Migalhas Notariais e Registrais

Registro de bens e direitos de natureza móvel, inclusive ativos financeiros

Registro de bens e direitos de natureza móvel, inclusive ativos financeiros

14/7/2021

Atualmente têm sido observadas algumas confusões quanto à competência para o registro de títulos e documentos representativos de direitos sobre bens móveis, mais especificamente, sobre o que estaria inserido na competência dos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos – principalmente no que se refere à constituição de garantias, em contraposição às atribuições das empresas integrantes do Sistema Financeiro Nacional, sob a tutela do Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários, que regulam procedimentos e práticas para um bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional – SFN (os quais, para os fins do presente artigo denominaremos de Órgãos normativos do SFN), o que deve ocorrer em padrões republicanos, constitucionais, e com segurança e eficiência.

Então, preliminarmente, desejamos deixar estabelecido que todo ato de registro público relativo a bens e direitos de natureza móvel, inclusive ativos financeiros, deveria ser realizado nos Ofícios de Registros Públicos de Títulos e Documentos, com exceção dos relativos a transações de compra e venda, com ou sem garantia, de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, que, na atualidade, devem ser registrados nos respectivos entes cadastrais, quais sejam, Detrans, Capitania dos Portos e Ministério da Aeronáutica, respectivamente.

Mas, havendo uma situação de fato, embora eivada de inconstitucionalidade, criada pelas normas de regência do SFN, também desejamos deixar desde logo patente, conforme será demonstrado pela análise a ser apresentada, que, à exceção das operações com veículos automotores acima referidas, até mesmo considerando válidas as leis de regência do Sistema Financeiro Nacional, é de conclusão inevitável que deverão ser registradas nos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos todas as operações relativas à constituição de garantias incidentes sobre bens e direitos de natureza móvel, exceto aquelas relativas a ativos financeiros que atendam, simultaneamente, às seguintes condições: i) tenham sido realizadas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional; ii) entre agentes financeiros; iii) com ativos financeiros previamente depositados – por agentes financeiros – nas empresas depositárias centrais do Sistema Financeiro Nacional. Então, estando presentes as referidas condições, apenas em tais casos, segundo as leis de regência do SFN, bastarão as anotações de cadastro e controle nas empresas constituídas para este fim em seu âmbito.

Iniciando nossa análise, verificamos que a regulação do Sistema Financeiro Nacional tem seu cânone de regência estabelecido no artigo nº 192, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (grifos do autor do presente texto).

No entanto, tal regra padrão de regência não tem sido acatada, porque o Sistema Financeiro Nacional tem sido regulado por leis ordinárias, o que, é forçoso dizer, o macula de inconstitucionalidade formal.

Mas, também é forçoso dizer, além da inconstitucionalidade formal, acima referida, também há a macular o SFN uma inconstitucionalidade material, consistente no que parece ser tentativa de adoção de sistemática de delegação de serviços de registros públicos à revelia da regra de regência da delegação desses serviços pelo estado brasileiro, contida no artigo 236 da Constituição Federal, nos seguintes termos:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Conforme se verifica, o estado brasileiro pode decidir não delegar os serviços de registros públicos a agentes privados, mas, se decidir fazê-lo, deve implementar sua decisão em conformidade com a regra constitucional.

Adite-se que não estão entre as atribuições do Conselho Monetário Nacional, tampouco do Banco Central do Brasil, estabelecidas nas Leis nºs 4.595/64 e 4728/65, legislar sobre registros públicos ou direito civil – o que compete ao Congresso Nacional, nos limites constitucionais, muito menos à revelia da disposição constitucional acima colacionada.

Na lei nº 4728/65, no inciso VIII de seu artigo 10, que tem sido usado como suporte para a atividade “legislativa” sobre registros públicos e direito civil que tem sido realizada pelo Conselho Monetário Nacional, há apenas a seguinte previsão:

Art. 10. Compete ao Conselho Monetário Nacional fixar as normas gerais a serem observadas no exercício das atividades de subscrição para revenda, distribuição, ou intermediação na colocação, no mercado, de títulos ou valores mobiliários, e relativos a:

I - capital mínimo das sociedades que tenham por objeto a subscrição para revenda e a distribuição de títulos no mercado;

II - condições de registro das sociedades ou firmas individuais que tenham por objeto atividades de intermediação na distribuição de títulos no mercado;

III - condições de idoneidade, capacidade financeira e habilitação técnica a que deverão satisfazer os administradores ou responsáveis pelas sociedades ou firmas individuais referidas nos incisos anteriores;

IV - procedimento administrativo de autorização para funcionar das sociedades referidas no inciso I e do registro das sociedades e firmas individuais referidas no inciso II;

V - espécies de operações das sociedades referidas nos incisos anteriores; normas, métodos e práticas a serem observados nessas operações;

VI - comissões, ágios, descontos ou quaisquer outros custos cobrados pelas sociedades de empresas referidas nos incisos anteriores;

VII - normas destinadas a evitar manipulações de preço e operações fraudulentas;

VIII - registro das operações a serem mantidas pelas sociedades e empresas referidas nos incisos anteriores, e dados estatísticos a serem apurados e fornecidos ao Banco Central;

Ou seja, o CMN só tem a atribuição de legislar sobre normas internas de regulação do Sistema Financeiro Nacional, inclusive sobre o registro de operações realizadas pelas empresas que atuam no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (“registro” esse que deve ser entendido no sentido lato do termo, como mera anotação com finalidade de controle e fiscalização), mas não para baixar normas relativas a registros públicos ou direito civil, delegando a prestação desses serviços à revelia do que determina a Constituição Federal.

