Migalhas Marítimas

Criação de turmas no Tribunal Marítimo

A criação de turmas agilizará a tramitação processual e fortalecer o duplo grau de jurisdição, garantindo maior eficiência e celeridade nas decisões.

20/3/2025

O Tribunal Marítimo é um órgão autônomo, vinculado ao Comando da Marinha do Brasil, que auxilia o Poder Judiciário com a função de julgar acidentes e fatos da navegação em águas brasileiras, que envolvam tripulantes nacionais ou embarcações de bandeira brasileira. As decisões desta Corte administrativa possuem valor de prova técnica e são alcançadas através de um julgamento colegiado realizado por um corpo técnico multidisciplinar composto por seis desembargadores com diferentes expertises, sob a presidência de um desembargador-presidente, que é vice-almirante da Marinha de guerra.

Em 18/5/21, foi promulgada a atual versão do RIPTM - Regimento Interno Processual do Tribunal Marítimo, que disciplina sobre a composição e competência desta Corte, bem como estabelece ritos processuais e o julgamento dos feitos da sua competência legal, além de fixar procedimentos administrativos pertinentes ao órgão.

Originalmente, essa versão do RIPTM determinava que os Inquéritos conduzidos pelas Capitanias dos Portos, delegacias e agências, após suas conclusões, deveriam ser distribuídos a um desembargador-relator e um desembargador-revisor, sendo julgados em sessão do Pleno, mediante decisão por maioria dos votos, com a presença de, no mínimo, cinco desembargadores, incluído o desembargador-presidente1.

Ocorre que, com o intuito de aprimorar a sua atuação e garantir maior eficiência na tramitação dos processos, o Tribunal Marítimo implementou uma importante alteração no RIPTM: a criação de duas turmas de julgamento. 

Segundo a resolução TM 65/24 de 19/12/24, cada turma será composta por três juízes. Os parágrafos 2º e 3º do art. 2-B dispõem que a primeira turma comportará um desembargador especializado em Direito Marítimo, um desembargador capitão de longo curso da marinha mercante brasileira e um desembargador do corpo de engenheiros e técnicos navais, subespecializado em máquinas ou casco. Já a segunda turma, será composta por um desembargador especializado em Direito Internacional Público, um desembargador especialista em armação de navios e navegação comercial e um desembargador do corpo de armada.

Diferentemente das sessões do Pleno, em que o desembargador-presidente detinha o voto de desempate “voto de minerva”, a nova resolução estabelece que a sua função é exclusivamente presidir as turmas, sem direito a voto. Na sua ausência, a presidência caberá ao desembargador mais antigo da turma2.

Segundo o art. 41-A3 da alteração procedimental, visando disciplinar as decisões das turmas, foi determinado que elas devem contar com a participação e o voto de todos os seus três integrantes. Caso haja três votos divergentes, o processo será remetido ao Pleno para nova votação.

Ademais, em complemento ao objetivo da criação das turmas de julgamento de acelerar a tramitação processual, aprimorar a organização dos julgamentos e proporcionar maior celeridade e eficácia na análise dos casos, essa mudança na regulamentação processual almejou também de fortalecer o duplo grau de jurisdição.

Isso porque, a resolução prevê, em seu art. 143-A4, a possibilidade de interposição de recurso ordinário direcionado ao Pleno contra acórdãos proferidos pelas turmas. Essa nova modalidade recursal implementada pelo Tribunal Marítimo possui uma hipótese de cabimento amplo, sendo possível o seu manejo sempre que a parte interessada discordar da valoração realizada pela turma.

Nesse ponto, importante rememorar que, antes da alteração regimental, em face de um acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo, seria apenas possível a oposição de embargos de declaração, caso houvesse omissão, obscuridade ou contradição na decisão, ou então de embargos infringentes, caso o v. acórdão não fosse unanime, ou se fossem identificadas provas ou fatos novos, que não foram apreciados pela decisão.

