Migalhas Marítimas

O caso do submarino Titan e a regulamentação no Brasil

Pretende-se analisar a regulamentação sobre submersíveis tripulados no Brasil, abordando sucintamente as normas de salvaguarda nacionais em relação a buscas e salvamentos marítimos, que costumam ser empregadas nesses acidentes.

10/8/2023

Em 1912, o naufrágio do Titanic, o navio mais imponente da época e então considerado como "inafundável", foi um evento que marcou o começo de uma série de mudanças no que tange à regulamentação internacional da segurança marítima. De início, as questões relativas à segurança dos tripulantes e passageiros, como a obrigatoriedade de uma quantidade de coletes e botes salva-vidas superior ao número de pessoas a bordo, foram implementadas internacionalmente.

Posteriormente, em 1974, foi editada a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS), que em seguida sofreu sucessivos aprimoramentos. Além da SOLAS, as convenções internacionais que embasam esses compromissos incluem a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM, Jamaica 1982) e a Convenção Internacional de Busca e Salvamento Marítimo (Hamburgo, 1979).

O recente caso do submarino Titan, cujos tripulantes buscavam alcançar exatamente o naufrágio do Titanic, deu início a novas discussões relativas às normas aplicáveis a esse tipo de embarcação. No presente texto, pretende-se analisar brevemente a regulamentação sobre submersíveis tripulados no Brasil, abordando também sucintamente as normas de salvaguarda nacionais em relação a buscas e salvamentos marítimos, que costumam ser empregadas nesses acidentes.

Primeiramente, no âmbito militar, vale mencionar que, em 1914, o Brasil adquiriu seus três primeiros submarinos da classe Foca, projetados e construídos na Itália. Nos anos seguintes, o país adquiriu mais de vinte outros submarinos, possuindo, atualmente, cinco submarinos em operação. Em 2008, foi criado o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), por meio de parceria entre o Brasil e França, visando o desenvolvimento de submarinos convencionais e de propulsão nuclear, com objetivo de fortalecer a capacidade de monitoramento e ampliação da atuação do país em operações marítimas de defesa. Confira-se a foto do maior submarino brasileiro existente, o Tikuna S-34:

Submarino Tikuna(Imagem: Flickr | Marinha do Brasil)

Visando à construção de submarinos de guerra nucleares, no ano de 2020, foi editada a lei 13.976/2020, alterando dispositivos da lei 6.189/74, para dispor sobre a competência do Comando da Marinha para promover o licenciamento e a fiscalização dos meios navais e suas plantas nucleares embarcadas para propulsão e do transporte de combustível nuclear. Em 2021, essa lei foi revogada pela Lei nº 14.222/21, que criou a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), ampliando o controle e fiscalização do tema.

Fora do âmbito militar, as Normas da Autoridade Marítima (NORMAM) -- conjunto de regulamentos emitidos pela Marinha do Brasil para estabelecer normas e procedimentos relacionados à segurança da navegação, segurança operacional, salvaguarda da vida humana no mar e proteção do meio ambiente marinho – contêm previsões específicas sobre submersíveis tripulados para turismo/diversão, como se verifica da NORMAM 01, capítulo 14.

Vale notar inicialmente que, já nos primeiros itens da norma, datada de 2005, é afirmado que a "a operação de submersíveis tripulados para turismo/diversão é inteiramente nova, não se dispondo de larga experiência nessa atividade. Em decorrência, buscou-se reunir informações disponíveis em normas oficiais estrangeiras e em requisitos estabelecidos pelas Sociedades Classificadoras que, aliados à experiência adquirida pela Diretoria de Engenharia Naval na construção e na manutenção de submarinos militares, resultaram nestas Normas básicas."

Em seguida, a NORMAM estabelece diversos requisitos a serem observados em relação a tais embarcações, valendo destacar os seguintes:

Além disso, a norma também estabelece requisitos mais específicos em relação à segurança. Confira-se:

Apesar da existência dessas normas, a construção e desenvolvimento de submarinos tripulados para diversão ou turismo no Brasil ainda é muito rara, uma vez que tais embarcações, em razão do seu alto custo e complexidade, têm sido construídas por estaleiros e indústrias especializadas em parceria com as Marinhas e forças navais de outros países.

O lamentável acidente com o Titan, entretanto, acende um alerta quanto à necessidade de observância da regulação sobre o assunto. De fato, com o rápido avanço tecnológico, mostra-se também necessária a revisão e aprimoramento das normas existentes prevendo requisitos atualizados de segurança quanto a essas embarcações, bem como novos certificados e demais inspeções necessárias, a fim de, senão afastar completamente, reduzir os riscos de segurança inerentes a esses equipamentos e atividades exploratórias, sejam com fins comerciais ou turísticos.

