1. Introdução
O Brasil é uma nação com vocação marítima. Pelo mar fomos descobertos, nos tornamos a sede da coroa portuguesa, consolidamos nossa independência, participamos de duas Guerras Mundiais e exercemos a nossa soberania.
Nosso país possui um vasto litoral e mais de 15.000 km de hidrovias navegáveis, pelos quais trafegam milhares de embarcações. Cerca de 95% do comércio exterior brasileiro é realizado pelo modal marítimo. Aliam-se a estes fatos, as características geográficas e a oceanopolítica, que apontam para a forte relação do país com o mar. Ainda nesta toada, vale mencionar a Amazônia Azul, expressão cunhada para denominar a área que corresponde a aproximadamente 3,6 milhões de quilômetros quadrados, que contém riquezas e representa oportunidades para o desenvolvimento econômico e sustentável do país.
2. A Gênese do Tribunal Marítimo: O caso do Navio Alemão Baden
Em 24/10/30, o navio de bandeira alemã Baden, que estava atracado no porto do Rio de Janeiro, suspendeu sem autorização do Capitão dos Portos com destino à cidade de Buenos Aires. As fortalezas que protegiam a entrada da baía de Guanabara do Distrito Federal1 foram convocadas para avisar o navio que regressasse ao porto, o que foi cumprido por tentativas de comunicação, utilizando sinais e por tiros de advertência. Infelizmente, um petardo acertou o mastro do Baden que caiu sobre o convés, resultando na morte de 22 pessoas e ferindo outras 55 a bordo. O navio teve que retornar ao porto do Rio de Janeiro. Como o Brasil não possuía um órgão especializado em Direito Marítimo e sendo o navio de bandeira alemã, o caso foi julgado pelo Tribunal de Hamburgo, o que chocou a sociedade brasileira e aqueceu o debate para a criação de um Tribunal com conhecimento técnico e especializado em assuntos marítimos. Assim, em 5/7/34, foi aprovado o decreto 24.585/34, instituindo o Tribunal Marítimo na capital dos Estados Unidos do Brasil.2
3. Composição e Competência da Corte
O Tribunal Marítimo é regido pela lei 2.180/54, que o estabelece como um órgão autônomo, vinculado ao ministério da Defesa, por meio da Marinha do Brasil, auxiliar do Poder Judiciário. Tem como atribuições o julgamento dos acidentes e fatos da navegação e a manutenção do Registro de Embarcações da Propriedade Marítima.
A composição do Colegiado Técnico Multidisciplinar é estipulada com sete juízes, a saber: Um Juiz-Presidente, Oficial General do Corpo da Armada da MB; dois Juízes Militares, um Capitão de Mar e Guerra ou Capitão de Fragata do Corpo da Armada, e um Capitão de Mar e Guerra ou Capitão de Fragata do Corpo de Engenheiros Navais; e quatro Juízes Civis, sendo dois bacharéis em Direito, um especializado em Direito Marítimo e outro em Direito Internacional Público, um especialista em armação de navios e navegação comercial e um Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante.
Neste ponto, ressalta-se a atuação da PEM - Procuradoria Especial da Marinha nos processos do Tribunal Marítimo, órgão subordinado ao Comandante da Marinha, responsável por promover a acusação e oficiar como fiscal da lei. Além da atuação da PEM, está prevista a participação obrigatória dos advogados para a apresentação do contraditório e sustentar a ampla defesa dos acusados.
A jurisdição do Tribunal abrange as embarcações mercantes de todas as nacionalidades, quando em águas brasileiras, e as de bandeira brasileira, em alto-mar ou mesmo em águas sob jurisdição de outro país. A jurisdição também se estende aos aquaviários brasileiros e marítimos estrangeiros em Águas Jurisdicionais Brasileiras, os estaleiros, os proprietários e os armadores, enfim a “Gente do mar” e a “Gente do porto”.
4. Os processos Sobre Acidentes ou Fatos da Navegação: Segurança da Navegação e Tutela do Meio Ambiente Hídrico
Nos julgamentos dos acidentes e fatos da navegação, cabe ao Tribunal definir sua natureza e determinar as causas, circunstâncias e extensão, bem como indicar os responsáveis, aplicar as penas previstas na lei, que incluem multas, cancelamento da matrícula do aquaviário e do certificado de armador, e propor medidas preventivas e de segurança da navegação, como forma de prevenir eventos semelhantes.
5. Registro da Propriedade Marítima
Outra importante atribuição da Corte do Mar é manter o Registro da Propriedade Marítima que tem por objeto estabelecer a nacionalidade, validade, segurança e publicidade da propriedade de embarcações. O Tribunal também efetua o Registro de Armador - a quem se atribui a operação das embarcações - e o registro dos ônus incidentes sobre a propriedade, como por exemplo, as hipotecas. Incluem-se, ainda, o Registro Especial Brasileiro e o Pré-registro Especial Brasileiro. Estes constituem importantes incentivos aos empreendedores e armadores, conferindo benefícios para navios arvorando a bandeira brasileira e para construção e manutenção de embarcações em estaleiros brasileiros.
6. Conclusão
Ao longo de seus 90 anos de existência, o Tribunal Marítimo vem provendo segurança jurídica aos trabalhadores do mar e do porto nos aspectos dos acidentes e fatos da navegação, bem como aos empreendedores e empresários na manutenção do registro de propriedade.
As perspectivas para o futuro mostram que a atuação da Corte Marítima brasileira continuará sendo imprescindível, pois o tráfego marítimo está em ascensão, sendo diretamente proporcional ao desenvolvimento e ao progresso do Brasil.
“Tribunal Marítimo, justiça e segurança da navegação!”
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1 A capital do país, na época, era a cidade do Rio de Janeiro.
2 A denominação oficial do Brasil, à época. Atualmente é República Federativa do Brasil.