Migalhas Marítimas

Adicional de frete para renovação da marinha mercante e suas premissas

Leticia Horn

Em 2023, AFRMM arrecadou mais de R$3 bi, financiando a marinha mercante e indústria naval. Sua relevância no setor marítimo é pouco discutida.

25/4/2024

Em 2023, foram arrecadados mais de 3 bilhões de reais a título de AFRMM - Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante, instituído pelo art. 1º do decreto lei 2.404/87. Sendo uma contribuição/tributo de intervenção no domínio econômico ("CIDE") destinada a atender aos encargos da intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da Marinha Mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileira, constituindo fonte básica do FMM - Fundo da Marinha Mercante.

Apesar de ser uma contribuição que está presente na rotina da navegação do Brasil desde 1987, ainda assim, pouco se fala de sua relevância para o setor marítimo. 

E para entender a sua aplicabilidade, precisamos planear suas premissas. 

Com o advento da lei 10.893/04 que regulamentou o AFRMM, estabeleceu-se através dos arts. 4 e 10 da mencionada norma que referida contribuição incide sobre o frete pago pelo transporte aquaviário de cargas e que tem como fato gerador "o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro", devendo ser pago pelo consignatário da carga, sendo que o produto da arrecadação, a depender do tipo de navegação contratada (fluvial, lacustre, navegação de cabotagem ou longo curso), é depositada em um fundo (FMM) ou creditado diretamente em conta vinculada das empresas brasileiras de navegação ou em conta especial.

"Art. 4º da lei 10.893/04 - O fato gerador do AFRMM é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro".

"Art. 10 da lei 10.893/04 - O contribuinte do AFRMM é o consignatário constante do conhecimento de embarque".

Referente à alíquota do tributo, esta depende da categoria do transporte, conforme observamos abaixo:

Essa alíquota é arrecadada sobre o valor total do frete aquaviário, ou seja, do conhecimento de embarque ou Bill of Landing, sendo este composto não só pelo valor do frete do armador, mas também pelas taxas extras referentes aos serviços que complementam a atividade principal, por exemplo, a taxa de movimentação do THC - contêiner no terminal portuário, entre outras.

Isso significa que o AFRMM também está relacionado às taxas portuárias e, por tal fato, é salutar a análise e precaução nas alterações regulamentares, para que não gere impactos na arrecadação do AFRMM.

Nesse cenário, precisamos entender as peculiaridades da arrecadação do AFRMM: A "não incidência" e a "isenção". É importante esclarecer a diferença da não incidência do AFRMM e da isenção do AFRMM, uma vez que a primeira garante ao beneficiário o ressarcimento dos valores que seriam pagos pelo consignatário e na segunda não há ressarcimento, dado que o tributo não é devido.

Da não incidência.

Em suma, para desenvolver economicamente e trazer igualdade comercial para regiões Norte e Nordeste do país, o Governo instituiu a "não incidência", ou seja, não há pagamento por parte do consignatário da carga sobre as mercadorias que tenham origem ou destino no porto localizado nestas regiões para navegações de cabotagem, interior fluvial e lacustre. Esse benefício está previsto na lei 9.432/97, conforme descrito abaixo e permanecerá vigente até a data de 7/1/27.

"Lei 9.432/97

Art. 17. Por um prazo de dez anos, contado a partir da data da vigência desta Lei, não incidirá o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante-AFRMM sobre as mercadorias cuja origem ou cujo destino final seja porto localizado na Região Norte ou Nordeste do País".   

"Lei 14.301/22

Art. 24. O prazo previsto no art. 17 da lei 9.432, de 8 de janeiro de 1997, fica prorrogado até 8 de janeiro de 2027, nas navegações de cabotagem, interior fluvial e lacustre, desde que a origem ou destino seja porto localizado na região Norte ou Nordeste do país".

Nesse sentido, do ponto de vista de utilização do tributo, mesmo que o consignatário da carga não precise efetuar o pagamento do AFRMM, as empresas brasileiras de navegação poderão restituir o valor devido do AFRMM relacionado ao transporte realizado, via processo administrativo que, atualmente, compete à Receita Federal do Brasil.

Da isenção

Existem também alguns casos que possuem isenção do tributo, conforme previsto no art. 14 da lei 10.893/04, como, por exemplo:

Contextualizada a arrecadação desse tributo, podemos seguir para a segunda etapa deste estudo, passando à análise dos benefícios trazidos com a utilização do AFRMM. Atualmente, a arrecadação do AFRMM é destinada ao FMM e, conforme dito anteriormente, tem por finalidade o desenvolvimento do setor marítimo no país, o que de fato ainda precisa de incentivo e investimento para trazer competitividade ao mercado marítimo frente a outros modais.

E como o AFRMM fomenta o setor? Toda destinação e utilização do produto arrecadado pelo AFRMM possui previsão legal e é taxativo quanto ao percentual que deve ser destinado a cada projeto. Em resumo, os principais programas de incentivo são:

Além disso, para as empresas brasileiras de navegação e estaleiros/terminais brasileiros, existe a possibilidade de ressarcimento de custos através do AFRMM. Ou seja, após a arrecadação, o valor do AFRMM fica em uma conta vinculada e a empresa brasileira de navegação pode utilizar o valor para casos específicos, os quais são:

Nesses casos, as empresas brasileiras de navegação podem utilizar o AFRMM mediante solicitação de reembolso das despesas de manutenção, reparo e modernização das embarcações de sua frota, diminuindo o custo do transporte. Assim, evidente que o tributo é um diferencial colossal para o setor marítimo brasileiro,além de fomentar a indústria naval, uma vez que, para a  solicitação de reembolso, é imprescindível que o reparo seja prestado por uma empresa brasileira, observados outros requisitos.

É incontestável as inúmeras vantagens que a cabotagem traz para o país, em virtude de ser uma modalidade de transporte sustentável, menos poluente, mais segura, com um índice de sinistros reduzido e, claro, de custo baixo para o transporte de longas distâncias, sendo um importante modal para o abastecimento de regiões e escoamento de produtos pelo país.

Por tais motivos, para considerar o desenvolvimento da navegação brasileira, assim como a indústria de construção e reparação naval, é imprescindível refletir sobre a viabilização e a utilização dos recursos do AFRMM, a fim de garantir uma vantagem competitiva para o  setor marítimo, desenvolvendo mão de obra qualificada, fomentando o trabalho e oportunizando projetos, visando assim o fortalecimento e crescimento econômico do país.

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Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.