E há imensa diferença entre fazer registros contábeis ou administrativos de controle de operações, no interesse da regulação do Sistema Financeiro Nacional, e a realização de verdadeiros registros públicos, para fins de publicidade propiciadora do seu conhecimento por toda a sociedade e decorrente oponibilidade a todos, como é o caso daqueles constituidores de garantias sobre bens ou direitos, previstos na legislação cível nacional.

Há no país a previsão constitucional de como devem ser delegadas as atividades de registros públicos, o que criou o que aqui denominaremos de Sistema Nacional de Registros Públicos, que precisa ser respeitado, para que não seja solapada a segurança jurídica, que foi a motivação para a sua criação. E referida previsão constitucional obviamente se aplica a todos os entes públicos e autoridades do país, que não podem ignorá-la e criar um inconstitucional e paralelo Sistema de Registros Públicos.

Se é certo que cabe ao estado decidir se deve delegar ou não uma atividade de registro público, também é certo que se decidir delegar, terá que fazê-lo segundo o mandamento constitucional. Por isso que o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil ou a Comissão de Valores Mobiliários não podem delegar atividades de registros públicos à revelia do que determina a Constituição Federal, ainda que leis atinentes ao SFN – Sistema Financeiro Nacional aparentemente permitam isso, porque a Constituição Federal deve prevalecer.

Portanto, as regulações do Sistema Financeiro Nacional – SFN, estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários, em razão mesmo de leis ordinárias federais, aparentando criar entes e regras para a delegação e prática de atos de “registro público”, precisam ser interpretadas de modo a torná-las, tanto quanto possível, em conformidade com a Constituição Federal. E para que se lhes dê interpretação conforme a Constituição só há o caminho de entendê-las como eivadas de impropriedade técnica, porque de registros públicos não se pode tratar, visto que as delegações que aparentemente estabelecem para a prática desses serviços não se pautam pela regra constitucional do artigo 236 da Constituição da República, acima colacionada.

Assim sendo, no intuito de superar o problema de inconstitucionalidade material, o melhor que se pode fazer é compreender a natureza jurídica de tais entes como prestadores de serviços de cadastro e controle de ativos financeiros e valores mobiliários admitidos a negociação no estrito âmbito do Sistema Financeiro Nacional (aqui simplesmente os denominaremos “entes de cadastro e controle do SFN”), com atuação sob regulação circunscrita apenas a esse ambiente de negócios, e aplicável tão somente aos “agentes financeiros” que atuam neste subsistema (aqui denominaremos de “agentes financeiros” às empresas autorizadas a realizar transações no âmbito do SFN), porque a competência regulatória dos referidos Órgãos normativos do SFN – CMN, BCB e CVM - é circunscrita ao SFN, e não abrange legislar sobre registros públicos ou direito civil, de modo que referido serviço de cadastro e controle de ativos financeiros não pode substituir, nem substitui, de fato, conforme será demonstrado, o Sistema Nacional de Registros Públicos.

Portanto, eis o primeiro elemento a lançar luz a questão: nenhuma entidade criada pelos entes públicos reguladores do Sistema Financeiro Nacional, ainda que em decorrência de lei, mas à revelia do que estatui o artigo 236 da Constituição Federal, pratica atos de registros públicos, podendo-se admitir e compreender que pratiquem apenas atos de controle cadastral sobre os ativos financeiros e valores mobiliários que podem ser transacionados no isolado subsistema do Sistema Financeiro Nacional. Assim considerando, acreditamos que seja possível construir interpretação que permita superar a inconstitucionalidade material acima referida.

Uma vez estabelecidos os pilares para a construção de uma interpretação em conformidade material com a Constituição Federal, e deixando de lado a questão da inconstitucionalidade formal, inerente a leis ordinárias estarem regulando o Sistema Financeiro Nacional, em explícita vulneração do comando do artigo 192 da Constituição Federal, que exige lei complementar, passemos a examinar as normas legais que, de fato, estão regulando a atuação dos entes criados no âmbito desse “ecossistema” isolado, mas, antes, faremos breve digressão, com o fito de examinar o que são ativos, para, depois, distinguir entre estes, separando o que são ativos reais, do que são ativos financeiros e valores mobiliários, porque tais conceitos podem contribuir para a compreensão da análise a ser empreendida.

Todo bem, valor em moeda, crédito ou direito é um ativo, ou seja, algo que agrega valor ao patrimônio de uma pessoa, física ou jurídica, tais como um automóvel, uma bicicleta, uma ação representativa do capital de uma empresa, um título de crédito, direitos autorais, imóveis, títulos da dívida pública do estado, máquinas, equipamentos e muitos outros.

Sucintamente, e para os fins deste trabalho, os ativos podem ser classificados, de um lado, como ativos financeiros e valores mobiliários, e, de outro, como ativos reais.

