Gaveta Notarial, 2021. p. 123-149. 

13 Processo C-415/11, julgado pela Primeira Seção do Tribunal de Justiça da União Europeia, em 14.03.2013, analisando a legislação espanhola em relação à Diretiva 93/13/CEE, que trata justamente de cláusulas abusivas em relação ao direito do consumidor.

14 De se notar aqui que, especialmente nos casos de imóveis com fins sociais, há uma substancial redução dos emolumentos na confecção das escrituras, chegando a R$231,97 na tabela paulista, independente do valor do imóvel.

15 Desconsiderados os “repasses” às diversas entidades que fazem às vezes de verdadeiro financiamento público extraorçamentário e que, não existissem, seriam inevitavelmente cobrados de todos os cidadãos na forma direta de impostos. A título meramente exemplificativo, já que o tema demandaria maior espaço, 79,70% do orçamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo no ano de 2022 derivou de repasses ao Fundo de Assistência Judiciária, mantido por tais valores, enquanto os recursos oriundos do Tesouro do Estado não chegaram a 15% do recebido pela Entidade. V. disponível aqui. 

16 Em torno de R$400.000,00 (quatrocentos mil reais). V. Disponível aqui. Acesso em 24.08.2023.

17 A propósito, um dos fundamentos apresentados pelo saudoso Ministro Sanseverino à vedação à taxa Sati pelo STJ foi justamente o fato de que o serviço seria de confiança, devendo ser dado ao consumidor escolher o profissional que mais lhe desse segurança. STJ. 2. Seção. Resp 1.599.511-SP. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. J. 24.08.2016

18 Ver, entre outros, GARRIDO CHAMORRO, P. La función notarial, sus costes y sus beneficios. Consejo General del Notariado, Madri, 2000. p. 183-184. E, em especial, ARRUÑADA, B. The economics of notaries. In: European Journal of Law and Economics. 3. 1996. p. 5-37.

19 V. CAPIELLO, A. Doing Business Report and Real Estate Transfers: Far better with legal controls and notarial guarantee. 2020. Aparentemente, o reflexo positivo da atuação notarial somente não ocorreria em países com renda per capta acima de U$45.000,00 (quarenta e cinco mil dólares), o que, por óbvio, está muito longe do caso brasileiro.

20 Art. 355, 2, do Código Civil Alemão e art. 465-6, 1, do Código Civil Japonês.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.