Migalhas Marítimas

Súmula de jurisprudência do tribunal marítimo

A resolução-TM 64/24, que cria a súmula de jurisprudência no Tribunal Marítimo, promovendo segurança jurídica, eficiência e uniformidade nas decisões da Corte.

7/11/2024

O Tribunal Marítimo foi criado com o decreto 7.676, de 1945, e adquiriu autonomia através da lei 2.180, de 1954. Situado no Rio de Janeiro, esse tribunal exerce jurisdição em todo o território nacional e está vinculado ao comando da marinha.

Em síntese, o Tribunal Marítimo é considerado um órgão auxiliar do Poder Judiciário, cujas decisões possuem valor de prova técnica e são julgadas por um corpo técnico multidisciplinar, composto por juízes especializados em matérias relacionadas ao Direito Internacional, Direito Marítimo, ciências náuticas e navais. 

Assim, o Tribunal atua como um órgão administrativo responsável por julgar acidentes e fatos da navegação em todo o território brasileiro, com o objetivo de apurar a responsabilidade do agente envolvido no acidente, e aplicar penalidades aos responsáveis, visando prevenir futuros acidentes.

De acordo com o art. 121 da lei 2.180/54, o Tribunal Marítimo pode aplicar as seguintes penalidades aos responsáveis:

  1. Repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação ou ambas;
  2. Suspensão de pessoal marítimo;
  3. Interdição para o exercício de determinada função;
  4. Cancelamento da matrícula profissional e da carteira de amador;
  5. Proibição ou suspensão do tráfego da embarcação;
  6. Cancelamento do registro de armador;
  7. Multa, cumulativamente ou não, com qualquer das penas anteriores (os valores podem variar entre 11 e 543 UFIR)

Ultrapassado o breve introito, cabe aqui destacar que o Tribunal Marítimo possui seu próprio Regimento Interno Processual, o qual dispõe sobre a competência e composição desta corte, bem como “estabelece ritos para o processo e o julgamento dos feitos da sua competência legal, além de fixar procedimentos administrativos pertinentes ao próprio Tribunal1.

Recentemente, foi publicada a Resolução-TM 64/24, que altera o regimento interno processual do Tribunal Marítimo para incluir o capítulo XIV-A. Este capítulo prevê a elaboração de súmula de jurisprudência pela Corte Marítima, nos termos da seguinte redação:

 “DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA 

 Art. 167-A. A jurisprudência firmada pelo tribunal será compendiada na Súmula do Tribunal Marítimo.

 §1º A Súmula constituir-se-á de enunciados numerados, resumindo deliberações do Plenário do Tribunal Marítimo sobre matéria de sua competência.

 §2º A inclusão de enunciados na súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, serão deliberados em sessão plenária, por maioria absoluta.”

De acordo com esta Resolução, o objetivo é “conferir segurança jurídica às decisões do Tribunal Marítimo e resguardar a eficiência e a celeridade dos processos de julgamento de acidentes e fatos da navegação”.

De pronto, é importante destacar a divergência na relação entre os conceitos de precedente, jurisprudência e súmula no Brasil. Embora distintos, esses conceitos são interligados e, segundo Didier2, podem ser diferenciados da seguinte forma:

“(...) a súmula é o enunciado normativo (texto) da ratio decidendi (norma geral) de uma jurisprudência dominante, que é a reiteração de um precedente”.

No que tange ao conceito de precedente, Didier3 explica que “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento de casos análogos”.

Assim, o precedente possui a capacidade de produzir uma norma jurídica que pode ser aplicada a diversos casos análogos futuros, buscando uma maior previsibilidade na aplicação do direito e, consequentemente, um tratamento isonômico aos jurisdicionados, ou melhor, tratar de forma equivalente os casos semelhantes.

Já a jurisprudência, ela é formada por um conjunto de decisões concordantes proferidas pelos órgãos judiciários, que proporcionam uma interpretação constante e uniforme a uma mesma questão jurídica, referindo-se ao conjunto de decisões de um tribunal que se alinham em relação a uma mesma questão.

Enquanto a jurisprudência orienta os juristas a buscar um número significativo de julgados que sustentem suas teses jurídicas, o precedente delimita os debates e argumentos enfrentados em um caso concreto para chegar a uma determinada tese jurídica.

Por outro lado, a súmula serve para veicular o resumo, editado, numerado e sintético de teses componentes da jurisprudência específica sobre uma matéria que foi objeto de considerável discussão pretérita.

Ressalta-se que, o art. 926 do CPC de 2015 estabelece que os tribunais devem observar e se vincular às particularidades fáticas dos casos para formação de enunciados de súmulas de jurisprudência, visando a previsibilidade dos julgamentos em casos semelhantes, promovendo valores e princípios constitucionais e garantindo a isonomia entre os litigantes que se encontrem em situações análogas a casos que possuem um entendimento consolidado.

Nesse contexto, acredita-se que, o instrumento jurídico das súmulas, já amplamente adotado nas cortes judiciais, desempenhará uma importante função de uniformização de entendimento para os julgamentos emanados pelo Tribunal Marítimo, trazendo mais isonomia e transparência nos julgados da Corte Marítima, que possui papel importantíssimo dentro da ordem jurídica nacional, sem desconsiderar as particularidades de cada caso.



1 Regimento Interno Processual do Tribunal Marítimo. Disponível aqui.

2 DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paulo Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Salvador: Ed. Jus Podivum, 2015, v.2. p.445. 6 TUCCI, José Rogério Cruz e. O Precedente judicial com fonte do Direito. São Paulo: RT,2004. p. 461-462.

3 DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, op. cit., p. 306-307.

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Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.