Migalhas Notariais e Registrais

Da transformação de imóvel rural em urbano

Da transformação de imóvel rural em urbano.

26/5/2021

Introdução 

Este artigo tem o propósito de tratar das transformações de imóveis rurais em urbanos. Para isso, será necessário introduzirmos dispondo, sinteticamente, sobre as políticas de urbanização, as formas e mecanismos de ampliações das áreas urbanas para depois tratarmos dos procedimentos junto ao INCRA e às Serventias de Registros de Imóveis.

Historicamente, estudiosos relacionam a crescente e desenfreada urbanização e a expansão das cidades ao movimento populacional denominado êxodo rural. Na década de 1960, muito influenciados pelos reflexos oriundos da Revolução Industrial, como o surgimento de maquinários que substituíam a mão de obra no trabalho rural, causando inúmeros desempregos; o alto custo dos insumos necessários a produções e, principalmente, o atrativo do surgimento das grandes indústrias com abertura de novos empregos, os trabalhadores rurais se sentiam desmotivados por permanecerem dentro do campo e, ao mesmo tempo, atraídos por uma nova vida nas chamadas “cidades grandes”, fazendo sua migração.

Já, na década de 1990, ocorreram migrações de grandes centros urbanos para cidades médias e pequenas, em decorrência do menor custo de vida e também menores custos de produção.

O problema é que os motivos desse crescimento urbano, seja o que se iniciou pós Revolução Industrial ou o na década de 1990, tinham motivações econômicas, interesses imobiliários, gerando um crescimento desordenado, sem planejamento estratégico, sem estudos relacionados a impactos ambientais, originando núcleos urbanos informais e favelizações.

Nos dizeres de José Carlos Ugêda Júnior (pag.06, 1997)

"O desenvolvimento metropolitano veio, portanto, acompanhado de problemas sociais e ambientais, tais como a falta de moradia e favelização, a carência de infraestrutura urbana, o crescimento da economia informal, a poluição, a intensificação do trânsito, a periferização da população pobre, a ocupação de áreas de mananciais da planície de inundação dos rios, e de vertentes de declive acentuado." 

Como reflexos, ocorreram aumentos na violência, poluições visuais, impactos na natureza, que passaram a chamar a atenção da sociedade, da comunidade jurídica e dos próprios legisladores.

A Carta Constituinte de 1988, a chamada Carta Cidadã, por outo lado, trouxe em suas normas diretrizes legislativas e administrativas ligadas ao urbanismo preocupadas e voltadas a uma ordenação de um pleno desenvolvimento das funções sociais e de garantia do bem estar dos habitantes de um determinado Município.

Nesse diapasão, estabelece o artigo 182, caput da Constituição da República Federativa do Brasil:

Artigo 182- "A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes"

Extrai-se do caput desse artigo que o legislador constituinte deu um enorme prestígio aos Municípios, outorgando-lhes competência para legislar normas que digam respeito ao seu espaço urbano.

Além disso, atribuiu a todos os Municípios a competência para editar normas destinadas “a promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (artigo 30, VIII), e dispôs que os Municípios com mais de vinte mil habitantes são obrigados a ter plano diretor aprovado pela Câmara Municipal como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.  (artigo 182, § 1°).

As diretrizes gerais previstas no caput do artigo 182, hoje, estão disciplinadas na Lei 10257/2001 (Estatuto da Cidade), e dentre elas, estão as ligadas a políticas públicas de desenvolvimento urbano, tais como: respeito e manutenção de um ambiente ecologicamente saudável; garantias de direito a uma cidade sustentável, à moradia urbana, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, transporte, dentre outros.

O Estatuto da Cidade dispõe também no seu artigo 42 B que, os Municípios que queiram ampliar o seu perímetro urbano devem elaborar projeto específico que contenha, no mínimo: a) demarcação de novo perímetro urbano; b) delimitação dos trechos com restrições a urbanização e dos trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais; c) definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais; d) definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda; e)  previsão de áreas para habitação de interesse social por  meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido; f) definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural e; g) definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do Poder Público.

Este projeto prévio é obrigatório para os Municípios que não possuem plano diretor, e deve ser instituído por lei municipal. Para os que já possuem, só não é obrigatório se já estiver no próprio plano diretor as diretrizes previstas no citado artigo 42 B da lei 10257/2001.

Seja qual for a nomenclatura que o Município utilizar, para a ampliação do espaço urbano territorial, é necessária sempre uma lei específica a ser aprovada pela Câmara Municipal.

