Migalhas Norte-Americanas

Eleições presidenciais norte-americanas – os EUA possuem um Código eleitoral?

O texto examina a legislação eleitoral dos Estados Unidos, explorando como o sistema federalista do país, que concede ampla autonomia aos estados, impacta a condução de eleições.

4/11/2024

Nas últimas eleições presidências norte-americanas de 2020, escrevemos nessa coluna uma série de três artigos sobre o tema e, no último deles (clique aqui), tratamos do curioso sistema de eleição indireta através do chamado Colégio Eleitoral.  No presente texto, aduzimos alguns pontos adicionais sobre a legislação eleitoral dos EUA.

A Constituição Americana de 1787 diz muito pouco sobre eleições.  Isso espelha sua natureza sintética, mas também uma das maiores características da formação federalista dos EUA: a enorme autonomia político-jurídica dos Estados.  Por isso mesmo, como veremos a seguir, os EUA não possuem um código eleitoral de âmbito nacional, mas apenas legislação esparsa, que visa tão somente assegurar e ampliar o direito ao voto.

De fato, causa enorme perplexidade ao mundo que o berço da democracia constitucionalista não possua um sistema de escolha do Chefe do Executivo por eleição direta dos cidadãos.  Mas não se pode perder de vista que a engenharia constitucional norte-americana, além de ter representado um fenomenal e corajoso trabalho por parte dos chamados founding fathers, é obra de seu tempo, sujeita às limitações tecnológicas, desafios geográficos e dificuldades logísticas de todas as sortes.

Além disso, é importante fazer-se referência ao próprio processo de formação da federação norte-americana.  Ao contrário do Brasil, onde o poder político sempre teve estrutura centralizada, delegando-se, de forma centrípeta e paulatina, alguns poderes jurídico-políticos aos Estados, nos EUA, o esquema  federativo desenvolveu-se a partir de uma matriz política centrífuga, em que as recém-emancipadas 13 colônias “concederam” à nova “União” apenas parte menor dos poderes político-jurídicos, reservando-se para si a maior parte.  Tal elenco de poderes concedidos (e enumerados) é, pois, o próprio texto da Constituição norte-americana de 1787. 

Portanto, embora a Constituição dos EUA e algumas leis federais estabeleçam alguns parâmetros gerais a respeito dos processos eleitorais, as eleições, inclusive as presidenciais, são eventos eminentemente estaduais, regidos por leis distintas de cada Estado, além de decisões administrativas dos seus governos e precedentes de seus Poderes Judiciários.

No atinente às eleições presidenciais, em âmbito federal, destacam-se as seguintes normas:

Todo o vastíssimo campo restante da legislação eleitoral é de competência dos Estados, tais quais, e.g.: a forma de escolha dos eleitores2 do Colégio Eleitoral, como e quais os candidatos à presidência são escolhidos (eleições primárias), os requisitos e formas de registro dos eleitores, as formas de votação, e se os votos do colégio eleitoral deverão seguir a escolha majoritária do voto popular no Estado ou contabilizar a votação distrital também3.

As eleições presidenciais desse ano se darão no dia 5 de novembro, embora a quase totalidade dos Estados já tenha iniciado o processo de recebimento das cédulas através da chamada votação antecipada (early voting) ou via correios (mail-in voting). 

O provável vencedor é anunciado em questão de dias após o pleito pela Associated Press.  Mas é apenas no dia 17 de dezembro que o Colégio Eleitoral apresenta seus votos, reunindo-se seus membros em cada um dos Estados.  No dia 6 de janeiro de 2025, os votos do Colégio Eleitoral serão contados em sessão conjunta do Congresso, em Washington, D.C., ocasião em que o Presidente do Senado (Vice-Presidente) anunciará formalmente o resultado das eleições.  E, em 20 de janeiro, ocorrerá a posse do novo Presidente eleito (Inauguration).

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1 Destaquem-se as chamadas Leis Jim Crow e as Grandfather clauses, adotadas após a 15ª Emenda pela Lousiana, Virginia, Mississippi, South Carolina e Alabama. Entre 1896 e 1901, o número de cidadãos negros com direito a obter o registro de eleitor caiu de 44.8% para 4%.  V. ACLU, Voting Rights Act: Major dates in history.  Disponível aqui.  Acesso em 25.11.2024

2 O que, aliás, em referência ao vernáculo, dá origem a outro falso cognato, sendo o termo “elector” reservado aos membros do Colégio Eleitoral, e a expressão “voters” utilizado para os cidadãos eleitores em geral.

3 48 Estados seguem o princípio do “winner takes all”, onde o voto popular majoritário faz com que os todos os votos do Colégio Eleitoral daquele estado sigam para o candidato vencedor, enquanto Maine e Nebraska dividem os votos do colégio eleitoral entre os vencedores pelo voto majoritário e pelo voto distrital.

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Colunista

Paulo M. Calazans, advogado especialista em Direito Público. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM/RJ. Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio. Membro da Comissão de Direito Aeronáutico e Aeroespacial da OAB/RJ e da European Air Law Association. Ex-professor da PUC-Rio. Organizador e palestrante em diversos congressos e seminários nas áreas de Direitos Humanos, Direito Constitucional e Direito Aeronáutico. Coautor do livro "Temas de Constitucionalismo e Democracia"; coautor em diversas coletâneas e autor de inúmeros artigos em periódicos jurídicos. Sócio do escritório Vinhas e Redenschi no Rio de Janeiro.