Migalhas Notariais e Registrais

Vésperas do SERP – uma ideia fora do lugar – Parte I

O jurista Sérgio Jacomino faz análise prática, histórica e política do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos.

29/5/2023

"...conhecendo o que os que esto leerem que nom screvo do que ouvy,
mes daquello que per grande custume tenho aprendido".

(Dom DUARTE I, 1391-1438. Livro da Ensinança do Bem Cavalgar toda Sela).

Introdução

Toda reforma institucional tem uma história. O SERP – Sistema Eletrônico de Registros Públicos não foge à regra. Este organismo artificial, resultado de tour de force empreendido por agentes do mercado financeiro e de capitais1 e de representantes do setor imobiliário – apoiados por alguns registradores, impulsionados pelo Ministério da Economia – desde cedo despontou no cenário legislativo no afã de reformar o sistema registral, reconvertendo-o segundo modelos, referências e matrizes alienígenas – como o notice-based registry, sobre o qual muito já se falou2.

A partir 2017 iniciaram-se várias tentativas de transformar o tradicional sistema registral pátrio em algo novo, moderno, ágil, eficiente, barato. Um novo Registro. O paradigma que primeiro se insinuou foi a criação de um ente privado centralizado de prestação de serviços de registro e informação – numa palavra, em uma entidade registradora “registral”, a exemplo dos modelos recomendados por organismos internacionais e que vicejaram por aqui3. Sob o pálio da "modernização" do sistema registral, as tentativas de reforma foram se sucedendo até que, finalmente, elas vieram consagradas, parcial e imperfeitamente, na lei 14.382/2022.

Alguns registradores se inclinariam a esta iniciativa de modo muito entusiasmado, sem que o assunto fosse posto em amplo debate com a sociedade e especialistas4, como se verá ao longo destas páginas. Aliados a representantes de centrais de serviços eletrônicos compartilhados de vários estados brasileiros, os registradores deram impulso às reformas legais que culminaram no SERP5.

Há duas grandes vertentes identificáveis no cerne destas reformas: (a) a criação de uma central de serviços notariais e registrais (o que se consumou com a repristinação do art. 42-A incrustrado na lei 8.935/1994) e (b) criação do SERP, com a figuração de central nacional de registros públicos, criada à imagem e semelhança das matrizes alienígenas, exequíveis pela assimilação de novas tecnologias econômico-financeiras, como a segregação patrimonial e mobilização do crédito (securitização), aliadas a novas ferramentas de comunicação e informação próprias de plataformas digitais.

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1 Por parte do Governo, desempenhou importante papel o IMK – Iniciativa de Mercado de Capitais, lançado pelo Banco Central em parceria com outras instituições. [mirror]. Veremos em detalhe na parte II deste trabalho o papel do IMK na MP 992/2020.

2 Vide defesa do modelo em ABELHA. André. CHALHUB. Melhim Namem. VITALE. Oliver. Org. Sistema Eletrônico de Registros Públicos – Lei 14.382 de 27 de junho de 2022 comentada e comparada, p. 7, n. 2 et seq.

3 UNCITRAL. V. UNCITRAL – Legislative Guide on Secured Transactions. New York: UN, 2010. Vide especialmente pp. 110, passim.

4 Ainda agora, no Congresso Nacional, no âmbito dos debates e discussões relacionados à tramitação da MP 1.162/2022, civilistas firmaram em 19/5/20223 a Carta Aberta de Civilistas dirigida ao relator, Dep. FERNANDO MARANGONI, em que criticam a utilização dos extratos no processo de registração.

5 Como veremos mais à frente em detalhes, o processo de reforma da LRP ganhou impulso com a provocação dos próprios registradores em parceria com setores do Governo Federal. Indico o dossiê que retrata o processo de discussão interna: Dinamização do crédito – índice. Acesso aqui.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.