Quando o Município estende seu espaço urbano territorial, evidentemente, ele transforma uma área rural em área urbana. Conforme dito neste artigo, existe uma série de diretrizes à serem observadas pelo Município, tais como: realizar obras de infraestrutura com calçamentos, luz, rede de esgoto, utilização racional e adequada dos recursos naturais disponíveis, estudos de manutenção de um equilíbrio ecológico, enfim, dar garantia de uma cidade sustentável com acesso à moradia urbana.

No entanto, no meio desse núcleo urbano expandido, podem ainda existir imóveis rurais e que queiram permanecer como tal.  O critério de conceituação de imóvel rural e de sua diferenciação para imóveis urbanos se dá pela destinação do imóvel. Imóveis rurais são aqueles prédios rústicos que, independente de sua localização, realizam atividade extrativa, pecuária, agrícola ou agroindustrial. Seu conceito legal está previsto no artigo 4°, I da Lei 4504/1964 (Estatuto da Terra). Então, é perfeitamente possível existirem imóveis rurais em áreas urbanas ou de expansão urbana e é direito do proprietário permanecer como tal.

Outra questão importante a ser abordada aqui diz respeito ao previsto no artigo 53 da Lei 6766/73, que é a norma que dispõe sobre parcelamentos do solo urbano. Este artigo traz a previsão de que para a alteração do uso do solo rural para urbano, seria necessária uma prévia audiência do INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente.

Nesse aspecto, deve-se destacar a mudança de entendimento do INCRA no que tange à necessidade de sua audiência prévia. Através da Nota Técnica INCRA/DF/DFCN n° 02 de 2016, a Coordenação Geral de Cadastro Rural do INCRA, exteriorizou o seu entendimento atual de que não compete ao INCRA autorizar a transformação do solo para urbano, portanto, não tem que ser ouvido. O artigo 53 da lei 6766/73, deve ser reinterpretada no sentido de que compete à Autarquia, tão somente, realizar as operações cadastrais pertinentes, nos termos do Capítulo VI da Instrução Normativa INCRA n° 82/2015. Assim, compete ao Município transformar o solo em urbano, através de lei municipal e obedecendo projeto específico nos termos do artigo 42 B da Lei 10257/2001, e as diretrizes do seu Plano Diretor, mesmo que a área sofra depois projetos de desmembramento ou loteamento.

Feita esta breve introdução, passaremos agora a análise do procedimento administrativo junto ao INCRA de descaracterização do imóvel rural para urbano.

DA descaracterização para fins urbanos junto ao INCRA

Conforme o disposto no artigo 22 e seus parágrafos da Lei 4947 de 1966, todos os imóveis rurais têm que ter o cadastro administrativo junto ao INCRA, sob pena do imóvel ficar indisponível. Sem o chamado CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural), não podem os proprietários, sob pena de nulidade, desmembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer vender seu imóvel, assim como nas sucessões "causa mortis", nenhuma partilha amigável ou judicial poderá ser homologada pela autoridade competente. A exigência de ter tal cadastro teve início no dia 1° de janeiro de 1967.

É através deste cadastro que o INCRA realiza seus objetivos estatutários de controle, ordenação fundiária rural e execução de reforma agrária com redistribuição de terras.

Assim como é obrigatório ter o cadastro, o seu cancelamento ou atualização cadastral (a depender da descaracterização abranger o imóvel todo ou não), também é obrigatório. Tal procedimento é prévio à efetiva transformação do imóvel rural em urbano junto à matrícula do imóvel na Serventia de Registros de Imóveis competente. Só poderá ser objeto de descaracterização aquele imóvel que perder a sua destinação rural, ou seja, não se destinar mais a exploração vegetativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial.

Tal procedimento está previsto na Instrução Normativa n° 82 do Incra de março de 2015, mais precisamente, no seu capítulo VI.

O requerimento pode ser realizado pelo proprietário do imóvel ou pelo Município e, o procedimento se difere dependendo de quem for o solicitante.

No caso do proprietário, a solicitação deve ser dirigida junto ao Superintendente Regional do Incra, contendo os seguintes requisitos mínimos: a) identificação do imóvel, com informação de denominação, município de localização, código do SNCR, dados referentes à situação jurídica, área total a ser descaracterizada; b) qualificação de todos os titulares e respectivos cônjuges, com informação de nome completo, documento de identificação e CPF ( pessoa natural) ou denominação e CNPJ (pessoa jurídica); c) declaração de que o imóvel se encontra inserido em perímetro urbano, conforme legislação municipal e, que é de interesse dos titulares utilizá-los para fins urbanos; d) endereço para correspondência. No caso de existir mais de um proprietário do imóvel, todos devem assinar o requerimento, incluindo seus cônjuges (artigo 22 da IN 82/2015).