Ou seja, o único recurso com objetivo precípuo de reformar o acórdão tinha hipótese de cabimento restrito, não estando ao alcance de todos os representados, que não dispunham deste instrumento processual, caso fossem condenados à unanimidade e não houvesse fatos ou provas novas.

Assim, com a alteração implementada pela Corte Marítima, passou a ser garantido o duplo grau de jurisdição a todos os envolvidos em fatos e acidentes da navegação sem qualquer restrição ou condicionamento para o exercício desse direito de interpor recurso.

Mediante a interposição do novo recurso ordinário, os processos julgados pelas turmas serão levados à apreciação do Pleno, em que votarão também os três desembargadores que compõe a outra turma, possibilitando, assim, que seja reformada a decisão. Nessa modalidade de julgamento, o desembargador-presidente retorna à sua função histórica de proferir o voto de minerva, caso haja um empate no julgamento.

Em que pese essa relevante alteração no regimento interno processual do Tribunal Marítimo já tenha sido proferida no final do ano de 2024, ainda não era de conhecimento da comunidade marítima o momento em que começaria a ser aplicado esse novo rito de julgamento, bem como qual seria a regra de transição para a sua implementação.

Nesse sentido, no dia 27/2/25 sobreveio a portaria TM-MB 8, que regulamentou a resolução 65/24, e fixou, em seu art. 1º 5, que o novo rito de julgamento pelas turmas seria adotado em todos os processos eletrônicos que ainda estejam em secretaria aguardando julgamento ou apreciação de representação.

O supramencionado dispositivo normativo previu ainda que o julgamento desses casos em tramitação deveria ser realizado perante a turma integrada pelo desembargador-relator. Valendo-se destacar que o seu parágrafo primeiro6 excluiu desse rito de julgamento os recursos em andamento e os processos físicos, enquanto o parágrafo segundoexcluiu desta nova regra procedimental os processos que já estivessem pautados.

Nota-se, portanto, que se tratou de relevante alteração ao procedimento adotado pelo Tribunal Marítimo há muitos anos, com aplicabilidade imediata e que poderá representar uma relevante ferramenta para a gestão do acervo processual da Corte.

Portanto, tem-se que a criação das turmas de julgamento e as demais modificações promovidas pelo Tribunal Marítimo, buscaram não apenas promover mais celeridade e eficiência na tramitação processual, possibilitando uma gestão mais eficaz do acervo de casos em andamento, permitindo também o exercício de duplo grau de jurisdição mais consistente e eficaz, conquanto foi criado um recurso que tem hipótese de cabimento amplo.

 _________

1 Art. 41 RIPTM – As decisões do Tribunal serão tomadas por maioria simples de votos, desde que estejam presentes, no mínimo, cinco Juízes, incluído o Juiz-Presidente.

2 Art. 2º - B. As Turmas são constituídas de três Juízes, na forma deste artigo. [...] §4º Na ausência do Juiz-Presidente, a Turma será presidida pelo Juiz mais antigo que a compõe. 

3 Art. 41-A. As decisões das Turmas serão tomadas com a presença e voto de todos os seus componentes.

Parágrafo único. Quando houver 3 (três) votos divergentes, o processo será encaminhado ao Pleno, para nova votação.

4 “Art. 143-A. Dos Acórdãos prolatados pelas Turmas caberá Recurso Ordinário ao Pleno, para o reexame de toda a matéria.

Parágrafo único. Aplica-se ao Recurso Ordinário o previsto para os Embargos Infringentes, com exceção do art. 144.”

5 Art. 1º Determinar à Diretora-Geral da Secretaria que os processos eletrônicos que estejam em Secretaria aguardando julgamento ou apreciação de representação sejam incluídos em pauta observando a Turma a qual compõe o respectivo Juiz-Relator

6 §1º Os recursos em andamento e os processos físicos serão incluídos em pauta para julgamento pelo Pleno.

7  §2º O disposto no caput deste artigo não se aplica aos processos já pautados.

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Colunistas

Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.