Ativos financeiros e valores mobiliários são direitos, geralmente intangíveis, ou seja, sem um corpo físico, lastreados em títulos ou contratos negociados no mercado financeiro e de capitais, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, tais como títulos da dívida pública, emitidos pelos Tesouro Nacional, ações representativas do capital de empresas, quotas de fundos de investimento, debêntures e muitos outros, da mesma natureza.

Mas, há que se compreender que nem todo bem intangível, representado por títulos ou contratos, se configura como um ativo financeiro, bem como que nem todo ativo financeiro se qualifica a ser negociado no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, mas apenas aqueles admitidos pelos entes de regência deste, quais sejam, o Conselho Monetário Nacional – CMN, o Banco Central do Brasil – BCB e a Comissão de Valores Mobiliários – CVM. 

Por sua vez, ativos reais são bens geralmente tangíveis, com existência física, um corpo, tais como um carro, uma máquina, uma casa ou apartamento. No entanto, não apenas bens tangíveis se classificam como ativos reais, mas também os títulos que representam um direito existente na economia real, tais como, exemplificativamente, recebíveis de uma empresa, direitos decorrentes de decisões judiciais contra entes estatais (denominados precatórios), direitos creditícios relativos a transações de empréstimo realizadas diretamente entre pessoas físicas ou jurídicas não financeiras, fora do âmbito do sistema financeiro, e muitos outros, cujo valor decorre de eventos e fatos da economia real e não do mercado financeiro.

Neste ponto, é pertinente observar que títulos de crédito de emissão e titularidade de entes não financeiros (em que estes são os detentores do direito ao crédito neles consignado), antes que circulem mediante endosso, por ainda não terem adquirido as características dos títulos de crédito, são apenas recebíveis de propriedade do ente que os emitiu com lastro em suas operações de venda de bens ou serviços, os quais, por isso mesmo, não podem ser classificados como ativo financeiro, mas, sim, ativos reais.

 Segundo a Resolução nº 4.593, de 28 de agosto de 2017, do Banco Central do Brasil, conforme o disposto em seu art. 2º, seriam ativos financeiros, os seguintes títulos:

I - os títulos de crédito, direitos creditórios e outros instrumentos financeiros que sejam:

a) de obrigação de pagamento das instituições mencionadas no art. 1º, incluindo contratos de depósitos a prazo;

Obs. do autor do presente texto: Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre o registro e o depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, emitidos no País, bem como sobre a prestação de serviços de custódia de ativos financeiros por essas instituições. Parágrafo único. Não se incluem no objeto desta Resolução as ações e os contratos derivativos, ressalvado o disposto no inciso I do § 1º do art. 7º. >> (ações preferenciais resgatáveis)

b) de coobrigação de pagamento das instituições mencionadas no art. 1º, em operações como aceite e garantia;

c) admitidos nas carteiras de ativos das instituições mencionadas no art. 1º, exceto os objeto de desconto;

d) objeto de desconto em operações de crédito, por instituições mencionadas no art. 1º ou entregues em garantia para essas instituições em outras operações do sistema financeiro;

e) escriturados ou custodiados por instituições mencionadas no art. 1º; ou Resolução nº 4.593, de 28 de agosto de 2017, de emissão ou de propriedade de entidades não autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, integrante de conglomerado prudencial, definido nos termos do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (Cosif); e

II - os bens, direitos ou instrumentos financeiros:

a) cuja legislação ou regulamentação específica assim os defina ou determine seu registro ou depósito centralizado; ou

b) que, no âmbito de um arranjo de pagamento, sejam de obrigação de pagamento de instituição de pagamento aos seus clientes.

§ 1º Os ativos financeiros de que trata o inciso I do caput podem ser originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil, de prestação de serviços, entre outros, inclusive na hipótese de direitos creditórios de existência futura e montante desconhecido, desde que derivados de relações já constituídas.

§ 2º Excluem-se da definição de ativos financeiros de que trata o caput os valores mobiliários. (grifos do autor do presente artigo).

E, segundo o que estatui a Lei nº 6.385/1976, em seu art. 2º, são valores mobiliários:

I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;

II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;

III - os certificados de depósito de valores mobiliários;

IV - as cédulas de debêntures;

V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;

VI - as notas comerciais;

Obs do autor deste texto: Nota comercial é espécie de valor mobiliário que pode ser emitido por sociedades limitadas, para oferta no mercado mobiliário, como alternativa para se financiarem, devendo seguir normas estabelecidas pela CVM. Podem ser do tipo com ou sem garantia, contendo valor de face fixo, com vencimento em data determinada.

VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;

VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e

IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

Retomando o tema que vinhamos abordando, passaremos a analisar as disposições da Lei Ordinária Federal nº 12.810/2013, atinentes à regulação do Sistema Financeiro Nacional. Assim sendo, começaremos examinando a sua previsão da constituição, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, dos depositários centrais, o que se encontra capitulado em seu artigo 23, que tem a seguinte redação:

Art. 23. O depósito centralizado, realizado por entidades qualificadas como depositários centrais, compreende a guarda centralizada de ativos financeiros e de valores mobiliários, fungíveis e infungíveis, o controle de sua titularidade efetiva e o tratamento de seus eventos.

Parágrafo único. As entidades referidas no caput são responsáveis pela integridade dos sistemas por elas mantidos e dos registros correspondentes aos ativos financeiros e valores mobiliários sob sua guarda centralizada.

