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Cessão dos direitos de meação ou doação da meação?

Cessão dos direitos de meação ou doação da meação?

11/11/2020

Aberta a sucessão, a viúva meeira deseja abrir mão de sua meação, a título gratuito, aos seus filhos, por possuir outros bens particulares que já garantem seu sustento. Quais seriam os caminhos para que ela satisfaça sua vontade? Poderia ela ceder os direitos da meação, ou deveria, primeiramente, receber sua meação na partilha, e só depois poderia doar? Tanto na jurisprudência, como na doutrina, encontramos divergência de entendimento sobre esse tema. É claro que estamos falando dos bens comuns do casal, por isso o assunto é meação.

Antes de tudo, convido o leitor a fazer as seguintes reflexões: 1)- Existe alguma maneira de fazer o inventário somente dos 50% do falecido (herança), sem incluir os 50% da meeira (meação) ao monte mor? 2)- Se houver autorização judicial para venda de determinado bem pertencente ao Espólio, quem irá outorgar a escritura, o espólio ou o espólio e a viúva? 3)- Existe alguma maneira de identificar o bem, ou a porcentagem do bem, referente à meação, antes que se promova a partilha? 4)- Após a sucessão aberta, a viúva meeira poderia, individualmente, vender ou doar um bem específico, ou porcentagem dele, pertencente ao espólio?

Após refletir sobre essas questões, chegamos à conclusão de que a meação só se trata de propriedade, enquanto está na vigência do casamento, pois, nesse caso, há como identificar que ela é proprietária da metade de cada bem que compõe o patrimônio. Nesta linha de raciocínio, aberta a sucessão, torna-se impossível identificar ou individualizar os bens que compõe a meação, até que se promova a partilha. Nesse momento, então, já não podemos afirmar que a meeira é proprietária de metade de todos os bens, e, sim, que ela passa a ter o direito de metade do patrimônio, ou seja, do monte mor.

Desse modo, no momento em que é aberta a sucessão, a meação e a herança tornam-se uma universalidade de bens, passível de qualquer tipo de destinação pelos herdeiros e meeira, desde que em comum acordo. Tanto é assim, que a meação não precisa ser paga exatamente com a metade de todos os bens, pois a viúva meeira e os herdeiros podem partilhar da forma que quiserem, podendo a meação ser paga, por exemplo, somente com os bens de tal cidade, ou com todos os bens móveis, com a totalidade do usufruto dos bens, ou, de inúmeras outras maneiras, a critério dos interessados (meeira e herdeiros).

No entanto, o grande dilema é que a cessão só cabe para coisas incorpóreas, enquanto as coisas corpóreas devem ser objeto de compra e venda, permuta, dação em pagamento ou doação. Os que defendem que não cabe cessão da meação, entendem ser a meação coisa corpórea, e é exatamente aí que está o "X" da questão. Se o direito à sucessão aberta é considerado coisa incorpórea, e a sucessão aberta faz com que a meação seja integrada junto ao monte mor, a meação, nesse exato momento, perde sua característica de coisa corpórea, e passa a ser coisa incorpórea, pois não se pode separar até que seja feita a partilha.

Por certo, a meação, quando aberta a sucessão, não tem mais como ser certa e determinada, até que se proceda a partilha, dessa maneira, fica impossível que ela seja considerada como uma coisa corpórea, consequentemente seja objeto de doação, compra e venda etc. Posto isso, pensamos que, se ainda não foi feita a partilha dos bens, não há como se realizar uma doação da meação, pois ela não se separa da herança. Como a partilha é que põe fim à indivisibilidade dos bens, após a partilha não caberá mais cessão, e sim doação, pois aí a meação já está definida, e volta a ser coisa corpórea, assim como acontece com a própria herança.

Em qualquer das hipóteses, seja na cessão ou na doação, haverá a necessidade de recolhimento do ITCMD (Imposto de transmissão causa mortis e doação), exceto se o valor cedido ou doado estiver elencado nas hipóteses de isenções previstas na legislação tributária estadual.

Já no registro de imóveis, a cessão não é objeto de registro, ao menos no Estado de São Paulo; desse modo, assim como na existência de cessão de direitos hereditários, haverá somente um registro, que é o da partilha realizada no inventário. Assim, se a intenção da mãe é doar aos filhos, fazendo isso por cessão da meação, antes da partilha, estaria economizando um registro apenas, uma vez que o imposto de transmissão por doação seria recolhido tal como na doação posterior. Diferentemente do que foi alegado em algumas decisões, entendemos que essa cessão de meação é perfeitamente possível, e de maneira nenhuma estaria ofendendo o princípio da continuidade, pois se enquadraria na mesmíssima situação da cessão dos direitos hereditários, perante o registro imobiliário.

Por todo o exposto, em nossa humilde opinião, defendemos que o ato realizado depois de aberta a sucessão, e antes da partilha, não tem como ser outro, senão cessão de direitos de meação, assim como acontece com os direitos hereditários, uma vez que, aberta a sucessão, a totalidade dos bens é que vai ao monte mor, e essa se torna indivisível, não se podendo aferir o que é meação e o que é herança, até que se faça a partilha. E, por fim, entendemos que, se o ato de transmissão gratuita for depois da partilha, não há como ser chamado de cessão, pois aí sim, com os bens já determinados e devidamente partilhados, só poderá ser feita, a título gratuito, a doação.

Antes da partilha = cessão dos direitos de meação.

Após a partilha = doação dos bens, ou parte deles.

Assim entendemos, respeitando as opiniões contrárias1.

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1 Este artigo já foi publicado no Blog do DG (clique aqui).

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.