Migalhas Notariais e Registrais

Alteração do nome e a mutabilidade extrajudicial - Insegurança ou efetivação de direitos fundamentais?

Os juristas Thomas Nosch, José Renato Nalini e José Luiz Germano tratam da mudança de nome em cartório.

13/7/2022

Os mecanismos de identificação proporcionam uma "segurança jurídica" na formação das relações negociais e existenciais. Com o passar dos anos, tais mecanismos foram alterados, com a inserção de novas tecnologias que nos permitem, com margem de engano muito menor, identificar pessoas. São exemplos disso a identificação biométrica em diversas formas (leitura facial, íris, impressão digital, curvatura das mãos, voz), além das certificações digitais – avançada, qualificada e simples - lei 14.063/2020.

O desenvolvimento e a implantação dessas tecnologias tornaram obsoletas ou pelo menos defasadas, as formas analógicas e pouco seguras de identificação. Por esse motivo, as alterações normativas que visam a facilitar ajustes registrais, sem que isso gere insegurança jurídica - pelo contrário -, acabam gerando um encadeamento eletrônico registral.

O art. 109, da lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), prevê a possibilidade de que o assento seja retificado, devendo o juiz ordenar a expedição de mandado específico para isso. O art. 56 da lei 6015/73 autorizava sua modificação em um prazo decadencial de 1 ano, após a pessoa atingir a maioridade. No entanto, é importante salientar que a ideia de imutabilidade do nome alterou-se sensivelmente nos últimos anos.

Nessa senda, é importante analisar o tema dos direitos da personalidade com vetor axiológico constitucional do supra princípio da dignidade da pessoa humana. Para o STJ, inclusive, as exceções ao princípio da imutabilidade do nome expressas na Lei de Registros Públicos (6.015/1973) são meramente exemplificativas. É possível que o juiz determine a modificação, se entender que existe o constrangimento ou exposição ao ridículo.

A análise indubitavelmente subjetiva deve ser realizada sob a perspectiva do próprio titular do nome. Em estudo do saudoso notário Zeno Veloso, no site portal do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), tivemos a oportunidade de tratar desse tema, defendendo a necessidade releitura da alteração do nome.

Logo de início, é importante estabelecermos que o nome civil da pessoa natural é um direito da personalidade que deve ser analisado pelo vetor axiológico da dignidade da pessoa humana, conforme a Constituição Federal, o que causa uma releitura do princípio da sua imutabilidade. O fato é que esse princípio vem sendo corretamente mitigado. O princípio hoje deve ser considerado como da mutabilidade motivada, pois diversos julgados do STJ têm feito a relativização da imutabilidade, já é um movimento quase que unânime de mitigação desse princípio, baseado numa análise principiológica do ordenamento jurídico.

Conforme destacado inicialmente, a Lei de Registros Públicos, do já distante ano de 1973, previa a possibilidade de alteração do prenome no período de um ano a partir da maioridade, sem tanta necessidade de fundamentação para essa mudança. Também existe a possibilidade de mudança em casos de filiação socioafetiva de enteado, adoção, casamento e união estável, prenome imoral ou de exposição ao ridículo, nome notório ou pseudônimo, entre outras situações. Mais recentemente, é preciso destacar o Provimento 73 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que possibilitou a alteração de prenome e gênero sem necessidade de cirurgia, tratamento hormonal ou mesmo de judicialização.

Essa releitura vem sendo desenvolvida há tempos pelo professor Anderson Schreiber no tocante aos pedidos de modificação do nome, sustentando ele que se trata de medida isonômica a possibilidade de alteração de nome em outros casos. Segundo o especialista, não é o acolhimento, mas a rejeição ao pedido de alteração que depende de motivo suficiente, sempre observando o respeito à personalidade e à autodeterminação pessoal. Estudos e artigos recentes também apontam a necessidade de legislação específica e atualizada sobre o tema. E foi exatamente o que aconteceu com a lei 14.382 de 27 de junho de 2022.

Em que pese alguns afirmarem equivocadamente que há risco para a segurança jurídica na alteração do nome, não nos parece ser assim, pois é sabido que nossa Lei de Registros Públicos é de 1973. Era um momento totalmente diferente para a identificação civil e também para a tecnologia disponível.

Além disso, há recurso disponível para afastar insegurança jurídica, como o Cadastro de Pessoa Física - CPF, meio eficaz de identificação da pessoa natural, o que afasta as narrativas de potenciais fraudes contra credores ou prejuízos a terceiros, ainda mais hoje em que o CPF é atribuído nos primeiros dias ou primeiras horas de vida da pessoa natural!

Não é demais lembrar que a alteração legislativa só permite, em regra, uma única mudança do nome, só que agora sem limitar essa possibilidade ao primeiro ano da maioridade, quando a pessoa não raro não tem a maturidade e conhecimento necessários para isso. Agora, pode essa única mudança extrajudicial ocorrer a qualquer tempo, uma vez só, salvo decisão judicial em contrário.

Portanto, com toda essa salvaguarda, é forçoso convir que a alteração não traz insegurança jurídica. Ao contrário, ela concretiza direitos fundamentais, pois todos precisamos nos reconhecer com a nossa identidade, da qual o nome faz parte, entalhando-se uma nova fase, a mutabilidade extrajudicial.

Mas, caso ainda paire dúvida sobre os riscos da alteração e suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente recusará a retificação. Com efeito, aconselha-se apresentação de certidões do requerente, lembrando que o CPF continuará o mesmo, afastando hipótese de prejuízo para terceiros, deslocando mais uma importante função para os registros públicos, a verificação da identidade.

Por fim, cabe prognóstico registral na medida em que a alteração pode reverberar em outros assentos registrais, após a finalização do procedimento de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico, além de observar assim as retificações, anotações e comunicações específicas em todos outros atos, para assim, evitar riscos e conflitos registrais.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.