Em virtude da entrada em vigor da lei 8/17, de 3 de Março, em Portugal, os animais deixaram de ser vistos como coisas, passando a assumir um status próprio, correspondente a um terceiro género entre as pessoas e as coisas.
De facto, antes do preceito que nos dá a pouco rigorosa noção de coisa1, foi integrado no Código Civil português o art. 201.º–B, nos termos do qual: “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de protecção jurídica em virtude da sua natureza”, alteração legislativa que surgiu na esteira do que já tinha ocorrido noutros ordenamentos jurídicos (como o austríaco – em 1988 –, o alemão – em 1990 –, o francês – em 1999 – ou o suíço – em 2003), assim se expressando uma crescente preocupação com os animais. Que, tendo embora fundamentos variados, assenta no pressuposto comum de que os animais são seres sensíveis e, por isso, não podem ser equiparados às coisas2.
O legislador português, depois de ter reconhecido que os animais são seres dotados de sensibilidade, entendeu, então, que o devia fazer de forma expressa no Código Civil e daí retirar conclusões no plano jurídico-civil, dotando os animais de um estatuto que reconhecesse as suas diferenças e natureza, quer face aos humanos, quer face às coisas inanimadas.
No entanto, adiante-se, apesar das alterações legislativas, a verdade é que, por um lado, os animais continuaram a ser vistos como objecto de relações jurídico-reais e, por outro, o seu estatuto não sofreu modificação especial. Desde logo, os animais são expressamente considerados como objecto do direito de propriedade, já que, nos termos do n.º 2 do art. 1302.º do Código Civil português, “podem ainda ser objecto do direito de propriedade os animais”, ainda que o legislador adiante “nos termos regulados neste código e em legislação especial.”3 Depois, as normas especiais sobre animais são escassas e não foram alteradas ou ampliadas e, nos termos do art. 201.º-D do mesmo diploma legal, “na ausência de lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas às coisas, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza.” Ou seja, o regime das coisas continua, na generalidade, a ser aplicável aos animais.
Vejamos, então, quais foram as alterações legislativas – excluindo as meramente literais – introduzidas no Código Civil português em matéria de direito das coisas e de direito da família4.
I) No domínio do direito das coisas.
A redacção originária da epígrafe do artigo 1302.º do Código Civil português – “conteúdo do direito de propriedade” – alterou-se, podendo hoje ler-se “propriedade das coisas”. Por outro lado, ao artigo 1305.º, do mesmo diploma legal, acrescentou-se um segundo número de modo a autonomizar o direito de propriedade sobre os animais do direito de propriedade sobre as coisas, do que decorre que o preceito legal por meio do qual se descreviam os poderes dos proprietários (de uso, de fruição e de disposição) e a forma como podiam ser exercidos (de modo pleno e exclusivo) passou a ter um âmbito de aplicabilidade limitado às coisas. Em síntese, aparentemente, o legislador português pretendeu deixar claro que a plena in re potestas apenas pode ser exercida em toda a sua amplitude ou plenitude sobre as coisas.
Contudo, segundo o nosso entendimento, mal andou o legislador, uma vez que a antiga redação do art. 1305.º do Código Civil português apenas podia conduzir à afirmação de que os poderes do proprietário resultavam, por contraposição, dos limites e restrições fixadas pela lei, já não que o direito de propriedade, por ser indeterminado e pleno, fosse ilimitado. Efectivamente, o cariz indeterminado da propriedade resultava – e resulta –apenas do facto de este direito abranger uma série de faculdades, permitindo ao proprietário dispor dela como quiser, sem outras restrições que não as que resultem da lei ou do respeito de outros direitos subjectivos. E a característica da plenitude apenas revelava – e revela – que a permissão normativa de aproveitamento da coisa se estendia, e estende, até aos confins das possibilidades jurídicas permitidas pela coisa, na ausência de limitações ou restrições.
Acrescente-se ainda, segundo o artigo 334.º do Código Civil português, o exercício de um direito – e, portanto, também o de propriedade ou de qualquer outro direito real – é ilegítimo sempre que o respectivo titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Por tudo isso, o facto de os animais terem deixado de ser coisas não tornava necessária a alteração da epígrafe do art. 1302.º do Código Civil português.