Além do requerimento, devem ser apresentados os seguintes documentos: a) certidão imobiliária de inteiro teor (original, cópia autenticada ou certidão eletrônica) da (s) matrícula (s) do imóvel, expedida pelo serviço de registro de imóveis no prazo máximo de 30 dias; b) certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou; c) cópia da documentação relativa à pessoa natural ou jurídica; original ou cópia autenticada da procuração, se for o caso (o proprietário ou proprietários e seus respectivos cônjuges podem ser representados através de Procuração); d) recibo de entrega de declaração para cadastro de imóveis rurais, acompanhado da documentação nele relacionada, para fins de atualização da área remanescente, em caso de descaracterização parcial (artigo 23 da IN 82/2015 do INCRA).

Após a apresentação da documentação, a Superintendência Regional faz a devida análise dos documentos. Estando tudo em ordem e regular, efetua o cancelamento do cadastro, caso a transformação envolva todo o imóvel ou faz a devida atualização cadastral da área remanescente, por meio da declaração eletrônica previamente enviada, comunicando a operação ao interessado, com cópia do CCIR mais recente, à serventia de registros de imóveis e ao Município.

Uma vez recebida a informação através de ofício do INCRA de que ocorreu alteração cadastral de área remanescente ou o cancelamento do CCIR, o Registrador de Imóveis deve aguardar o comparecimento do titular do imóvel para que este requeira a transformação do imóvel em urbano junto à matrícula e o consequente cancelamento do CCIR ou alteração dos dados do cadastro. O Município também pode requerer a transformação, na qualidade de interessado juridicamente.

Temos o entendimento que não é o caso de averbação de ofício a que alude o § 8° do artigo 22 da lei 4947/66. Segundo esta norma, sempre que ocorrerem mudança de titularidade, parcelamento, desmembramento, Loteamento, remembramento, retificação de área, averbação de reserva legal e outras restrições e limitações de caráter ambiental, o registrador deve comunicar ao INCRA mensalmente e este, por sua vez, após receber a comunicação, também mensalmente, encaminha ao Registrador os novos códigos dos imóveis rurais para serem averbados de ofício. Como exceção ao princípio da rogação, a interpretação desta norma deve ser estrita e, diz respeito aos casos acima destacados que são realizados junto a matrícula para depois sofrerem as alterações cadastrais junto ao INCRA. Assim, não cabe interpretação extensiva para entendermos que a alteração do código rural comunicada pela Autarquia, em decorrência de descaracterização de parte do imóvel rural ou o cancelamento, deva ser averbado de ofício junto a matrícula do imóvel.

No caso do requerimento de descaracterização ser dirigido diretamente pelo Município, o procedimento passa a ter um diferente formato. O requerimento junto à Superintendência Regional deve ser feito pelo Prefeito Municipal e pode abranger mais de um imóvel localizado em sua área urbana ou de expansão urbana, desde que os identifique de maneira adequada, assim como seus titulares. (parágrafo único do artigo 25 da IN 82/2015).

Nesse caso, o requerimento deve conter os mesmos requisitos mínimos previstos para o proprietário, a exceção de endereço para correspondência, e seu requerimento deve ser instruído com certidão de inteiro teor (original ou cópia autenticada) da (s) matrícula (s) do imóvel (is), expedida pelo serviço de imóveis no prazo máximo de 30 dias; planta representativa do zoneamento municipal, identificando a localização dos imóveis descaracterizados; e cópia do Termo de Posse, do documento de identificação e CPF do Prefeito Municipal (artigo 26 da IN 82/2015).

Conforme já dito neste artigo, podem existir imóveis rurais dentro de áreas urbanas e seus proprietários podem querer que continuem como rurais. Tal continuação só pode se dar se este imóvel estiver destinado a atividade rural (pecuária, extrativa, agrícola ou agroindustrial).

Por esta razão, o procedimento aqui é diferente. Após o requerimento do Município, o INCRA notifica os proprietários dos imóveis objeto do requerimento, mediante carta com AR, para que, no prazo de 30 dias, se manifestem (artigo 27 da IN 82/2015).

Se o proprietário concordar com a descaracterização ou ficar silente, o INCRA realiza o devido cancelamento do cadastro (artigo 28 da IN 82/2015).

Se resolver impugnar dentro do prazo, o proprietário deve provar que seu imóvel continua com sua destinação rural. O ônus da prova é do proprietário. O Município não tem que provar que o imóvel perdeu a sua destinação. (artigo 29 da IN 82/2015).

