Migalhas Notariais e Registrais

Boa nova: A excelente opção da união estável no registro civil

Jurista José Renato Nalini trata das recentes alterações na formalização da união estável em cartório.

30/3/2023

O sistema Justiça deu mais um passo a favor da desjudicialização, ao editar a Lei 14.382, de 27.7.2022, que – dentre outras providências – permitiu que o Registro Civil das Pessoas Naturais proceda à formalização da união estável.

No âmbito do Poder Judiciário, a questão restou pacificada, com a edição do Provimento 141, de 16.3.2023, pelo Conselho Nacional de Justiça, após frustrada a suscitação de inconstitucionalidade do dispositivo autorizador.

Hoje, os interessados em tornar certa a união estável, situação jurídica reconhecida mediante preenchimento de requisitos consolidados na legislação, doutrina e jurisprudência, contam com três portas de acesso à segurança jurídica.

A união estável pode ser reconhecida por sentença judicial, mediante escritura pública lavrada num Tabelionato de Notas e, a novidade recente, mediante mera declaração ao Registrador Civil das Pessoas Naturais.

É saudável o trato que o CNJ conferiu à previsão normativa, porque prestigia a mais democrática dentre as delegações extrajudiciais, aquela de que todos os humanos obrigatoriamente se servem. Todas as pessoas nascem, muitas se casam ou estabelecem uniões estáveis, ninguém está excluído de morrer, após curta ou longa permanência neste planeta. Os assentos realizados pelo Registro Civil das Pessoas Naturais são imprescindíveis a que alguém juridicamente exista, prove seu status familiar, possa exercer em plenitude a sua cidadania.

O mais importante acervo de dados sobre os brasileiros é, paradoxalmente, o serviço menos reconhecido pelo Estado. O governo obriga o titular da serventia a proceder gratuitamente a um serviço que tem um custo. Essa cortesia deveria ser compensada pelo Estado, que não quer cobrar do usuário, mas não suportado pelo sistema extrajudicial.

Sustento, há muito tempo, que a relevância dos préstimos a cargo do Registro Civil das Pessoas Naturais deveria merecer mais acurada atenção de parte do Estado. Cheguei a sugerir que tal serviço fosse o encarregado da função estatística hoje confiada a um recenseamento que, ou não acontece, ou – quando se realiza – registra inúmeras falhas.

Uma etapa importante na trilha da valorização, ocorreu quando se editou a lei 13.484/17, que transformou o Registro Civil das Pessoas Naturais em "ofício de cidadania". É uma válvula aberta à multiplicação de atribuições, pois ele pode concentrar atividades correlatas e melhor servir para a consolidação da democracia participativa. Espera-se dela mais ambiciosos frutos.

Desde a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, constatou-se notável incremento da eficiência das atuais delegações extrajudiciais, na mais inteligente estratégia do constituinte, ao elaborar o exitoso sistema previsto pelo artigo 236 do pacto fundamental. A receita alicerçada na inspiração da iniciativa privada fez deslanchar o uso das inovações tecnológicas e não se reconhece, nas atuais unidades delegadas, a figura do antigo cartório. O próprio Judiciário não conseguiu acompanhar, com idêntico ritmo e ousadia, a evolução verificada no setor extrajudicial.

A capilaridade do Registro Civil das Pessoas Naturais e a circunstância de atender, indistintamente, a todos os seres humanos, já o tornou a única presença do Estado brasileiro em inúmeras localidades. Distritos, povoados, vilarejos que não dispõem de polícia, muito menos de qualquer outra autoridade, contam com o desvelo de profissionais que atendem a questões múltiplas e que refogem ao âmbito estritamente registral ou jurídico.

Assim como acontece com os titulares das demais delegações – Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Registro de Títulos e Documentos, Registro de Imóveis e Notariado de Notas e de Protesto – o delegatário do Registro Civil das Pessoas Naturais é recrutado por um concurso árduo e exaustivo, realizado pelo Tribunal de Justiça.

Por todas as razões, incumbir o Registrador Civil de receber o termo declaratório de união estável é o reconhecimento de que esse profissional vem se desincumbindo com zelo de seus misteres e tem condições de merecer novas atribuições.

Enfatize-se, em reiteração, que resta aberta a possibilidade de se recorrer ao Judiciário convencional e ao Tabelião de Notas. Uma tríplice opção aberta à cidadania a fará escolher a que melhor vier a lhe servir. Com a vantagem de que o Registro Civil das Pessoas Naturais está em todos os rincões do Brasil, até os mais recônditos, o que o credencia a se converter na alternativa única à disposição do usuário.

Nenhum risco à segurança jurídica, pois a dissolução da união estável, à luz do artigo 733 do CC, reclamará assistência de advogado.

Raro momento de se aplaudir Parlamento e CNJ, irmanados na simplificação da vida cidadã e atentos às reais necessidades da população.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.