Migalhas Notariais e Registrais

A solução é a desjudicialização

A solução é a desjudicialização.

18/8/2021

Experimentamos, hodiernamente, uma explosão do conhecimento humano e a transformação do nosso estilo de vida.

Há bem pouco tempo as pessoas precisavam escrever cartas para se comunicar, assim como ir às bibliotecas municipais para fazerem as suas pesquisas e se contentar com um transporte precário, caro e moroso.

Em todos esses casos, o tempo que se esperava era absurdo. Eram necessários vários dias para se fazer uma viagem interestadual, e, às vezes, vários meses para se receber uma simples mensagem/correspondência.

A realidade era outra, definitivamente!

Acontece que com o crescimento populacional, desenvolvimento humano, surgimento da internet e de novas tecnologias, bem como com a expansão/revolução do comércio e de suas fronteiras, as coisas tiveram que mudar.

Nunca houve, na história da humanidade, tamanho acesso à informação como o experimentado por nossa geração e tanto acesso a novas culturas, experiências e a outros lugares do globo como nos dias de hoje.

Podemos chegar ao outro lado do planeta em questão de horas e interagir, em tempo real, com qualquer pessoa do mundo, com um simples toque na tela de nossos smartphones.

O conhecimento que, nos últimos tempos, já dobrava de maneira exponencial, hoje dobra em poucos meses.

Estamos, de fato, vivendo a era da informação e da democratização do conhecimento.

É assustador saber que todos possuem praticamente todo o acervo do conhecimento humano nas palmas de suas mãos!

Já parou para pensar sobre isso?

E, com todo esse desenvolvimento, o estilo de vida das pessoas, rápida e inacreditavelmente, também foi transformado, resultado do grande avanço da tecnologia e do dinamismo das relações sociais.

É, também, impressionante a velocidade com que tudo acontece atualmente!

Todos correm de um lado para o outro com os seus muitos afazeres e com as suas vidas agitadas e atarefadas.

Jornadas de trabalho intensas, trânsito caótico, cursos de línguas, aperfeiçoamentos, graduação e pós-graduação; essa é a rotina da geração fast-food.

É! A vida do homem contemporâneo realmente mudou!

Nesse novo cenário, o tempo passou a ser o fator principal e a moeda mais cara.

O investimento adequado desse recurso tão precioso pode nos render grandes riquezas e uma enorme satisfação e bem-estar, enquanto que a sua falta ou má gestão pode trazer ao homem grandes prejuízos.

Dessa forma, as coisas tendem a fluir, cada vez mais, com grande dinâmica e velocidade, principalmente no mundo dos negócios, em que, como diz aquele velho jargão, “tempo é dinheiro”.

No mundo jurídico, as mudanças também foram inevitáveis.

Com toda essa dinâmica social, o Direito também teve que passar por inúmeras transformações - e assim deverá continuar - a fim de atender às novas demandas e anseios da sociedade, que, dentre outras coisas, clama por mais celeridade na realização de atos e procedimentos.

Tanto é verdade que, no meio jurídico, deparamo-nos, todos os dias, com novas situações e casos inusitados, assim como com o surgimento de novos institutos jurídicos, a transformação daqueles já existentes, grande dinâmica/inovação jurisprudencial e a edição de uma infinidade de normas jurídicas, notadamente em tempos de pandemia do novo Coronavírus.

Nesse novo contexto, este é o desafio: dar soluções jurídicas céleres, dignas e adequadas, e ao mesmo tempo, seguras e eficazes, às demandas e anseios do homem moderno.

Mas como fazer isso com o Judiciário abarrotado de ações judiciais, resultado de uma cultura de tudo judicializar?

Como superar esse desafio se, em razão desse demasiado volume de demandas, muitas ações judiciais costumam superar, e muito, o tempo de duração razoável do processo, demorando anos e anos para serem julgadas?

A solução é a desjudicialização!

Esse é, a nosso ver, o caminho que deve ser estimulado em nosso país e a ser trilhado pelo Ordenamento Jurídico pátrio.

Com a devida vênia, é inconcebível, em pleno século XXI e diante de tamanha dinâmica e desenvolvimento, uma demanda demorar diversos anos para ser julgada; isso fere, a nosso ver, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e, em conseqüência, do Estado Democrático de Direito, nos termos do artigo 1º, III, da Constituição Federal.

Defendemos, sempre, a fiel e efetiva observância à duração razoável do processo, no âmbito judicial e administrativo, como direito fundamental que é, insculpido no artigo 5º, LXXVIII da Constituição da República.

Por isso, não podemos fechar os olhos à sociedade que clama por uma resposta mais célere aos seus interesses e anseios.

Convém ressaltar, entretanto, que não somos partidários da ideia de imprimir celeridade a todo custo, como defendem alguns. De maneira alguma! Não é disso que estamos falando!

Celeridade em detrimento da segurança jurídica nunca será uma boa escolha.

As coisas têm que ser equilibradas!

Nesse sentido, inaugurando uma nova era no Direito Pátrio, foi editada a leiº 11.441/2007, que possibilitou aos Tabelionatos de Notas de todo o país a realização de atos que, até então, eram realizados apenas pela via judicial.