Comprovando que mantém a sua destinação rural, o INCRA não realiza o cancelamento do cadastro e comunica sua decisão ao Prefeito Municipal e aos titulares do imóvel rural (artigo 30 da IN 82/2015).

Nos casos em que o INCRA faz cancelamento a requerimento do Município, ele informa seu cancelamento a Serventia de Registros de Imóveis, ao Município e aos titulares dos imóveis.

E, aqui, teremos a mesma situação já dita anteriormente. O Registrador ao receber o comunicado, arquiva em sua pasta e aguarda o comparecimento do titular do imóvel ou do representante do Município para requerer a transformação do imóvel em urbano e a averbação do cancelamento do CCIR.

Da transformação de imóvel rural em urbano junto à serventia de registros de imóveis 

Uma vez que o Município tenha expandido seu território urbano através de lei específica e que tenha ocorrido a descaracterização do imóvel junto ao INCRA, seja cancelando (caso a descaracterização abranja todo o imóvel) ou atualizando o cadastro (nos casos em que apenas parte do imóvel seja descaracterizado), passa-se a fase de transformação do imóvel para urbano junto à Serventia de Registros de Imóveis competente.

Estamos propositadamente utilizando nomenclaturas diferentes, tratando de descaracterização no procedimento junto ao INCRA (de acordo com o que a própria Autarquia chama), e transformação quando da fase junto à Serventia de Registros de Imóveis. Isso porque a mudança do imóvel para urbano só se dá quando realizada junto à matrícula do imóvel. O cadastro administrativo é um repositório de informações necessárias para que a Autarquia exerça o seu controle fundiário, não tem o condão de constituir direitos. O seu cancelamento também não tem o condão de desconstituir direitos.

Quando se tratar de transformação da área total do imóvel, o proprietário ou a Prefeitura Municipal, na qualidade de interessado juridicamente, deverá apresentar os seguintes documentos à Serventia de Registros de Imóveis competente: a) requerimento, por escrito, com firma reconhecida (alguns Códigos de Normas de alguns Estados permitem que não se exija o reconhecimento quando o requerimento for assinado na presença do Registrador), indicando a matrícula do imóvel; b) Certidão da Prefeitura Municipal indicando: o perímetro urbano em que o imóvel encontra-se localizado; a lei municipal que transformou a área como urbana e a devida descrição do imóvel como urbano, constando as suas características e confrontações, localização, área, logradouro e número, nos termos do artigo 176, § 1º, 3), b) e artigo 225, caput da lei 6015/73 (e, aqui, faz-se uma ressalva: no que tange às confrontações, apesar do citado artigo 225, caput, mencionar que teriam que ser citados os nomes dos confrontantes, a doutrina especializada entende ser mais técnico mencionar os prédios vizinhos); c) Certidão da Prefeitura indicando o cadastro municipal do imóvel, se já tiver. Caso ainda não tenha sido cadastrado, faz-se averbação junto à matrícula posteriormente; d) documento comprobatório do cancelamento do CCIR (Certificado do Cadastro Imobiliário Rural).

Apresentadas as documentações, o Registrador irá fazer a devida prenotação do requerimento. Estando toda a documentação em ordem, caberá ao mesmo averbar junto a matrícula, dentro do prazo legal, a transformação do imóvel em urbano, com fundamento no artigo 246, caput da lei 6015/73. Este tipo de averbação também tem previsão no Código de Normas de São Paulo, no ítem 121 da Subseção III, com a seguinte redação: "Serão averbadas a alteração de destinação do imóvel de rural para urbano, bem como a mudança da zona urbana ou de expansão urbana do Município, quando altere a situação do imóvel." Para atender ao princípio da especialidade objetiva, deve-se descrever de forma precisa o imóvel com suas características e confrontações, área do imóvel, localização, logradouro, número e designação cadastral, se já tiver (artigo 176, § 1°, 3), b), combinado com o artigo 225, caput da lei 6015/73). Após, faz-se a devida averbação do cancelamento do CCIR.

Quando se tratar de apenas parte do imóvel inserido na área de expansão urbana, além dos documentos já citados acima, deverão ser apresentados planta e memorial descritivo elaborados por Engenheiro, da área remanescente que permanecerá como rural e a ART quitada. Nesses casos, pode acontecer dessa área remanescente ficar abaixo da fração mínima para parcelamento de imóveis rurais.