Então, em face da redação apresentada, e pelo que acima foi esclarecido, sempre que as leis que regulam o Sistema Financeiro Nacional se utilizarem do termo “registro”, tal uso deve ser entendido em sentido lato do vocábulo, como uma anotação de cadastro e controle, e não como ato de registro público, porque tais entes, empresas privadas que atuam no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, não praticam atos de registros públicos.

A mesma Lei nº 12.810/2013 também prevê, em seu artigo 24, que “os ativos financeiros e valores mobiliários, em forma física ou eletrônica, serão transferidos, no regime de titularidade fiduciária, para o depositário central”. E, ainda, no parágrafo 1º do mesmo artigo 24, que:

a constituição e a extinção da titularidade fiduciária em favor do depositário central serão realizadas, inclusive para fins de publicidade e eficácia perante terceiros, exclusivamente com a inclusão e a baixa dos ativos financeiros e valores mobiliários nos controles de titularidade da entidade.

Pelas mesmas razões acima já referidas, a presente disposição só pode ser compreendida como que, para fins administrativos e de controle do Sistema Financeiro Nacional, referidas entidades privadas farão anotações administrativas de cadastro e controle, ou seja, “registros” em sentido amplo, lato, genérico, os quais serão oponíveis aos demais membros do SFN que não tenham tomado parte em determinada transação “anotada”, que, assim, não poderão alegar ignorá-las.

E isso porque é como se nesse “ecossistema” do mercado financeiro vigesse uma consensual e mútua confiança entre seus agentes, sob o pálio da regulação e fiscalização do CMN, BCB e CVM, de modo que as transações de compra e venda e principalmente aquelas de constituição de garantia, que requereriam registro público, o dispensarão, enquanto forem realizadas nesse circunscrito âmbito, apenas entre os agentes que nele atuam, fiando-se as partes tão somente na instrumentação contratual encetada e na segurança jurídica provida pelos referidos órgãos de regulação do Sistema Financeiro Nacional (CMN, BCB e CVM), com base no seu sistema de anotações e controles, realizado por empresas privadas constituídas em seu âmbito para tal finalidade.

Assim sendo, a redação da disposição acima estabelece uma sistemática interna necessária ao controle de operações no circunscrito âmbito do Sistema Financeiro Nacional, e quando refere os termos “registro”, “fins de publicidade” e “eficácia perante terceiros”, estes devem ser compreendidos como anotações de cadastro e controle válidas no referido ambiente de negócios circunscrito, porque envolve apenas os agentes que nele operam, mas não no específico sentido de registros públicos, para fins de oponibilidade a todos os integrantes da sociedade brasileira.

 Assim, as “publicidade” e “eficácia”, referidas nas disposições ora sob exame, podem ser aceitas, no meio jurídico nacional, como válidas e eficazes apenas se o forem tão somente perante os entes que atuam no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, que deve ser compreendido como um subsistema isolado, cujos membros, em termos de segurança jurídica, fiam-se em mútua confiança e, principalmente, na regulação de controle estabelecida pelos órgãos de normatização, fiscalização e controle do SFN (CMN, BCB e CVM).

Então, quando a disposição acima fala que a “constituição e a extinção da titularidade fiduciária em favor do depositário central (…) serão realizadas (…) inclusive para fins de publicidade e eficácia perante terceiros, exclusivamente com a inclusão e a baixa dos ativos financeiros e valores mobiliários nos controles de titularidade da entidade”, o que se pode entender, constitucionalmente falando, é que, para fins de cadastro e controle, e estritamente no âmbito do Sistema financeiro Nacional, os títulos e valores mobiliários nele habilitados para negociação deverão ser previamente depositados no depositário central, o que se fará na forma de titularidade fiduciária, com tal circunstância sendo oponível a todos os agentes que atuem em seu âmbito, mesmo sem a realização de um registro público, sendo suficiente, para a segurança jurídica desses agentes, apenas o instrumento contratual e os controles realizados pelas empresas privadas que nestas linhas estamos denominando entes de cadastro e controle, que atuam nesse meio exercendo as atividades de entidades depositárias ou, impropriamente designadas, “registradoras”.

É que nem todo ato envolvendo ativos precisa ser publicizado no Sistema Nacional de Registros Públicos, mas apenas aqueles que necessitem ser amplamente publicizados perante toda a sociedade, para que a todos os seus membros sejam oponíveis. No caso, como se trata de operações em um meio peculiar, dinâmico por natureza, e circunscrito apenas aos agentes financeiros admitidos a nele atuar, sob o pálio da regulação e fiscalização do CMN, BCB e CVM, pode-se ficar apenas na instrumentação das contratações de garantias, dispensando-se o registro público, sendo necessária e suficiente somente a sistemática de anotações de controle,  estabelecida pelos referidos órgãos, a qual só precisa abranger, em sua publicidade, eficácia e oponibilidade, as instituições financeiras que atuam em seu âmbito.

Mas, até que um ativo financeiro passe a ser negociado no circunscrito âmbito do Sistema Financeiro Nacional, entre seus membros, as transações que os envolvam precisam se submeter ao que denominamos Sistema Nacional de Registros Públicos, porque operações com parte que não seja ente atuante no SFN, ou realizadas foram do seu “ecossistema” isolado, precisam da ampla publicidade que só os constitucionais registros públicos podem operar.

