Nesta edição da seção oficinal, destacamos um tema delicado: cobrança de custas e emolumentos devidos pelo processamento de usucapião extrajudicial em que a parte se declara hipossuficiente e sem condições financeiras de arcar com as despesas emolumentares. Avulta o fato de que, desistindo do processo extrajudicial, a parte distribuiu ação judicial em que se deferiu a assistência judiciária.
No transcurso do processo registral, o interessado houve por bem desistir da via extrajudicial buscando, em seguida, a propositura da ação – distribuída à Vara de Registros Públicos de São Paulo. Ato subsequente, apresentou requerimento expresso para desistência do procedimento de usucapião extrajudicial anteriormente prenotado na Serventia. Assim se fez. Entretanto, ao processar o pedido, o patrono da interessada foi informado de que deveria arcar com o pagamento dos emolumentos, redarguindo, o patrono, que não procederia ao pagamento "já que a parte não teria condições para arcar com o pagamento emolumentar por insuficiência econômica".
Usucapião extrajudicial. Emolumentos – desistência do processo
O valor dos emolumentos devidos pelo processamento do pedido acha-se previsto no inciso II do artigo 26 do Provimento CNJ 65/2017, que dispõe:
"Art. 26. Enquanto não for editada, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, legislação específica acerca da fixação de emolumentos para o procedimento da usucapião extrajudicial, serão adotadas as seguintes regras:
I – (omissis)
II – no registro de imóveis, pelo processamento da usucapião, serão devidos emolumentos equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro e, caso o pedido seja deferido, também serão devidos emolumentos pela aquisição da propriedade equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro, tomando-se por base o valor venal do imóvel relativo ao último lançamento do imposto predial e territorial urbano ou ao imposto territorial rural ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado.
Parágrafo único. Diligências, reconhecimento de firmas, escrituras declaratórias, notificações e atos preparatórios e instrutórios para a lavratura da ata notarial, certidões, buscas, averbações, notificações e editais relacionados ao processamento do pedido da usucapião serão considerados atos autônomos para efeito de cobrança de emolumentos nos termos da legislação local, devendo as despesas ser adiantadas pelo requerente".
No Estado de São Paulo ainda não existe expressa previsão de cobrança de emolumentos para o processamento da usucapião extrajudicial.
Busílis da questão
O Sr. Advogado, tomando ciência da necessidade de recolhimento da taxa de registro, indicou que não arcaria com as despesas do processamento frustrâneo da usucapião em virtude de se tratar pessoa economicamente hipossuficiente. No processo de usucapião judicial distribuído teria sido deferido o benefício da justiça gratuita e que, ipso facto, tal decisão alcançaria os atos pretéritos praticados pela Serventia Extrajudicial.
Os interessados que se utilizam dos serviços notariais e de registro são considerados contribuintes pela lei paulista de emolumentos (art. 2º da Lei 11.331/2002). Já o Oficial do Registro é sujeito passivo por substituição (art. 3º). Nestas condições, com a desistência expressa do pedido, restaria a necessidade de cobrança dos valores emolumentares devidos e o recolhimento das parcelas devidas à Administração, sob pena de responsabilidade do registrador.
Nos casos de hipossuficiência econômica – qual será o critério aplicável?
Entendemos que não há isenção. Em primeiro lugar, inexiste previsão legal ou normativa para deferir a isenção de custas e emolumentos quando a parte voluntariamente desiste do pedido de usucapião extrajudicial. As hipóteses de isenção se acham previstas no artigo 9º da Lei de Custas e Emolumentos paulista
Artigo 9º - São gratuitos:
I - os atos previstos em lei;
II - os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.
Não podendo arcar com as despesas, a parte pode promover ação judicial de usucapião e "fazer jus a assistência jurídica integral e gratuita, garantida constitucionalmente, caso comprove insuficiência de recursos (artigo 5º, inciso LXXIV, da CF)"1.
O CNJ já enfrentou caso análogo e decidiu inexistir norma que conceda gratuidade nos casos de usucapião extrajudicial, relevando o fato de o STF ter reconhecido a natureza tributária dos emolumentos (taxa)2. Neste diapasão, eventual isenção somente poderá ser veiculada por meio de lei específica nos termos do § 6º do art. 150 da CF:
"Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g."