Mas, o legislador português, preocupado – desnecessariamente – em deixar claro que a plena in re potestas não pode ser exercida em toda a sua amplitude ou plenitude relativamente aos animais, veio introduzir no Código Civil o art. 1305.º–A. No n.º 1, determina-se, então, que o proprietário de animais tem os deveres de assegurar o bem-estar deste, respeitar as características de cada espécie, observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução, detenção e protecção dos animais e, salvaguardar, sendo esse o caso, espécies em risco. E no n.º 2, a propósito do dever de assegurar o bem-estar dos animais, esclarece-se, de forma meramente indicativa, que o mesmo envolve: a) a garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão; b) a garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei. Por fim, no n.º 3, o legislador veio esclarecer que o direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.
Ora, cumpre, antes de mais, afirmar que os n.º 1 e 2 do art. 1305.º–A do Código Civil português não se revelam particularmente inovadores, pois os proprietários de animais de companhia já se encontravam vinculados a assumir os comportamentos mencionados, em virtude dos arts. 6.º e 7.º do Decreto–Lei n.º 260/2012, de 12 de Dezembro que alterou Decreto–Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, diploma que, por sua vez, transpôs para o direito português a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia. Acresce que, não sendo reconhecida personalidade jurídica aos animais, em causa estão vinculações dos proprietários que não consubstanciam obrigações ou deveres jurídicos integráveis no âmbito de uma relação jurídico-obrigacional.
No que ao terceiro número diz respeito, temos de sublinhar que, aparentemente, o legislador se esqueceu, não só da proibição do abuso de direito, mas ainda dos preceitos legais já existentes a este propósito (designadamente, dos n.ºs 1 e 3 do art. 1.º da LPA5 e dos n.ºs 1 e 3 do art. 7.º do Decreto–Lei n.º 260/20126).
Finalmente, saliente-se que não foi feita qualquer menção, mesmo que genérica ou remissiva, para as consequências jurídicas do não acatamento dos deveres impostos pelo art. 1305.º–A e que, por isso, o seu incumprimento apenas pode continuar a conduzir à aplicação de sanções contraordenacionais ou penais7.
Em conclusão – não obstante considerarmos que podem e devem ser impostas vinculações ou deveres indirectos aos proprietários de animais –, o art. 1305.º-A é supérfluo e não devia ter merecido acolhimento no Código Civil português.
Cumpre, agora, fazer referência às alterações introduzidas em matéria de ocupação.
Neste domínio, apenas se verificou uma efectiva modificação da disciplina jurídica em dois pontos: por um lado, excluiu-se – não se sabe por que razão – o direito a um prémio dependente do valor do achado (no entanto, sublinhe-se, tal alteração foi introduzida tanto por referência aos animais, como por referência as coisas); por outro lado, nos termos do n.º 7 do art. 1323.º do Código civil, o achador passou a poder, na expressão do legislador, “rete[r] o animal em caso de fundado receio de que aquele seja vítima de maus-tratos por parte do seu proprietário.” Ora, esta norma suscita-nos algumas dificuldades interpretativas.
Em primeiro lugar, não são facilmente determináveis os pressupostos de aplicabilidade da norma: “fundado receio de maus-tratos do animal por parte do seu proprietário”. Estando em causa situações de achamento de animais sem dono conhecido, pode ser muito difícil, senão impossível, formular juízos acerca de eventuais práticas pretéritas de maus tratos aos animais achados. Com efeito, acompanhamos na íntegra Filipe Albuquerque Matos e Mafalda Barbosa quando afirmam que: “a circunstância do animal sem dono ter sido encontrado em estado deplorável não permite, por si só, que o achador conclua pela existência pretérita de maus-tratos do seu proprietário, e subsequente surgimento por parte daquele de um fundado receio quanto a reiteração dessas práticas ofensivas da integridade do animal. Múltiplas podem ter sido as circunstâncias justificativas para o animal, no momento em que foi encontrado, se apresentar num estado deplorável: o lapso temporal do abandono, as contingências severas do meio por onde, entretanto, deambulou, a idade e o estado de saúde do animal...”8
Em segundo lugar, em que se traduz juridicamente tal poder de reter? No direito português, o direito de retenção é um direito real de garantia que atribui ao seu titular o poder de satisfazer o seu crédito, à custa de um bem certo e determinado, com preferência face aos demais credores9. Consequentemente, tal como em qualquer outro direito real de garantia, o direito de retenção, no direito português, é uma garantia acessória de certo crédito. Ora, assim sendo, é para nós certo que o referido poder de reter o animal não consubstancia um qualquer direito real de garantia. E, se é inegável que, em Portugal, de acordo com o princípio da taxatividade, é ao legislador que compete elencar os direitos reais, também é inquestionável que não compete ao legislador dar a definição de direito real e que lhe está vedada a possibilidade de prever a existência de um direito real de garantia, não acessório, o mesmo é dizer que não vise assegurar a satisfação de um qualquer direito de crédito, mesmo que futuro ou eventual. Para além do afirmado e, portanto, abstraindo do facto de o achador não ser titular do poder de reter por não ser titular de um direito de crédito, sempre se poderá questionar: se em causa estivesse um direito real de retenção, em que medida a referida retenção poderia exercer uma pressão sobre o proprietário do animal? E, não funcionando tal pressão, por que razão ao achador poderia ser reconhecido o poder de promover a venda judicial do bem? Finalmente, não se tratando de um exercício de um direito de retenção como garantia de uma relação creditícia, mas de uma faculdade de reter o animal, retirando-o do poder do seu proprietário, com fundamento numa mera suspeita de maus-tratos, cumpre perguntar: em que medida não configurará tal poder de reter uma restrição desproporcional ao direito de propriedade constitucionalmente consagrado?
