Fenômeno já institucionalizado em vários países do mundo, o Time Sharing, também conhecido como multipropriedade, conceitua-se como o compartilhamento de determinado (s) bem (ns) por duas ou mais pessoas em períodos estipulados de tempo (fração temporal), no qual cada um dos multiproprietários exerce direito pleno sobre o (s) bem (ns), de forma exclusiva, durante a fração de tempo que lhe cabe.
No Brasil, esse fenômeno foi introduzido no ordenamento jurídico pela lei 13.777, de 20 de dezembro de 2018, que dispôs sobre o regime jurídico da multipropriedade e seu registro, alterando o Código Civil e a Lei dos Registros Públicos (lei 6.015/73). No que pese seu brilhantismo, o texto legal limitou-se a regular a multipropriedade dos bens imóveis, de forma que não existe no ordenamento jurídico atual a regulamentação do time sharing de bens móveis.
Em razão dessa lacuna legislativa, a mutipropriedade mobiliária está sendo operacionalizada por meio de contratos atípicos, ao arrepio da segurança jurídica. O legislador não pode mais manter-se inerte quanto à necessidade de regulamentação urgente desse instituto, que tem como objetivo proporcionar maior aproveitamento da coisa, diminuindo o tempo de ociosidade de determinados bens e premiando a função social da propriedade.
Atendendo ao anseio social, foi apresentado o PL 3801/2020 pelo Deputado Federal Eli Corrêa Filho (DEM/SP), que altera o Código Civil e a Lei de Registros Públicos para dispor sobre a multipropriedade de bens móveis e seu registro.
De acordo com a proposta legislativa, o time sharing dos bens móveis será instituído sob a forma de Condomínio Especial, estabelecido por meio de memorial de instituição e respectiva convenção de condomínio devidamente registrados em Cartório de Registro de Títulos e Documentos – RTD, no qual também deverão ser registradas todas as alterações posteriores, tais como a cessão, locação ou dação em pagamento da fração de tempo por um dos multiproprietários. Ainda deverão ser comunicadas ao cartório as restrições judiciais ou administrativas que decaiam sobre o bem, para anotação ex officio na matrícula do condomínio.
Um aspecto importante diz respeito à diferenciação entre os bens que constituem a multripropriedade e o condomínio especial. Os bens móveis compartilhados deverão estar devidamente registrados nos competentes órgãos de registro, e o condomínio deverá ser registrado no cartório de Registro de Títulos e Documentos. São, dessa forma, registros distintos, que não se confundem e que não acarretam uma duplicidade registral. Exemplificando, os entes cadastrais, como a Capitania dos Portos, a Gerência Técnica do Registro Aeronáutico Brasileiro, da ANAC, ou os Detrans, seguirão registrando, respectivamente, embarcações, aeronaves e veículos automotores terrestres, bem como as garantias, penhoras e outras restrições sobre tais bens, com a única diferença de que, quando estes bens estiverem submetidos a regime de multipropriedade, no registro deverá figurar como proprietário o respectivo condomínio especial. Ainda, quaisquer referências a tais registros, que sejam feitas nas matrículas dos condomínios, serão realizadas como anotações, ex officio, ou seja, sem cobrança de emolumentos. Assim, não haverá dupla oneração dos multiproprietários.
Um condomínio especial em multipropriedade mobiliária envolverá muitas situações, fatos e atos jurídicos específicos, que fogem ao interesse e fim dos entes a que são afetos o cadastro e registro das diversas espécies de bens móveis, sendo não só conveniente, mas necessário, que o registro dos condomínios em multipropriedade mobiliária seja objeto de assentamento e controle próprios, onde toda a sua dinâmica "vida" social e legal seja documentada, em apartado da "vida" dos bens integrantes do seu patrimônio. Bens esses que poderão mudar, ao longo do tempo, com a baixa de alguns e a inclusão de outros, razão pela qual nenhum registro de um bem móvel, em particular, poderia dar conta da vida do condomínio multiproprietário, que poderá abranger, de início ou posteriormente, vários outros bens móveis.
O condomínio poderá ser formado por um ou mais bens móveis, desde que da mesma espécie, devidamente descritos no instrumento de constituição, que poderá ser feito por documento público ou privado, regularmente registrado no cartório de RTD do domicílio do instituidor ou dos instituidores detentores da maior parcela do direito de propriedade sobre o bem.
O instituto do condomínio especial é figura jurídica ímpar, de possibilidades únicas, por permitir a realização de coisas que, de outro modo, não seria possível ou desejável, razão pela qual não poderá ser substituído ou transformado em pessoa jurídica, seja de que espécie for. Em outras palavras, não há criação de uma nova espécie de pessoa jurídica ou mesmo possibilidade de equiparação a qualquer pessoa jurídica hoje existente, isso porque não há affectio societatis entre os multiproprietários, mas sim desejo de compartilhamento de um ou mais bens móveis.
Acredita-se que a aprovação desse Projeto de Lei viabilizará o surgimento de uma infinidade de novos negócios compartilhados, tendência moderna de consumo, que favorecerá uma movimentação nesse novo modelo econômico que a cada dia ganha mais adeptos em todo o país, a semelhança do que ocorre na Europa e Estados Unidos.
*Rainey Marinho é presidente do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IRTDPJBrasil) e titular do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas de Maceió/AL.
**Eli Corrêa Filho é deputado Federal eleito pelo Estado de São Paulo. Está na sua terceira legislatura.