Explicitando o que dissemos no parágrafo anterior, os controles do SFN não bastariam, se fosse o caso da constituição de uma garantia entre pessoas físicas ou jurídicas não financeiras, de um lado, e, de outro, um agente que atue no âmbito do SFN. Em eventos dessa natureza não bastariam as anotações de interesse ao controle do SFN, fazendo-se necessário um verdadeiro registro público operando a publicidade registral perante toda a sociedade brasileira, tornando a constituição de uma tal garantia oponível a todos. Mais adiante retornaremos a este assunto.

Avançando na análise do tema, é ainda mais importante para a construção de uma interpretação em conformidade com a Constituição Federal, estabelecer uma adequada compreensão do que rezam as disposições do artigo 26-caput e § 1º, da Lei nº 12.810/2013, nos seguintes termos:

Art. 26. A constituição de gravames e ônus, inclusive para fins de publicidade e eficácia perante terceiros, sobre ativos financeiros e valores mobiliários objeto de registro ou de depósito centralizado será realizada, exclusivamente, nas entidades registradoras ou nos depositários centrais em que os ativos financeiros e valores mobiliários estejam registrados ou depositados, independentemente da natureza do negócio jurídico a que digam respeito.

§ 1º Para fins de constituição de gravames e ônus sobre ativos financeiros e valores mobiliários que não estejam registrados ou depositados nas entidades registradoras ou nos depositários centrais, aplica-se o disposto nas respectivas legislações específicas (grifos nossos).

Portanto, o que reza o artigo 26, da Lei 12.810/2013, acima colacionado, é, a princípio, inconstitucional e, pior que isso, se prevalecesse sua interpretação literal, grassaria a  insegurança jurídica no ambiente de negócios do país, porque somente um registro público pode gerar publicidade e eficácia perante toda a sociedade brasileira, jamais uma anotação feita por empresa privada, de interesse para o controle do Sistema Financeiro Nacional, porque tal medida não obstaria práticas ilícitas por agentes econômicos, o que só é possível obter pela concentração das informações relativas aos registros públicos do país, sem exceção, em um único sistema de registros públicos, que é o criado pelo artigo 236 da Constituição Federal.

Então, na tentativa de superar a explícita inconstitucionalidade das disposições acima, antes de tudo, é preciso que se compreenda que a atuação das empresas privadas que atuam como entes “depositários” ou, impropriamente designados, ”registradores”, criados pela Lei nº 12.810/2013, para atuar no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, limita-se aos ativos financeiros e valores mobiliários que se habilitem a ser objeto de negociação no mercado financeiro, e aos agentes financeiros que os depositem ou registrem para este fim, por previamente deterem sua titularidade, porque esta é a competência regulatória do Conselho Monetário Nacional, contida no artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 4728/65, já colacionado e examinado, linhas acima.

Depois, conforme a redação das disposições acima reproduzidas, tais títulos precisam estar previamente na titularidade dos agentes financeiros, para que estes possam transferi-los, no regime de titularidade fiduciária, para o depositário central, seguindo as normas que são apenas a eles aplicáveis, estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil ou Comissão de Valores Mobiliários, como decorrência de disposições legais, como é o caso daquelas estabelecidas no caput do artigo 24, no caput e § 1º do art. 26, e nos incisos I e II do art. 26-A, todos da Lei 12.810/13.

Então, as próprias normas contidas na Lei 12.810/2013, acima referidas, são o elemento crucial viabilizador da adequação do arcabouço regulatório do Sistema Financeiro Nacional, ora sob exame, à Constituição Federal. É que, a despeito da impropriedade técnica, segundo as disposições da referida lei, ora examinadas, para que ativos possam se habilitar à negociação no âmbito do SFN, necessário é, em sequência:

1) sejam ativos financeiros ou valores mobiliários que o CMN considere passíveis de “registro” de controle e depósito centralizado;

2) sejam de titularidade de um agente financeiro;

3) sejam previamente depositados ou “registrados” (anotados) nas empresas com  com esta função de controle no contexto do SFN, como de titularidade de um agente financeiro.

Até que se realizem tais circunstâncias, as transações envolvendo ativos financeiros se devem submeter às normas do Sistema Nacional de Registros Públicos.

Melhor explicando, para a constituição de propriedade fiduciária sobre ativos, inclusive financeiros, de titularidade de entes que não integrem o SFN, que sejam dados em garantia de crédito concedido por instituição financeira, é imperativo que seja seguido o procedimento previsto nas leis cíveis, como o Código Civil Brasileiro, o que requer o registro público do respectivo instrumento, para fins de publicidade e oponibilidade a todos os entes da sociedade brasileira, condição sine qua non para a constituição dessa garantia em favor da instituição financeira.

E isso deve ser assim porque o depósito ou anotação (“registro” lato sensu) nas empresas que atuam fazendo cadastro e controle no âmbito do SFN só deve ser feito por agentes financeiros, conforme previsão contida no caput e inciso I, do art. 26-A, da Lei 12.810/13, in verbis:

Art. 26-A. Compete ao Conselho Monetário Nacional: I - disciplinar a exigência de registro ou de depósito centralizado de ativos financeiros e valores mobiliários por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, inclusive no que se refere à constituição dos gravames e ônus prevista no art. 26 desta Lei.