Em terceiro lugar, e depois de tudo isto, o legislador português manteve o prazo de recuperação do animal. Ou seja, nos termos do 4 do art. 1323.º do Código Civil, “anunciado o achado, o achador faz seu o animal ou a coisa perdida, se não for reclamada pelo dono dentro do prazo de um ano, a contar do anúncio ou aviso.” O que quer dizer que o legislador português admite que, depois de ter sido estabelecida uma ligação entre o achador e o animal – ser sensível – durante o período de um ano, o animal possa ser retornado – como se uma mera coisa se tratasse – ao seu dono.
Para terminarmos o nosso excurso sobre as alterações introduzidas no Código Civil português, no domínio do direito das coisas, em virtude da Lei n.º 8/2017, não podemos deixar de salientar, não obstante já resultar implicitamente do afirmado, que nenhuma alteração foi introduzida em matéria de propriedade horizontal/condomínio edilício. E, portanto, desde que constante do regulamento do condomínio inserido no título constitutivo, continua a ser plenamente válida e dotada de eficácia erga omnes a proibição de deter animais de companhia nas fracções autónomas10.
II) No domínio do direito da família
Quanto às alterações introduzidas no Código Civil português, no domínio do direito da família, em virtude da Lei n.º 8/2017, há que referir, a ocorrida no art. 1733º, a qual acrescentou à lista de bens incomunicáveis “os animais de companhia que cada um dos cônjuges tiver ao tempo da celebração do casamento” (cfr. alínea h) do n.º1)11, bem como, a introdução, em matéria de divórcio, da alínea e) do art. 1775.º e do art. 1793.º–A12.
A alínea e) do art. 1775.º passou a determinar que o requerimento para o divórcio por mútuo consentimento13 deve ser acompanhado – além da certidão judicial que tiver regulado o exercício das responsabilidades parentais ou do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial, do acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça e do acordo sobre o destino da casa de morada de família –, do acordo sobre o destino dos animais de companhia, caso existam14.
Por seu turno, o art. 1793.º–A, tendo claramente em conta o facto de os animais serem seres dotados de sensibilidade, a propósito do divórcio litigioso, estatuiu que “os animais de companhia devem ser confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando os interesses de cada um deles e dos filhos do casal, como também o bem-estar do animal”, deixando, assim, inequívoco que em caso de divórcio litigioso os animais não são objecto de partilha – ao contrário do que ocorre com os bens comuns do casal –, não são havidos como objecto do direito de propriedade do cônjuge que conste como seu titular no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC)15, etc., e, portanto, não são equiparados a coisas.
Concluímos este escrito revelando que temos a convicção que melhor teria andado o legislador português se houvesse assumindo a defesa dos animais, de forma efectiva e como uma causa pública, introduzindo alterações à Lei de Protecção aos Animais e ao Decreto-Lei n.º 260/2012, ou, preferencialmente, criado um novo e integral Estatuto Jurídico dos Animais, como seres dotados de sensibilidade e, assim, como um tertius genus entre as pessoas e as coisas, merecedores de tutela jurídica específica. Isto porque, é para nós inquestionável que não são os nomes dados às realidades que as transformam juridicamente, mas o regime que lhes é dispensado.
