Migalhas Marítimas

A remuneração da assistência e salvamento nos incêndios em terminais portuários

A assistência e o salvamento marítimo são cruciais no Direito, com foco em regras, riscos e remuneração justa, especialmente em incêndios portuários.

21/11/2024

A assistência e salvamento são conceitos fundamentais no Direito Marítimo e referem-se às operações realizadas para proteger e resgatar embarcações, vidas e bens em situações de perigo. Ambos os conceitos compartilham semelhanças, mas possuem diferenças substanciais em sua aplicação e regulação, sendo tratados de maneira específica por leis e convenções internacionais.

Conceitualmente, a assistência refere-se à ajuda oferecida a uma embarcação que enfrenta dificuldades, mas que ainda não está em situação de perigo iminente. A assistência pode envolver reparos técnicos, reboque ou qualquer outra forma de apoio necessário para garantir a segurança da embarcação e sua tripulação. O salvamento, por outro lado, refere-se a operações realizadas para resgatar uma embarcação, sua carga e/ou a vida dos tripulantes quando já estão em uma situação de perigo iminente, como naufrágios, colisões ou condições meteorológicas severas.

O conceito de salvamento é regulado pela Convenção Internacional de Salvamento de 1989 – Salvage Convention, que estabelece as bases legais e os princípios aplicáveis ao salvamento marítimo. Um dos aspectos mais importantes do salvamento é a garantia de que aqueles que realizam a operação de salvamento serão compensados financeiramente pelo risco e pelos custos envolvidos.

E é nesse aspecto da remuneração que residem muitas discussões e disputas, dada a dificuldade muitas vezes para se alcançar um acordo quanto ao montante devido, especialmente quando ausente uma tratativa anterior nesse sentido.

Além disso, qual o tratamento aplicável quando a hipótese não for de prestação de assistência ou salvamento a uma embarcação em perigo, como são os casos de incêndio em estruturas portuárias, por exemplo, mas que exigem o envolvimento de embarcações para a sua efetividade.

Dentre os diversos serviços essenciais à segurança e operabilidade de um porto temos os rebocadores, cuja atuação rápida e eficaz pode evitar perdas materiais e preservar a vida humana, a infraestrutura portuária e o meio ambiente. No caso da atuação dos rebocadores nas ações de combate a incêndios, dada a especificidade e os riscos envolvidos, a remuneração justa e adequada desses serviços se torna uma questão complexa.

Os rebocadores, como é sabido, são embarcações especializadas que desempenham um papel multifuncional, realizando desde manobras de atracação até operações complexas de salvamento. Em casos de incêndio, sua atuação é essencial para o combate às chamas, o afastamento de embarcações em risco das áreas críticas e auxiliar na contenção e na dispersão de produtos perigosos e evitar contaminações.

Além da sua importância operacional, a prontidão dos rebocadores é regulada por normas da autoridade marítima e da ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários, que estabelecem requisitos mínimos de segurança e eficiência.

A atuação em ações de assistência e salvamento é caracterizada pela complexidade e riscos envolvidos, o que justifica uma remuneração proporcional aos desafios enfrentados. A remuneração desses serviços deve considerar fatores como o valor do bem salvo, o grau de sucesso na operação, o nível de risco envolvido, o custo e a eficiência dos meios utilizados.

No Brasil, a remuneração dos serviços de salvamento segue as normas da lei 7.203/84, bem como as normas complementares estabelecidas pela ANTAQ, pela autoridade marítima, como também a Convenção Internacional sobre Salvamento Marítimo de 1989. A legislação reconhece o direito à remuneração dos serviços de salvamento, principalmente quando há risco iminente de prejuízo ambiental ou perda de vidas.

A aplicação de taxas específicas para cada operação de salvamento pode ser negociada previamente, mas, em muitos casos, é definida após o evento, com base em parâmetros como os custos operacionais incorridos pelo operador do rebocador, a urgência da resposta ao incidente e a disponibilidade de equipamentos adequados e equipes especializadas.