Disposição essa da qual também se extrai a informação de que os ativos financeiros e valores mobiliários a serem depositados, obviamente, devem previamente ser de titularidade das referidas instituições que atuam em negociações no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, porque só assim poderão transferi-los para o depositário central no regime de titularidade fiduciária, conforme determina o artigo 24-caput, também da Lei 12.810/13, nos seguintes termos:

Art. 24. Para fins do depósito centralizado, os ativos financeiros e valores mobiliários, em forma física ou eletrônica, serão transferidos no regime de titularidade fiduciária para o depositário central (grifos do autor deste artigo).

Logo, se o depósito deve ser feito pelos agentes que atuam no âmbito do SFN (art. 26A-I),  na forma de titularidade fiduciária (art. 24-caput), e considerando-se que só pode transferir titularidade quem a detenha, inclusive a fiduciária, é inconteste que a Lei 12.810/13 impõe que só agentes financeiros podem depositar ativos financeiros nas empresas que atuam como  depositários centrais, e que estes devem ser de sua titularidade plena ou fiduciária já previamente constituída. E só a partir de então tais ativos financeiros poderão ser objeto de transações no âmbito do SFN, inclusive aquelas pelas quais sejam pactuadas garantias que incidam sobre eles  – transações que, logicamente, só podem ser entre agentes financeiros autorizados a funcionar no SFN pelo BCB.

Já o inciso II, do artigo 26-A, da Lei 12.810/13, conforme se poderá verificar pela leitura de sua redação, esclarece que a constituição de gravames e ônus referida em seu art. 26 – aquelas que devem ser “registradas” (anotadas) nas empresas depositárias/registradoras do SFN - restringe-se aos (gravames e ônus) que sejam decorrentes da inserção dos ativos financeiros em operações no âmbito do SFN. Ou seja, limita-se aos gravames e ônus que sejam pactuados em negociações que ocorram com tais ativos financeiros no âmbito do SFN - onde só atuam agentes financeiros autorizados a funcionar pelo BCB ou CVM, é bom lembrar. Vejamos a redação da disposição legal:

Art. 26-A. Compete ao Conselho Monetário Nacional: (…) II - dispor sobre os ativos financeiros que serão considerados para fins do registro e do depósito centralizado de que trata esta Lei, inclusive no que se refere à constituição de gravames e ônus referida no art. 26 desta Lei, em função de sua inserção em operações no âmbito do sistema financeiro nacional.

Assim, temos outro parâmetro definidor dos limites de atuação das empresas de cadastro e controle, do âmbito do SFN: só podem anotar (“registrar”) gravames e ônus sobre ativos financeiros que sejam decorrentes de operações realizadas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.

E, por ser relevante, reiteramos: no âmbito do SFN só atuam agentes financeiros que, para isso, conforme visto acima, precisam previamente depositar/”registrar” seus ativos nas empresas depositárias/”registradoras” do SFN, de modo que as operações de constituição de gravames e ônus que essas empresas de cadastro e controle do SFN estão autorizadas a anotar (“registrar”) são apenas aquelas realizadas:

1) com ativos de titularidade de agentes financeiros, previamente depositados/registrados nos entes de cadastro e controle que atuam no âmbito do SFN;

2) decorrentes de transações realizadas entre agentes financeiros autorizados a atuar no circunscrito âmbito do SFN;

3) realizadas no circunscrito âmbito do SFN.

Mas é preciso observar que, para o perfeito funcionamento de controle do subsistema do mercado financeiro nacional, também caberá às referidas empresas de cadastro e controle, no estrito interesse do SFN, fazer a inaugural anotação da titularidade, previamente constituída, de agentes financeiros sobre ativos financeiros que desejem ou devam levar para negociação nesse ambiente de negócios, o que só poderá ser feito após a regular constituição dessa titularidade em nome dos mesmos, o que, a seu turno, precisará ser efetivado segundo os procedimentos estabelecidos nas leis cíveis de regulação do Sistema Nacional de Registros Públicos. Uma coisa não substitui a outra, porque a transação de aquisição da titularidade de um ativo por agente financeiro que a adquira fora do âmbito do SFN, conforme examinado, até mesmo em decorrência das normas da Lei 12.810/13, deve se constituir pelas regras do Sistema Nacional de Registros Públicos.

Exemplificando, consideremos a operação de aquisição de um ativo realizada entre um agente financeiro e uma empresa não financeira que, em razão de crédito concedido, em contrapartida, ceda ao referido agente a titularidade fiduciária sobre recebíveis decorrentes de suas operações comerciais. Conforme verificado, a titularidade fiduciária do agente financeiro sobre o ativo só se constituirá, segundo o que prevê o Código Civil Brasileiro (artigo 1361), pelo registro do instrumento da transação no ente competente do Sistema Nacional de Registros Públicos, o que é corroborado pela Lei 12.810/13 (vide seus arts. 24-caput e 26A, incs. I e II, por se tratar de transação de cessão de ativos reais, realizada entre agente financeiro e ente não financeiro e fora do âmbito do SFN, através da qual referido agente adquire a titularidade fiduciária sobre ativos reais).