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1 O Código Civil português define coisa, no art. 202.º, como “tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas”.
No entanto, a noção em causa é demasiado ampla, uma vez que que abarca, designadamente, as pessoas, as prestações e as situações económicas não autónomas. De facto, dúvidas não subsistem quanto à possibilidade de as pessoas poderem ser objecto de relações jurídicas (assim, por exemplo, nos direitos de personalidade) e, no entanto, não são coisas. Também as prestações que, na sua essência, se traduzem em acções ou omissões das pessoas (e, por isso, são incindíveis destas) são insusceptíveis de assumir o estatuto de coisa. Quanto às situações económicas não autónomas, ou seja, situações economicamente vantajosas que se ligam incindivelmente a outras situações, por modo que só dominando estas últimas - se estas forem susceptíveis de domínio - é que alguém pode assenhorear-se das primeiras (por exemplo, os valores sui generis de um estabelecimento comercial, nomeadamente, as relações de facto de valor económico com os clientes, com os fornecedores e financiadores, etc.), também não são coisas.
Assim, o conceito jurídico de coisa tem de ser restringido, acrescentando ao disposto no art. 202.º os seguintes requisitos:
1 — impessoalidade;
2 — autonomia (objecto com existência autónoma ou objecto distinto e separado que seja actual, certo e determinado);
3 — utilidade (objecto idóneo à satisfação de necessidades ou interesses humanos;
4 — apropriabilidade (o objecto susceptível de ficar subordinado juridicamente ao poder, acção ou disponibilidade exclusiva de um ou alguns homens).
Consequentemente, não cabe na noção jurídica de coisa:
— quem detenha personalidade jurídica (as pessoas);
— qualquer objecto que não tenha existência autónoma, isto é, qualquer entidade que não seja distinta e separada, pois que sobre aquilo que só existe como parte de um todo mais vasto não podem constituir-se relações jurídicas com individualidade própria (é o caso das partes integrantes e das partes componentes);
— tudo aquilo que, por sua natureza, seja insusceptível de apropriação exclusiva por alguém. Assim os objectos de que todos os homens se podem aproveitar (a luz, o calor solar, o ar atmosférico) e os objectos de que ninguém pode tirar proveito (as estrelas; o próprio sol; os planetas, etc.);
— tudo o que não é apto a satisfazer necessidades ou interesses humanos, isto é, tudo a que falte utilidade ou que seja insusceptível de ser utilizado (ex.: uma gota de água; um grão de areia, etc.).
2 Como ensina ANTÓNIO DAMÁSIO, efectivamente, as emoções são estruturas comuns a espécies tão simples como as moscas ou caracóis. Já a estruturas neuronais em que a consciência se alicerça (consciência nuclear) podem ser encontradas, não só nos primatas, mas também em aves e répteis Por fim, a consciência alargada – que nos remete para uma apreensão panorâmica da vida e que permite o altruísmo – é típica, dos mamíferos superiores, para além, clara está, dos seres humanos.
3 A lei não passou a reconhecer aos animais personalidade jurídica, nem, na nossa perspectiva, a qualidade de titulares de direitos subjetivos. Bem andou o legislador, pois o fundamento último do direito encontra-se na ineliminável dignidade ética do ser Pessoa, livre e responsável. E faltando aos animais tais dimensões, como é evidente, independentemente das suas particulares características ontológicas, tão bem salientadas por DAMÁSIO, não se pode defender que sejam titulares de direitos. Efectivamente, o único sujeito de direitos é o homem: Pessoa, livre e responsável. O acabado de afirmar não implica, obviamente, que se negue a existência de deveres das pessoas para com os animais. Mas tais deveres, segundo o nosso entendimento, têm de ser concebidos como deveres indirectos.
4 A par destas alterações foi introduzido o artigo 493.º-A em matéria de Direito das Obrigações.
O artigo 493.º-A (Indemnização em caso de lesão ou morte de animal) tem a redação que de seguida se transcreve:
“1. No caso de lesão de animal, é o responsável obrigado a indemnizar o seu proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham procedido ao seu socorro pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem prejuízo de indemnização devida nos termos gerais.
2. A indemnização prevista no número anterior é devida mesmo que as despesas se computem numa quantia superior ao valor monetário que possa ser atribuído ao animal.