Por força do disposto no artigo 8°, caput da lei 5868 de 1972, nenhum imóvel pode ser desmembrado abaixo da fração mínima para parcelamento. A fração mínima consiste em uma área que seja suficiente para o seu proprietário ou possuidor conseguir, de sua exploração, a subsistência e o progresso social e econômico seu e de sua família. A fração mínima se baseia no que chamam de Zona Típica de Módulo da região em que se situa um Município, baseando-se nos aspectos ecológicos e econômicos à partir das microrregiões geográficas do IBGE. No CCIR de cada imóvel rural consta qual é a fração mínima para parcelamento.

No entanto, existem exceções previstas na própria lei. O artigo 8°, § 4º da lei 5868/72, traz a previsão de que nos casos em que ocorra transformação do imóvel rural em urbano, a parte remanescente pode ficar abaixo da fração mínima para parcelamento. Nesses casos, o INCRA também realiza a alteração cadastral junto ao CCIR.

Para esses casos em que a transformação é só de parte do imóvel rural, após análise da documentação e, estando tudo de acordo, o Registrador irá praticar os seguintes atos: a) averbar a alteração junto à matrícula do imóvel, nos termos do artigo 246 da lei 6015/73; b) averbar a área rural remanescente com base na planta e memorial descritivos apresentados, elaborada por Agrimensor, com ART quitada; c) averbar o CCIR com as alterações cadastrais, tendo que constar na matrícula, os seguintes dados do cadastro: código do imóvel; nome do detentor; nacionalidade do detentor; denominação do imóvel e localização do imóvel (artigo 22, § 6° da Lei 4947/66.); d) abrir matrícula da área urbana, com sua precisa descrição, características e confrontações, área do imóvel, localização, logradouro, número e designação cadastral, se já tiver (artigo 176, § 1°, 3), b), combinado com o artigo 225, caput da lei 6015/73), e averbar na matrícula de origem a remição de que a parte urbana passou a pertencer a outra matrícula e o seu número.

Considerações finais  

Para a compreensão do presente artigo, foi necessário introduzirmos falando, mesmo que de forma apertada, sobre aspectos ligados ao crescimento urbano desordenado, pós Revolução Industrial. e as normas atuais, constitucionais e legais à respeito de política urbana. Em seguida, tratamos da fase administrativa de descaracterização para fins urbanos junto ao INCRA, para depois tratarmos da transformação junto à matrícula do imóvel.

Impende destacar aqui, ainda, que o entendimento de que o Município, representado pelo seu Prefeito Municipal, pode requerer a averbação da transformação de imóveis rurais em urbanos se dá, tendo em vista ter interesse jurídico direto. Realizando-se a transformação e o devido cadastro municipal, poderá passar a cobrar o Imposto Predial Territorial Urbano desses imóveis.

Com relação à legitimação para requerer atos de averbação junto às matrículas dos imóveis, reza da seguinte forma o artigo 568 do Código de Normas do Estado do Rio de Janeiro:

Artigo 568 NCGJRJ- "Terá legitimidade para requerer a averbação qualquer pessoa  (incumbindo-lhe as despesas respectivas) que tenha algum interesse jurídico no lançamento das mutações subjetivas e objetivas dos registros imobiliários."

Outra questão importante a se destacar é que o proprietário do imóvel transformado em urbano é obrigado, por lei, a manter a reserva legal do seu imóvel, até que seja objeto de parcelamento para fins urbanos. Esta regra está prevista no artigo 19 da lei 12651/2012 (Novo Código Florestal). Esta regra merece, no entanto, uma interpretação sistemática e teleológica com o disposto no artigo 25 e seus incisos também do Código Florestal, para entender-se que, com o surgimento de um empreendimento urbano nesse imóvel, a área de reserva legal não será extinta, mas, sim, passará a compor a área verde urbana daquele Município.

Referências bibliográficas

BORGES. Antonino Moura. CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO. Mato Grosso do Sul. Editora Contemplar, 2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

CARVALHO, Afrânio de. REGISTRO DE IMÓVEIS. Rio de Janeiro. Forense, 1976.

CENEVIVA, Walter. LEI DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES COMENTADA. São Paulo. Saraiva, 2010.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. REGISTROS PÚBLICOS. TEORIA E PRÁTICA. Salvador. Jus Podium, 2019.

MARQUES, Benedito Ferreira. MARQUES, Carla Regina Silva. DIREITO AGRÁRIO BRASILEIRO. Atlas, 2017.

SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira. DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO. Curitiba. Juruá Editora, 2018.

UGÊDA JÚNIOR. José Carlos. URBANIZAÇÃO BRASILEIRA, PLANEJAMENTO URBANO E PLANEJAMENTO DA PAISAGEM. Disponível aqui.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.