No entanto, para que tal ativo - convolado em “financeiro” pela cessão fiduciária - possa ser inserido em negociações no âmbito do SFN, necessário será que previamente seja depositado/ cadastrado, ou seja, anotado, nas empresas de cadastro e controle, como de titularidade do agente financeiro depositante, estando, a partir de então, habilitado a ser objeto de transações nesse ambiente de negócios. Tal anotação não será de constituição de garantia em razão de operações realizadas no âmbito do SFN, mas, tão somente, a inaugural anotação de que um ativo financeiro é de titularidade de um agente financeiro, e está habilitado a ser objeto de negociações nesse subsistema. Anotação essa realizada somente para que, daí em diante, possam viger apenas as regulações do SFN sobre as operações que tenham tal ativo financeiro como objeto, realizadas em seu âmbito.

Portanto, tendo sido verificado que, pela própria lei de regência da matéria (Lei 12.810/13), nas empresas de cadastro e controle do sistema por ela criado: i) apenas agentes financeiros podem depositar/”registrar” ativos financeiros; ii) que tais ativos devem ser de sua titularidade, iii) que apenas esses ativos podem ser objeto de transações no âmbito desse sistema (SFN), onde só atuam entes autorizados pelo CMN, BCB e CVM, bem como, iv) que os ônus e gravames constituídos em transações realizadas em seu ambiente de negócios são os únicos para os quais é suficiente a anotação de controle feita pelas referidas empresas depositárias/”registradoras”, então já há o suporte para que se possa compreender toda a extensão do que está contido no parágrafo 1º do artigo 26 da Lei 12.810/13, que assim determina:

§ 1º Para fins de constituição de gravames e ônus sobre ativos financeiros e valores mobiliários que não estejam registrados ou depositados nas entidades registradoras ou nos depositários centrais, aplica-se o disposto nas respectivas legislações específicas.

E entender adequadamente tudo que até aqui foi extraído das próprias disposições legais de regência do Sistema Financeiro Nacional é imprescindível, não apenas para que exista segurança jurídica no seio da sociedade brasileira, mas, também, porque a correta compreensão da regulação legal desse subsistema permitirá sua também correta implementação mediante normas infralegais, tornando possível a construção de uma interpretação de seu arcabouço jurídico em conformidade à Constituição Federal, a despeito da inconstitucionalidade material que aparentam algumas das disposições legais de sua regulação, em razão da utilização inadequada de determinados termos, conforme examinado.

Seguindo em nossa análise, apenas após o depósito/anotação (”registro”), nas empresas de cadastro e controle do SFN, realizado por instituição financeira detentora da titularidade do ativo financeiro ou valor mobiliário, é que estes poderão ser transacionados em seu âmbito. E sendo transacionados em seu âmbito, as garantias sobre eles constituídas em tais operações é que poderão ser tão somente objeto de anotação de controle (“registradas”) nas empresas de cadastro e controle do SFN, conforme previsto no caput do artigo 26, c.c. inciso II, do artigo 26-A, da Lei nº 12.810/13.

Portanto, do que foi examinado resulta que não poderão ser objeto de simples anotação (“registro” ou depósito) nas empresas de cadastro e controle do SFN, mas sim de registro público, a constituição de garantias que ocorra em operações incidentes sobre:

1) ativos financeiros de titularidade de entes não financeiros, que sejam por estes dados em garantia para agentes financeiros, porque tais ativos: i) não são de titularidade de agente financeiro autorizado a funcionar no SFN pelo BCB; ii) não foram objeto de prévio depósito por instituição financeira nas empresas de cadastro e controle do SFN; iii) não tiveram a pactuação de gravames ou ônus incidentes sobre eles em razão de negociação realizada no âmbito do SFN;

2) ativos financeiros de titularidade de instituições financeiras, mas não previamente depositados/registrados nos entes cadastrais do SFN;

3) ativos reais, tais como máquinas, equipamentos e recebíveis de entes não financeiros.

Exemplificando, para uma melhor compreensão, imagine-se o caso de duplicatas escriturais, emitidas eletronicamente por ente autorizado a escriturar tal emissão. Como se sabe, duplicatas são títulos de crédito emitidos com lastro em documentos fiscais representativos de venda de bens ou serviços. Ou seja, representam valores recebíveis, quer dizer, ativos reais, de titularidade da pessoa que os emitiu para documentar uma venda de bens ou serviços.

O instrumento constitutivo de uma duplicata – a “cártula”, o suporte, físico ou eletrônico, emitido por uma pessoa jurídica, até que circule pelo primeiro endosso que transfira sua titularidade a terceiros, ainda não ostentará nenhuma das características inerentes a títulos de crédito de sua natureza. Ou seja, uma duplicata emitida, enquanto for de titularidade da pessoa titular do direito ao recebível que representa, ainda não se terá constituído como um título de crédito, sendo apenas sua instrumentação. E disso não passará se nunca circular, pelo endosso, sendo transferida à titularidade de terceiros.

Portanto, uma duplicata só poderá ser considerada um título de crédito, e por isso um ativo financeiro, quando circular, mediante endosso. E, então, se passar para a titularidade de um agente financeiro (mediante operação de desconto, por exemplo), poderá ser objeto de depósito centralizado ou anotação (“registro” de controle), sob a titularidade do referido agente financeiro, nas empresas autorizadas a essas funções de cadastro e controle no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, ficando, a partir de então, habilitada a ser objeto de transações no mercado financeiro, as quais deverão ser “registradas” (anotadas, registro lato sensu), apenas nas tais empresas privadas.