Nos Estados Unidos, há também regras específicas para a operação de submersíveis dentro e fora dos portos e em águas dos EUA, como aquelas estabelecidas no Título 46 do "Código de Leis dos Estados Unidos", no "Navigation And Vessel Inspection Circular NO. 5-93", assim como no Capítulo 1, do Título 33, do "Code of Federal Regulations" e no "Federal Requirements and Safety Tips for Recreational Boats".

Mesmo assim, o diretor do filme Titanic, James Cameron, que é membro da pequena, mas unida comunidade de submersíveis ou indústria de veículos submarinos tripulados (MUV), defendeu, após o acidente com o Titan, a criação de regulações mais específicas e rígidas que exijam certificados de conformidade para operação e utilização dessas embarcações para fins turísticos. No entanto, para que tais regulações sejam eficazes, seria necessário também a aprovação e implementação em todos os países onde submarinos são operados, bem como em águas internacionais, de onde o Titan, como noticiado, foi lançado.

Já no âmbito das atividades de Busca e Salvamento (SAR) marítimo, conforme estabelecido em convenções internacionais das quais o país é signatário, a Marinha implementou e opera o Serviço de Busca e Salvamento Marítimo, que tem como objetivo responder a emergências relacionadas à salvaguarda da vida humana no mar, tanto em águas oceânicas quanto em vias navegáveis interiores.

O Serviço de Busca e Salvamento Marítimo do Brasil, então, segue as regras estabelecidas nessas convenções, regulamentadas pela Organização Marítima Internacional (IMO), incluindo (i) a operação do Sistema Marítimo Global de Socorro e Segurança (GMDSS), (ii) a divulgação de Informações de Segurança Marítima (MSI), o estabelecimento de uma Região de Busca e Salvamento (SRR), (iii) a existência de Centros de Coordenação SAR (MRCC/RCC) conforme necessário, (iv) a disponibilidade de meios adequados para atender a emergências SAR e (v) a organização de um Sistema de Informações de Navios.

Além disso, quando necessário, há coordenação com o Sistema de Busca e Salvamento Aeronáutico. Por exemplo, após o desaparecimento do voo AF447 em junho de 2009, foi iniciada uma operação de busca e resgate coordenada pelo SALVAMAR BRASIL (MRCC BRAZIL), com o emprego de navios de patrulha e resgate, além de aeronaves de busca e helicópteros, além de terem sido utilizados submarinos no processo de busca que perdurou mais de dois anos.

De modo geral, a supervisão das atividades do Serviço de Busca e Salvamento Marítimo é responsabilidade do SALVAMAR, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Devido às dimensões da SRR Marítimo do Brasil, ela foi dividida em sub-regiões sob a responsabilidade dos Centros de Coordenação SAR regionais. Confira abaixo:

Centros de Coordenação SAR regionais(Imagem: Divulgação | Marinha do Brasil)

Assim, em caso de perigo ou emergência, os marítimos que estiverem navegando nessas regiões têm a opção de solicitar ajuda utilizando os recursos do GMDSS disponíveis a bordo ou entrar em contato diretamente com o SALVAMAR BRASIL ou, dependendo de sua localização, com os respectivos Centros de Coordenação SAR regionais.

Em resumo, ao longo dos anos, a regulação internacional de segurança marítima passou por transformações significativas, impulsionadas por eventos trágicos, como o naufrágio do Titanic. A implementação da Convenção SOLAS e outras convenções internacionais resultou em melhorias na segurança dos tripulantes e passageiros, estabelecendo obrigações e normas para prevenir acidentes e proteger vidas no mar.

Acidentes como o ocorrido com o submarino Titan, profundamente lamentáveis e chocantes, conferem uma oportunidade e demandam que a regulação de segurança aplicável a embarcações especializadas, como submarinos tripulados, seja aprimorada, revista ou ampliada, visando diminuir ao máximo possível os riscos existentes em relação a equipamentos submarinos que, embora fascinantes sob o ponto de vista marítimo, são cada vez mais arrojados.

Referências 

Personal Submersibles Organization. "US Federal Government Submersible". Disponível aqui.

Marinha do Brasil. "Meios Navais". Disponível aqui.

Marinha do Brasil. "Convenção SOLAS". Disponível aqui.

Marinha do Brasil. "NORMAM – Normas da Autoridade Marítima". Disponível aqui.

Marinha do Brasil. "Salvamar". Disponível aqui.

Reuters. "Titanic sub: How is submersible tourism regulated and what’s next for industry?" Disponível aqui.

Curbed. Why Was OceanGate’s Titan Submarine So Unregulated? Disponível aqui.

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Colunistas

Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.