Para garantir uma remuneração justa e evitar disputas, é importante a existência cláusulas específicas sobre o tema nos contratos celebrados. Entre as disposições recomendadas estão cláusulas sobre a natureza e extensão dos serviços de salvamento, métodos para cálculo da remuneração baseados no valor do bem salvo e acordos para reembolso de despesas e compensação por desgaste de equipamentos.

Os contratos podem prever modelos de remuneração fixa para serviços de assistência, enquanto as operações de salvamento são geralmente remuneradas com base em percentuais variáveis do valor salvo, devido ao alto risco e à imprevisibilidade envolvida.

A prática internacional varia conforme a jurisdição e a legislação local. Nos EUA, por exemplo, o sistema “no cure, no pay” (sem cura, sem pagamento) ainda é amplamente utilizado, no qual o pagamento é garantido apenas se a operação for bem-sucedida. Em países europeus, o modelo de remuneração é mais flexível, permitindo compensações parciais para operações que, mesmo sem êxito total, tenham reduzido significativamente os danos.

Na prática, o modelo de “no cure, no pay” incentiva a eficiência, mas também pode representar um risco para o operador, que pode enfrentar perdas caso a operação falhe. Esse modelo também gera complexidade na negociação de contratos de rebocadores em operações de combate a incêndio, onde o sucesso pode depender de fatores alheios ao controle da tripulação.

A análise de jurisprudência é fundamental para entender como tribunais interpretam a remuneração em salvamento. No Brasil, casos de destaque incluem decisões em que os tribunais confirmaram a aplicação do percentual de salvamento sobre o valor dos bens resgatados, enfatizando o custo da operação e o risco envolvido.

Mais recente, em decorrência de um incêndio ocorrido em um terminal no Porto de Santos, sobreveio a sentença da Comarca de Santos/SP acerca da disputa entre a empresa de rebocadores e o referido terminal.

Na decisão, foram destacadas as disposições da lei 7.203/84, notadamente ao art. 8º que estabelece que todos os que estiverem prestando serviços de salvamento têm direito a remuneração, bem como o art. 10, que trata do quantum devido.

Outro ponto de destaque da sentença em referência, diz respeito a ponderação feita de que o caso ali não se caracteriza em salvamento marítimo clássico, com o afastamento da aplicação das disposições contidas na Convenção Internacional sobre Salvamento Marítimo de 1989, não sendo “ato para assistir um navio ou qualquer outro bem em perigo, em águas navegáveis ou quaisquer outras águas”, ressaltando que o diploma internacional define como “bem” uma propriedade que não se encontre ligada à costa.

Voltando às disposições do art. 10 da lei 7.203/84, versa o seu parágrafo primeiro que diante de um resultado útil, surge o direito a uma remuneração equitativa, que não poderá exceder o valor do bem salvo.

Para o cálculo da remuneração devida levou-se em consideração, principalmente, a perícia para avaliação da estrutura salva, descontando-se os custos para os reparos necessários à recuperação e o tempo de duração das ações de combate ao incêndio.

A remuneração dos serviços de rebocadores em salvamento de incêndios em terminais portuários envolve uma análise detalhada dos riscos, custos e valor dos bens resgatados, além de conformidade com convenções internacionais. É crucial que os contratos entre terminais e operadores de rebocadores prevejam cláusulas que regulamentem a remuneração e estipulem claramente os direitos e deveres das partes em situações de emergência.

Para promover maior segurança jurídica e operacional, o desenvolvimento de um marco regulatório específico e o incentivo a práticas contratuais padronizadas são medidas que podem auxiliar a reduzir litígios e garantir a justa remuneração dos envolvidos nas operações de combate como aquelas aqui analisadas neste ensaio, valorizando a essencialidade dos serviços para a segurança e sustentabilidade dos terminais portuários.

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Colunistas

Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.