No entanto, se referida cártula de duplicata, representativa de recebíveis de empresa não financeira, for dada em garantia de um crédito, sendo cedida fiduciariamente por seu titular originário – seu emissor, em garantia de empréstimo obtido junto a um agente financeiro, o registro da constituição dessa garantia – cessão fiduciária de recebíveis, que são ativos reais - deverá ocorrer nos competentes entes de registros públicos, e não nas empresas do Sistema de Controle do SFN. E isso por diversas razões, quais sejam: i) se trata de cessão fiduciária de ativo real; ii) a operação não é de constituição de garantia sobre ativos financeiros de titularidade de agentes financeiros, previamente depositados/”registrados”, no âmbito do SFN; iii) a transação não foi realizada entre agentes financeiros; iv) a transação não foi realizada no âmbito do SFN.

Conforme verificado em nossa análise, apenas após a titularidade fiduciária sobre a referida duplicata ter sido constituída em nome da empresa financeira, em razão do seu constitucional registro público nos entes competentes estabelecidos na legislação cível incidente (Ofícios de Registro de Títulos e Documentos), principalmente o Código Civil Brasileiro, é que esta poderá realizar seu depósito/”registro”, ou seja, anotação de controle de titularidade, de interesse exclusivo ao circunscrito âmbito do SFN, como direito seu sobre um ativo financeiro, habilitando-o a ser negociado nesse ambiente de negócios.

Então, da “interpretação conforme a constituição” das disposições legais acima colacionadas, e em razão mesmo dos parâmetros por elas estabelecidos, e da definição dos institutos jurídicos envolvidos, bem como por imposição lógica para fins de segurança jurídica, resulta que a competência para a atuação de cadastro e controle das empresas depositárias ou “registradoras” do SFN só começa a partir do momento em que ativos financeiros ou valores mobiliários são nelas depositados/anotados (”registrados”) por agentes financeiros (em cumprimento às normas estabelecidas pelo CMN, como decorrência do que preveem os incisos I e II, do art. 26-A, da Lei 12.810/2013), para o que, obviamente, estes precisam deter sua titularidade. A partir deste momento e circunstância é que referidas empresas de controle do SFN passam a anotar (realizar registro de controle) as operações envolvendo tais ativos, realizadas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, por estes mesmos agentes financeiros, nele autorizados a atuar pelo CMN, BCB ou CVM.

Após a análise nestas linhas empreendida, acreditamos que dúvidas não podem remanescer quanto à natureza jurídica das empresas privadas chamadas para atuar no âmbito do SFN - de entes de cadastro e controle do Sistema Financeiro Nacional, com a atribuição de receber em depósito, cadastrar e anotar ativos financeiros e valores mobiliários emitidos ou admitidos neste ambiente negocial, no estrito interesse de permitir a administração, fiscalização e controle de suas operações, provendo sua segura e eficiente operação. 

E também não deve haver dúvida de que, para que o mecanismo funcione, basta que os agentes do Sistema Financeiro Nacional se submetam às anotações de controle de entrada e saída de um ativo financeiro no Sistema Financeiro Nacional, sendo também conveniente e adequado que as empresas de cadastro e controle desse ambiente de negócios e os ofícios e órgãos públicos de registro tenham acesso recíproco às suas anotações e registros, respectivamente. 

Espera-se que a compreensão da questão, nos termos da análise empreendida nestas linhas, operando a harmonização possível entre as normas legais que regulam o Sistema Financeiro Nacional e o Sistema Nacional de Registros Públicos, com suporte nos diplomas legais de regência da matéria, sirva para acabar com as confusões e conflitos que têm sido observados, relativamente à natureza jurídica e limites de atuação das empresas privadas chamadas a operar o cadastro e controle de ativos financeiros e de eventos a eles relativos, no estrito âmbito do mercado financeiro.

Sem dúvida, referidos conflitos surgiram, em parte, como consequência da regulação inadequada do SFN, com utilização de terminologia imprópria, conforme já referido, até porque o ideal seria mesmo que todos os atos de constituição de garantias, e outros que requeiram publicidade e oponibilidade a todos, fossem levados a registro nos Ofícios de Registros Públicos, conforme previsão constitucional, com simples comunicação, em tempo real, às empresas de cadastro e controle do Sistema Financeiro Nacional.

Mas também têm sido a origem das confusões e desentendimentos os arroubos de empresas privadas chamadas a atuar no âmbito do SFN, que, por não compreenderem, nem a lógica, nem os limites do arcabouço jurídico construído, e até mesmo por cobiça, têm externado pretensões de, à revelia da Constituição Federal, substituir os serviços de Registros Públicos, inclusive atuando no Legislativo neste sentido, o que não deve ser estimulado por quem pretenda criar em nosso país um saudável, seguro e eficaz ambiente de negócios, abrangendo não apenas o Sistema Financeiro Nacional, mas toda a sociedade brasileira.

Esperamos que a presente análise contribua para iluminar os marcos definidores da questão, facilite a compreensão de todos sobre o tema, e cesse atitudes equivocadas e insensatas, que só podem resultar em prejuízo para a segurança jurídica e a paz social no seio da sociedade brasileira.

*Emílio Guerra é bacharel em direito, especialista em Registros Públicos pela PUC-MG, e Oficial Registrador do 1º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de Belo Horizonte.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.