O CTN igualmente estabelece que se interpreta literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenções (inc. II do art. 111 do CTN).
Como vimos, não há na lei estadual (nem no Provimento CNJ 65/2017) qualquer hipótese de isenção para o processamento da usucapião extrajudicial – nem para os casos de desistência.
Consulta – art. 29 da Lei Paulista 11.331/2002
Diante do exposto, em vista da faculdade concedida aos Oficiais de Registro para veicular dúvida acerca da cobrança de emolumentos (art. 29 da Lei Estadual 11.331/2002), formulou-se pedido para que o r. Juízo pudesse decidir se é devida ou não a cobrança dos emolumentos pelo registro do processamento do pedido – especialmente no caso específico em que a interessada declara ser economicamente hipossuficiente.
A MM. Juíza titular da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo apreciou o tema proposto e decidiu inexistir hipótese de isenção de emolumentos na lei e atos normativos baixados tanto pelo CNJ, quanto pela Corregedoria estadual. E o fez com base no seguinte:
- A doutrina3 e a jurisprudência4 consagraram o entendimento que os emolumentos representam hipótese de taxa, espécie de tributo.
- Em virtude da natureza jurídica dos emolumentos, eventual isenção somente poderá ser veiculada por lei específica, conforme dispõe expressamente o § 6º do artigo 150 da Constituição Federal.
- Não há previsão de gratuidade na lei de emolumentos paulista (Lei Estadual nº 11.331/02) acerca de emolumentos relativos ao processamento de usucapião extrajudicial).
- Somente são gratuitos os atos assim previstos na dita lei e aqueles praticados em cumprimento de decisão judicial expressa sobre a gratuidade5.
- Quando se tratar de parte interessada economicamente hipossuficiente, deve promover ação judicial de usucapião e comprovar que faz jus à gratuidade (artigo 5º, inciso LXXIV, da CF).
- O Conselho Nacional de Justiça deixou bastante clara a necessidade de previsão legal específica para a gratuidade de emolumentos no processamento da usucapião extrajudicial6.
Da r. decisão se destaca o seguinte extrato:
"No caso concreto, porém, o que se vê é que a parte optou por iniciar procedimento administrativo de usucapião, arcando com os emolumentos cobrados antecipadamente.
Somente após algum tempo, noticiou a propositura de ação judicial de usucapião e requereu desistência do expediente extrajudicial, defendendo a isenção de custos em razão de sua hipossuficiência econômica ter sido reconhecida na ação em questão.
Este contexto não se enquadra na hipótese regulada pelo artigo 98, inciso IX, do Código de Processo Civil: não se trata de ato registral necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício da justiça gratuita foi concedido.
Em verdade, a decisão judicial que concedeu a gratuidade à parte interessada foi proferida apenas em 15 de julho de 2022, quando já iniciado o procedimento extrajudicial e após o requerimento de sua desistência (fls.06/24, 160 e 202/203).
Note-se que a decisão em questão não traz qualquer previsão sobre extensão da gratuidade concedida ao processamento da usucapião extrajudicial (artigo 9º, inciso II, da Lei Estadual 11.331/02)".
Posteriormente, não se conformando com a decisão prolatada no processo administrativo de consulta, a parte recorreu à Corregedoria Geral de Justiça. Confirmando a decisão da ilustre magistrada, manteve o entendimento esposado pelo registrador. Assim se acha ementada a r. decisão:
Pedido de providências - registro de imóveis – consulta - emolumentos – usucapião extrajudicial – desistência – ajuizamento de ação de usucapião - alegada concessão de benefício da gratuidade em processo judicial - emolumentos - natureza de taxa – cobrança devida - impossibilidade de concessão da benesse na via administrativa sob pena de ofensa ao princípio da legalidade – adequação do cálculo elaborado pelo oficial que bem observou o disposto no art. 26, II, do Provimento CNJ 65/2017 - parecer pelo desprovimento do recurso7.
No bojo do processo de recurso, no r. parecer oferecido pela magistrada, Dra. LETICIA FRAGA BENITEZ, revelam-se novos elementos trazidos à balha. Extraio o seguinte trecho:
"No caso telado, conquanto tenha sido concedida genericamente a gratuidade processual nos autos do processo de usucapião, certo é que a benesse não pode ser estendida ao Serviço Extrajudicial, sem ordem específica, com a finalidade de se obter isenção de emolumentos no pedido de usucapião administrativo em que foi formulada a desistência.