3. No caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal.”
A propósito deste artigo, cumpre sublinhar o carácter inovador, a nível europeu, do seu n.º 3, o qual, em caso de morte ou de lesão corporal grave do animal, reconhece ao seu proprietário o direito a ser ressarcido ou compensado dos danos não patrimoniais (v.g. desgostos, angústias e sofrimentos).
5 No n.º 1: “são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”. Na al. d) do n.º 3 lê-se que “são também proibidos os actos consistentes em: abandonar intencionalmente na via pública animais que tenham sido mantidos sob cuidado e protecção humanas, num ambiente doméstico ou numa instalação comercial ou industrial”.
6 No qual se estatui que “são proibidas todas as violências contra animais, considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento ou lesões a um animal.”
7 E quanto a estas, não podemos deixar de afirmar que são absolutamente inconstitucionais, em virtude da inexistência de qualquer bem jurídico constitucionalmente reconhecido.
Não obstante o acabado de afirmar, de seguida, passamos a transcrever o Título VI – Dos crimes contra os animais de companhia - do Código Penal português.
“Artigo 387.º (Morte e maus tratos de animal de companhia)
1 – Quem, sem motivo legítimo, matar animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o limite máximo da pena referida no número anterior é agravado em um terço.
3 – Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 120 dias.
4 – Se dos factos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, ou se o crime for praticado em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
5 – É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se referem os n.os 2 e 4, entre outras, a circunstância de:
a) O crime ser de especial crueldade, designadamente por empregar tortura ou ato de crueldade que aumente o sofrimento do animal;
b) Utilizar armas, instrumentos, objetos ou quaisquer meios e métodos insidiosos ou particularmente perigosos;
c) Ser determinado pela avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou por qualquer motivo torpe ou fútil.
Artigo 388.º (Abandono de animais de companhia)
1 – Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
2 – Se dos factos previstos no número anterior resultar perigo para a vida do animal, o limite da pena aí referida é agravado em um terço.
Artigo 388.º–A (Penas acessórias)
1 – Consoante a gravidade do ilícito e a culpa do agente, podem ser aplicadas, cumulativamente com as penas previstas para os crimes referidos nos artigos 387.º e 388.º, as seguintes penas acessórias:
a) Privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período máximo de 6 anos;
b) Privação do direito de participar em feiras, mercados, exposições ou concursos relacionados com animais de companhia;
c) Encerramento de estabelecimento relacionado com animais de companhia cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença administrativa;
d) Suspensão de permissões administrativas, incluindo autorizações, licenças e alvarás, relacionadas com animais de companhia.
2 – As penas acessórias referidas nas alíneas b), c) e d) do número anterior têm a duração máxima de três anos, contados a partir da decisão condenatória.
Artigo 389.º (Conceito de animal de companhia)
1 – Para efeitos do disposto neste título, entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia.
2 – O disposto no número anterior não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos.
3 – São igualmente considerados animais de companhia, para efeitos do disposto no presente título, aqueles sujeitos a registo no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC) mesmo que se encontrem em estado de abandono ou errância.”
8 O Novo Estatuto Jurídico dos Animais, Coimbra, Gestlegal, 2017, p. 113.
9 Segundo o estatuído no art. 754.º do Código Civil português, o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza de direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados. Ou seja não só pode recusar a entrega da coisa (visando compelir o devedor a realizar a prestação em dívida, em ordem a recuperar o objecto retido), como pode promover a sua execução judicial, para assim se pagar à custa do valor da coisa com preferência face aos demais credores.
Assim, são requisitos para existência do direito de retenção previsto no art. 754.º:
— que o titular do direito detenha licitamente uma coisa que deva entregar a outrem;
— que o titular do direito, obrigado à restituição da coisa, seja simultaneamente credor daquele a quem a deve restituir;
— que entre os dois créditos exista uma relação de conexão. É o caso-escola do mecânico que pode recusar a entrega da coisa reparada para assegurar o pagamento do crédito resultante das reparações.
Segundo o art. 756.º do Código civil português, não há direito de retenção:
a) a favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar, desde que, no momento da aquisição, conhecessem a ilicitude desta;
b) a favor dos que tenham realizado de má-fé as despesas de que proveio o seu crédito;
c) relativamente a coisas impenhoráveis;
d) quando a outra parte preste caução suficiente.
