Provimento CNJ 94/2020
Dando seguimento à série Assinaturas Eletrônicas e a lei 14.382/2022, hoje encerramos o ciclo enfrentando o disposto nos §2º do art. 4º e art. 9º, ambos do Provimento CN-CNJ 94/2020. As questões aqui agitadas guardam estreita relação com o tema central dos artigos anteriores: autenticidade e integridade dos títulos apresentados a registro. Os ditos dispositivos do Provimento 94/2020, baixado no auge da pandemia, em circunstâncias excepcionais – o que de certo modo justificava a solução ali alvitrada –, poderão ser reapreciados pela Corregedoria Nacional de Justiça, razão pela qual apresentamos as breves linhas que se seguem, feitas com o objetivo de colaborar com os debates públicos1.
Comecemos pelo §2º do art. 4º do dito ato normativo. O dispositivo aponta para uma espécie de documento eletrônico que agora nos interessa:
"consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5º do decreto 10.278, de 18 de março de 2020".
Pois bem, vamos examinar as referências que serviram de base para o dito dispositivo normativo. Reza o artigo 5º do decreto 10.278/2020:
"Artigo 5º O documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá:
I – ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados;
À parte a redação do inciso I, suficientemente clara, vimos que a exegese do art. 5º deve ser iluminada pelo disposto no art. 18 da própria lei regulamentada (lei 13.874/2019), como já destacado anteriormente2. Ademais, poder-se-ia argumentar – e com boas razões –, que o conjunto normativo não se aplicaria às atividades registrais imobiliárias, mas tão-somente àquelas relacionadas ao trato do cidadão com a administração pública, em suas relações e interesses pessoais em face do próprio Estado (e mesmo estritamente, entre os privados – art. 2º do decreto 10.278/2020).
Sabe-se que as declarações constantes de documentos assinados "presumem-se verdadeiras em relação aos signatários" (art. 219 do CC e art. 408 do CPC), de modo que a tendência verificada na supressão de reconhecimento de firmas nos documentos apresentados perante a administração pública ganha novo impulso com esta regulação3. Entretanto, a presunção de autoria daquele que digitalizou o título não alcança obviamente os subscritores do instrumento, já que as hipóteses ventiladas no conjunto legal e regulamentar visam a estabelecer canais de interação direta entre o próprio cidadão e a administração pública no marco da governança digital. Trata-se da relação eminentemente pessoal, estabelecida entre o cidadão e o Estado.
O documento, assim digitalizado, poderá ser, segundo a regra, equiparado a documento físico "para todos os efeitos legais" (art. 5º). Entretanto, note-se, neste dispositivo, que a oração anterior se articula com a conjunção "e", ligando-a a outro período, qual seja: "comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno" – vale dizer: União, Estados, Distrito Federal e Territórios, além dos Municípios, autarquias, associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei (art. 41 do CC). É evidente que a norma se preordena à veiculação de interesses próprios e individuais de cidadãos perante a administração pública (art. 9º do decreto Federal 9.094 2017).
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1 O dito Provimento CNJ 94/2020 teve o seu prazo de vigência indeterminado, nos termos do art. 1º do Provimento CNJ 90/2022. No dia 23/2/2023, o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, baixou a Portaria 15/2023 criando o Grupo de Trabalho encarregado da elaboração de estudos e propostas destinadas à consolidação dos provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça relativos ao foro extrajudicial.
2 JACOMINO. Sérgio. Assinaturas Eletrônicas e a Lei 14.382/2022 – parte II - Breves anotações e sugestões para sua regulamentação. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 2023.
3 A tendência de deformalização é longeva. Vide Decreto Federal 63.166, de 26/8/1968 (art. 1º). Ele seria revogado pelo Decreto Federal 6.932, de 11/9/2009. Mais recentemente, o Decreto 9.094, de 17/7/2017 dispôs: "Art. 9º Exceto se existir dúvida fundada quanto à autenticidade ou previsão legal, fica dispensado o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos no País e destinados a fazer prova junto a órgãos e entidades do Poder Executivo federal” (os grifos não são originais)".