E não se está a dizer que a recorrente não é merecedora da gratuidade; mas apenas que a benesse não poderá ser formulada diretamente ao Registrador e tampouco concedida na via administrativa".
Lembrou parecer da lavra do magistrado JOÃO OMAR MARÇURA, aprovado pelo Desembargador LUIZ TÂMBARA, em caso oriundo do 5º Registro de Imóveis da Capital:
"REGISTRO DE IMÓVEIS Gratuidade da Justiça Concessão pelo Juiz Corregedor Permanente no âmbito administrativo. Inadmissibilidade. Isenção de taxa. Necessidade de previsão legal. Recurso provido para revogar a concessão. (…) Respeitado o entendimento do ilustre corregedor permanente, a isenção depende de lei expressa e, no caso dos autos, têm-se a incidência conjugada do artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal e do artigo 9º, II, da Lei Estadual 11.331/2002, de sorte que a isenção só haveria por ordem judicial, assim entendida aquela emanada de processo judicial e não administrativo, como ocorreu nestes autos. A razão de ser da Lei Estadual é clara, ou seja, visa a eficácia dos atos judiciais que se projetam no registro imobiliário"8.
Com isso encerra-se a questão no âmbito administrativo. Em síntese, "inexistente disposição na lei Estadual 11.331/2002 sobre a cobrança de emolumentos no processo de usucapião extrajudicial".
Deve-se observar a regra instituída pelo art. 26, do Provimento CNJ 65/2017, que assim dispõe:
"Art. 26. Enquanto não for editada, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, legislação específica acerca da fixação de emolumentos para o procedimento da usucapião extrajudicial, serão adotadas as seguintes regras:
II- no registro de imóveis, pelo processamento da usucapião, serão devidos emolumentos equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro e, caso o pedido seja deferido, também serão devidos emolumentos pela aquisição da propriedade equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro, tomando-se por base o valor venal do imóvel relativo ao último lançamento do imposto predial e territorial urbano ou ao imposto territorial rural ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado"9.
Consulte a íntegra das decisões:
- 1VRPSP - Processo 1082322-85.2022.8.26.0100, j. 16/8/2022, Dje 16/8/2022, dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad. Acesso aqui.
- CGJSP – Processo 1082322-85.2022.8.26.0100, São Paulo, dec. de 18/4/2023, Dje 26/4/2023des. Fernando Antônio Torres Garcia. Acesso aqui.
__________
1 Processo 1061112-12.2021.8.26.0100, São Paulo, j. 16/6/2021, Dje 22/6/2021, Dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad. Acesso aqui.
2 PP 0005833-62.2019.2.00.0000, Santa Catarina, j. 10/9/2021, DJ 15/9/2021, rel. EMMANOEL PEREIRA. Acesso aqui.
3 CARVALHO. Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 5/6/2007 a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG. Acesso aqui.
4 STF ADI n. 1.444-PR, j. 12/2/2003, DJ 11/4/2003, Rel. Min. Sydney Sanches. Acesso aqui.
5 Lei 11.331/2002, art. 9º. "São gratuitos: I os atos previstos em lei; [...] II - os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo".
6 CNJ - Pedido de Providências 0005833-62.2019.2.00.0000, j. 10/9/2021, Dje 15/9/2021. Rel. EMMANOEL PEREIRA. Acesso aqui.
7 Processo CG 1082322-85.2022.8.26.0100, decisão de 18/4/2023, Dje 26/4/2023, Des. Fernando Antônio Torres Garcia. Acesso aqui.
8 Processo CG 710/2003, São Paulo, decisão de 12/8/2003, DJ de 22/8/2003, Corregedor Geral Des. LUIZ TÂMBARA. Acesso aqui. Esta decisão se originou do Quinto Registro e o recurso tirado contra a decisão da 1VRPSP pode ser consultada aqui.
9 Provimento CNJ 65/2017, de 14/12/2017, Dje de 15/12/2017, Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Corregedor Nacional de Justiça. Acesso aqui.