Saliente-se, ainda, que no n.º 1 do art. 755.º do diploma legal em apreço, o direito de retenção é admitido com carácter excepcional em relação ao transportador, albergueiro, mandatário, gestor de negócios, depositário, comodatário e beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido. E dizemos “excepcional”, porque se não trata aqui de usar o direito de retenção para garantir um crédito resultante de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados.
10 Ao invés, como a assembleia de condóminos não pode decidir sobre o uso das fracções autónomas, salvo nos casos especiais previstos na lei (cfr. artigos 1422.º, n.º 2 a 4; 1422.º-A, n.º 3, 1428.º e 1429.º do Código civil português), o regulamento por si elaborado não pode proibir a detenção de animais em fracções autónomas.
Acresce que, não obstante a assembleia geral, no âmbito dos seus poderes de administração, poder regular o uso da coisa comum no interesse colectivo do condomínio, ao fazê-lo não pode violar o direito de cada condómino, privando-o do uso da coisa comum. Por isso, a assembleia de condóminos não pode impedir que o condómino circule acompanhado de um animal de companhia em toda e qualquer parte comum do edifício, não obstante poder estabelecer, a cargo dos condóminos, deveres especiais de cuidado com a higiene das partes comuns ou com a segurança, quer do edifício, quer das restantes pessoas que nele habitam (por exemplo, o dever de não deixar um animal de estimação circular à solta pelas partes comuns).
11 A doutrina e a jurisprudência portuguesas são unânimes em afirmar que os bens incomunicáveis, nos termos do art. 1733.º, no regime da comunhão geral de bens, também o são, por maioria de razão, no regime da comunhão de adquiridos.
12 Sublinhe-se que as referidas regras se aplicam também à separação judicial de pessoas, quer por mútuo consentimento, quer litigiosa, nos termos do art. 1794.º do Código Civil português.
13 Que, em Portugal, corre em uma qualquer conservatória do registo civil e não perante o notário, ao contrário do que ocorre no Brasil.
14 Sendo acordado que o destino do animal passará por ficar permanentemente apenas com um dos ainda cônjuges, nada obsta à convenção segundo a qual ambos continuarão a suportar as despesas com a sua alimentação, saúde, etc.
No entanto, não sendo tal acordo necessário para que o divórcio por mútuo consentimento seja decretado, a ele não se referirá a decisão da conservatória. Consequentemente, não lhe poderá ser dada publicidade, pois, por um lado, em Portugal, apenas a decisão proferida é registada – mediante arquivo da fotócopia/xerox respectiva, em maço próprio (cfr. art. 273.º do Código do Registo Civil) – e, por outro, inexiste Registo de Documentos.
15 O Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC) foi criado pelo Decreto–Lei n.º 82/2019 de 27 de Junho, em cujo preâmbulo se pode, além do mais, ler: “a regulação da detenção dos animais de companhia constitui uma medida destinada a contrariar o abandono e as suas consequências para a saúde e segurança das pessoas e bem-estar dos animais. A prevenção do abandono animal pela promoção da detenção responsável engloba, entre outras obrigações, a identificação e registo dos animais de companhia. O sistema de marcação com um dispositivo eletrónico denominado transponder e o registo no sistema informático permitem estabelecer a ligação do animal ao seu titular ou, quando aplicável, ao seu detentor e local de detenção, possibilitando a responsabilização do titular do animal pelo cumprimento dos parâmetros legais, sanitários e de bem-estar animal.”
Em virtude deste diploma legal todos os cães, gatos e furões, nascidos em Portugal, ou que residam neste território por um período igual ou superior a 120 dias têm que ser “registados” junto do SIAC, após a colocação de um microchip ou transponder.
O SIAC é uma base de dados pública, acessível a partir de um portal na internet, que agrega informação sobre cães, gatos e furões. Designadamente: a informação sanitária obrigatória do animal, o local onde habita e os dados do titular do animal.
Sublinhe-se que antes da existência do SIAC, em Portugal existiam duas bases de dados relativamente aos animais de companhia: o Sistema de Identificação e Recuperação Animal (SIRA) – criado em 1992 pelo Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários – e o Sistema de Identificação de Canídeos e Felinos (SICAFE) – criado, em 2003, pela Direção Geral de Veterinária – no qual constavam os dados dos Centros de Recolha Oficiais e das juntas de freguesia. O SIAC surgiu a partir da fusão destes dois organismos.
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