Migalhas Marítimas

Tribunal Marítimo – 90 anos de singradura

Ralph Dias da Silveira Costa

O Brasil tem uma história marítima marcante, desde a colonização até hoje, com extenso litoral e vastas hidrovias. O Tribunal Marítimo foi estabelecido após incidente com o navio Baden, em 1930, reforçando a importância legal e técnica na gestão dos assuntos marítimos nacionais.

5/7/2024

1. Introdução

O Brasil é uma nação com vocação marítima. Pelo mar fomos descobertos, nos tornamos a sede da coroa portuguesa, consolidamos nossa independência, participamos de duas Guerras Mundiais e exercemos a nossa soberania.

Nosso país possui um vasto litoral e mais de 15.000 km de hidrovias navegáveis, pelos quais trafegam milhares de embarcações. Cerca de 95% do comércio exterior brasileiro é realizado pelo modal marítimo. Aliam-se a estes fatos, as características geográficas e a oceanopolítica, que apontam para a forte relação do país com o mar. Ainda nesta toada, vale mencionar a Amazônia Azul, expressão cunhada para denominar a área que corresponde a aproximadamente 3,6 milhões de quilômetros quadrados, que contém riquezas e representa oportunidades para o desenvolvimento econômico e sustentável do país.

2. A Gênese do Tribunal Marítimo: O caso do Navio Alemão Baden

Em 24/10/30, o navio de bandeira alemã Baden, que estava atracado no porto do Rio de Janeiro, suspendeu sem autorização do Capitão dos Portos com destino à cidade de Buenos Aires. As fortalezas que protegiam a entrada da baía de Guanabara do Distrito Federal1 foram convocadas para avisar o navio que regressasse ao porto, o que foi cumprido por tentativas de comunicação, utilizando sinais e por tiros de advertência. Infelizmente, um petardo acertou o mastro do Baden que caiu sobre o convés, resultando na morte de 22 pessoas e ferindo outras 55 a bordo. O navio teve que retornar ao porto do Rio de Janeiro. Como o Brasil não possuía um órgão especializado em Direito Marítimo e sendo o navio de bandeira alemã, o caso foi julgado pelo Tribunal de Hamburgo, o que chocou a sociedade brasileira e aqueceu o debate para a criação de um Tribunal com conhecimento técnico e especializado em assuntos marítimos. Assim, em 5/7/34, foi aprovado o decreto 24.585/34, instituindo o Tribunal Marítimo na capital dos Estados Unidos do Brasil.2

3. Composição e Competência da Corte

O Tribunal Marítimo é regido pela lei 2.180/54, que o estabelece como um órgão autônomo, vinculado ao ministério da Defesa, por meio da Marinha do Brasil, auxiliar do Poder Judiciário. Tem como atribuições o julgamento dos acidentes e fatos da navegação e a manutenção do Registro de Embarcações da Propriedade Marítima.

A composição do Colegiado Técnico Multidisciplinar é estipulada com sete juízes, a saber: Um Juiz-Presidente, Oficial General do Corpo da Armada da MB; dois Juízes Militares, um Capitão de Mar e Guerra ou Capitão de Fragata do Corpo da Armada, e um Capitão de Mar e Guerra ou Capitão de Fragata do Corpo de Engenheiros Navais; e quatro Juízes Civis, sendo dois bacharéis em Direito, um especializado em Direito Marítimo e outro em Direito Internacional Público, um especialista em armação de navios e navegação comercial e um Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante.

Neste ponto, ressalta-se a atuação da PEM - Procuradoria Especial da Marinha nos processos do Tribunal Marítimo, órgão subordinado ao Comandante da Marinha, responsável por promover a acusação e oficiar como fiscal da lei. Além da atuação da PEM, está prevista a participação obrigatória dos advogados para a apresentação do contraditório e sustentar a ampla defesa dos acusados.

A jurisdição do Tribunal abrange as embarcações mercantes de todas as nacionalidades, quando em águas brasileiras, e as de bandeira brasileira, em alto-mar ou mesmo em águas sob jurisdição de outro país. A jurisdição também se estende aos aquaviários brasileiros e marítimos estrangeiros em Águas Jurisdicionais Brasileiras, os estaleiros, os proprietários e os armadores, enfim a “Gente do mar” e a “Gente do porto”.

4. Os processos Sobre Acidentes ou Fatos da Navegação: Segurança da Navegação e Tutela do Meio Ambiente Hídrico 

Nos julgamentos dos acidentes e fatos da navegação, cabe ao Tribunal definir sua natureza e determinar as causas, circunstâncias e extensão, bem como indicar os responsáveis, aplicar as penas previstas na lei, que incluem multas, cancelamento da matrícula do aquaviário e do certificado de armador, e propor medidas preventivas e de segurança da navegação, como forma de prevenir eventos semelhantes.

5. Registro da Propriedade Marítima

Outra importante atribuição da Corte do Mar é manter o Registro da Propriedade Marítima que tem por objeto estabelecer a nacionalidade, validade, segurança e publicidade da propriedade de embarcações. O Tribunal também efetua o Registro de Armador - a quem se atribui a operação das embarcações - e o registro dos ônus incidentes sobre a propriedade, como por exemplo, as hipotecas. Incluem-se, ainda, o Registro Especial Brasileiro e o Pré-registro Especial Brasileiro. Estes constituem importantes incentivos aos empreendedores e armadores, conferindo benefícios para navios arvorando a bandeira brasileira e para construção e manutenção de embarcações em estaleiros brasileiros.

6. Conclusão

Ao longo de seus 90 anos de existência, o Tribunal Marítimo vem provendo segurança jurídica aos trabalhadores do mar e do porto nos aspectos dos acidentes e fatos da navegação, bem como aos empreendedores e empresários na manutenção do registro de propriedade.

As perspectivas para o futuro mostram que a atuação da Corte Marítima brasileira continuará sendo imprescindível, pois o tráfego marítimo está em ascensão, sendo diretamente proporcional ao desenvolvimento e ao progresso do Brasil.

Tribunal Marítimo, justiça e segurança da navegação!

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1 A capital do país, na época, era a cidade do Rio de Janeiro.

2 A denominação oficial do Brasil, à época. Atualmente é República Federativa do Brasil.

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Colunistas

Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.