Possibilitou-se, por meio e a partir da citada lei, a realização de escrituras de inventário e partilha, em referidas serventias extrajudiciais, nos casos em que as partes sejam capazes, concordes e inexista testamento. Hoje, inclusive, há a possibilidade de realização/lavratura de tais escrituras mesmo havendo disposição de última vontade deixada pelo autor da herança, desde que haja o registro judicial ou autorização expressa do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura, registro e cumprimento de testamento, nos termos do Enunciado 51 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF. De igual forma, facultou-se às partes a realização da separação e do divórcio, consensuais, pela via administrativa/extrajudicial, nos casos em que inexistam filhos comuns menores, incapazes ou nascituros.

Vale frisar que, acertadamente, exigiu a lei, a presença/participação indispensável de advogado em tais procedimentos, assistindo e orientando juridicamente as partes.

Dessa forma, demandas que costumavam demorar inúmeros anos no Judiciário passaram a ser resolvidas em pouquíssimo tempo nas serventias extrajudiciais, de maneira segura e eficaz.

Milhões passaram a ser economizados pelo Poder Público, com a diminuição na movimentação da máquina pública, e pelas partes, pois os emolumentos notariais costumam ser bem mais baratos se comparados às custas judiciais.

O resultado dessa feliz experiência foi tão bom que outros procedimentos foram confiados pelo legislador aos notários e registradores brasileiros, tais como a dissolução consensual de união estável (art. 733 do CPC/2015) e o reconhecimento da usucapião administrativa/extrajudicial (art. 216-A da lei 6.015/73), poderoso instrumento de regularização fundiária, estando, ainda, referidos profissionais do Direito, autorizados pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, a realizar procedimentos de conciliação e de mediação, com fulcro no Provimento 67/2018.

De igual forma, passaram a ser feitos diretamente nas serventias extrajudiciais, independentemente de autorização ou homologação judicial, os reconhecimentos espontâneos de filhos, registros tardios de nascimento, registro de união estável, no Livro "E", reconhecimento voluntário e averbação da paternidade ou da maternidade socioafetiva, traslados de certidões de registro civil de pessoas naturais emitidas no exterior, dentre outros atos.

Já se discute, inclusive, a possibilidade de realização de outros atos de forma extrajudicial, como a realização da execução civil de títulos executivos judiciais e extrajudiciais pelos tabelionatos de protesto de todo o país.

Outra feliz inovação legislativa foi a inerente à possibilidade de protesto das certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas, autorizado pelo artigo 1º, parágrafo único, da lei 9.492/97, incluído pela lei 12.767/2012.  

Tal medida reduziu consideravelmente o número de execuções fiscais existentes no Judiciário e tem possibilitado, de forma célere e segura, a recuperação de bilhões aos cofres públicos, valores esses que, agora, podem e devem ser revertidos em favor da população (saúde, educação, segurança, etc) que padece em meio à ineficiência estatal.

Assim, os serviços notariais e registrais, que têm por finalidade garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, nos termos do art. 1º da lei 8.935/94, e que, há muito, são de suma importância à ordem jurídica, social e econômica da nação, prevenindo litígios, trazendo paz social e possibilitando a circulação de riquezas em nosso país, passaram a ser, também, uma poderosa alternativa de acesso à justiça.

Confiar aos notários e registradores a realização de procedimentos administrativos, envolvendo pessoas capazes e concordes, bem como procedimentos de menor complexidade, com a participação indispensável de advogado, é, a nosso ver, alternativa necessária e inteligente, na medida em que promove paz social com efetividade, e atende, pela celeridade, segurança e eficácia jurídica de tais atos, à dignidade da pessoa humana.

É, também, medida que se impõe, por ajudar o Poder Judiciário no desempenho de sua nobre e tão importante missão de prestar jurisdição com efetividade a quem dela necessita, deixando-lhe o julgamento de ações mais complexas e que, de fato, necessitam da tutela jurisdicional.

*Anderson Nogueira Guedes é advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito Notarial e Registral, em Direito de Família e Sucessões e em Direito Tributário, com atuação, ainda, nas áreas de Direito Imobiliário e Contratual, Direito do Agronegócio e Direito Empresarial. Foi Tabelião Substituto do 2º Serviço Notarial e Registral da comarca de Campo Novo do Parecis-MT, por mais de 15 anos. Palestrante. Membro Efetivo da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões e da Comissão de Estudos das Questões Jurídicas do Agronegócio, da OAB/MT. Autor de diversos artigos jurídicos publicados em sites especializados em Direito Notarial e Registral do país e em Revista Jurídica. Coautor das obras: Tabelionato de Notas – Temas Aprofundados, O Novo Protesto de Títulos e Documentos de Dívida – Os Cartórios de Protesto na Era dos Serviços Digitais e O Registro Civil na Atualidade - A Importância dos Ofícios da Cidadania na Construção da Sociedade Atual, publicados pela Editora Juspodivm, e da obra O Direito Notarial e Registral em Artigos Vol IV, publicado pela YK Editora. Aprovado em vários concursos públicos para ingresso na Atividade Notarial e Registral.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.