Migalhas Marítimas

O Tribunal Marítimo: surgimento, trajetória, aniversário

No último dia 5 de julho o Tribunal Marítimo celebrou 89 anos da sua criação. A data chama a oportunidade de algumas considerações.

20/7/2023

No último dia 5 de julho o Tribunal Marítimo celebrou 89 anos da sua criação. A data chama a oportunidade de algumas considerações.

Poucos tribunais administrativos no Brasil são assim longevos. Dentre os de sua espécie talvez os únicos que lhe superem a existência sejam os Tribunais de Contas ¾ o da União remontando sua instituição à Constituição de 1891, e, no âmbito estadual, o Tribunal de Contas de São Paulo, nascido em 1924.

Como frequentemente lembrado, a motivação para o estabelecimento de um Tribunal Marítimo no Brasil foi o trágico incidente com o navio "BADEN", no ano de 1930. A fagulha inicial no direito positivo para que o órgão viesse a ser criado se deu através do decreto 20.829/1931, sem, todavia, que o Tribunal fosse, de fato, desde logo instalado, suas atribuições definidas e respectivas atividades iniciadas. Foi afinal somente com o decreto 24.585 de 5 de julho de 1934, o qual criou o Regulamento do Tribunal Marítimo, que aconteceu o sopro a insuflar vida naquele corpo jurídico até então meramente abstrato, despido de força vital. Daí porque essa veio a ser a data de partida do aniversário que hoje celebramos.

E desde então o Tribunal Marítimo surgiu no quadro jurídico-institucional brasileiro como órgão administrativo especializado dedicado a duas funções centrais:

(i) ao inédito julgamento dos acidentes e fatos da navegação, com a determinação das suas causas, apuração das responsabilidades e imposição de penalidades em caso de condenação, e, simultaneamente;

(ii) ao registro da propriedade marítima, que era anteriormente conferido, pasme-se, a uma variedade completamente díspar e descentralizada de órgãos, a saber, pela ordem, primeiramente aos Arsenais de Marinha das capitais, depois às Capitanias dos Portos onde não houvesse arsenais, a seguir às Alfândegas e Mesas de Renda onde não existissem repartições das Capitanias, e, finalmente, às Delegacias do Tesouro na ausência de Capitanias e repartições aduaneiras.

Essa breve nota histórica ressalta, do ponto de vista jurídico, a absoluta inovação, a intensa transformação, introduzida no Direito brasileiro com o advento do Tribunal Marítimo. Uma mudança radical, criando, de um lado, atividade de polícia administrativa onde antes o Estado se fazia ausente, e, por outro, centralizando assentos que até então se mostravam dispersos e caóticos.

Só por isso a criação do Tribunal Marítimo já estaria plenamente justificada à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Mas, uma vez nascido, o Tribunal seguiu, como seria de se esperar, sua própria trajetória em função das competências que lhe foram legalmente designadas. Muito se tem escrito e falado, não sem interesse, sobre o Tribunal Marítimo sob a perspectiva de sua criação e atribuições. Mas, neste breve artigo, gostaríamos de propor uma perspectiva diferente, uma visão prospectiva da sua caminhada, falar das transformações pelas quais este órgão singular tem passado, porém enquanto plataforma para o seu futuro. Nota-se que frequentemente passam despercebidas à comunidade marítima sucessivas mudanças que vêm sendo introduzidas no Tribunal Marítimo, sem solução de continuidade, ao longo de diversas gestões, com o objetivo de conduzi-lo rumo à modernidade. Tais transformações nada obstante têm sido de significativa importância, merecendo destaque, sobretudo em data tão expressiva. Ilustrativamente, podem ser mencionados:

1) os anos e anos de seguidos cuidados com a estrutura quase bicentenária do prédio que abriga o Tribunal, com introdução de diversas adaptações e melhorias físicas necessárias, a citar a modernização das salas das audiências e de sessão plenária;

2) a instituição dos processos integralmente eletrônicos relativos a acidentes e fatos da navegação;

3) a realização de sessões e sustentações on-line, permitindo o fácil acesso aos julgamentos pelos administrados e seus advogados em todo o país;

4) a significativa ampliação do acervo da biblioteca do Tribunal Marítimo com a possibilidade de consultas também on-line;

5) a recente instituição de um plenário virtual para a mais célere apreciação da admissibilidade de representações;

6) e melhorias procedimentais internas refletindo-se em prazos menores pela Divisão de Registros para a prática de atos e de emissão de certidões.

Todas essas transformações, ressalte-se, sempre realizadas em prol da maior eficiência, celeridade e duração razoável dos procedimentos de competência legal do Tribunal. Em suma: mudanças a serviço da sociedade, traduzindo-se em desfrute de cidadania pelos administrados que vêm ao Tribunal Marítimo na busca do seu direito aos serviços públicos que a lei cometeu a esta Casa prestar aos brasileiros.

E como a roda da vida não para, novas mudanças se prenunciam num futuro já ao alcance da mão. Exemplificativamente, em breve sobrevirá a necessidade de regulamentação interna dos atos registrais cabíveis sob a nova política para a navegação, a BR do Mar. Ademais, espaço ainda existe para a introdução de tecnologia e modernização nos procedimentos na Divisão de Registro do Tribunal. E, de resto, avanços tecnológicos incessantes trazem, a todo o dia, os correspondentes desafios de sabermos utilizá-los de forma segura no âmbito jurídico-processual.

Portanto, em um balanço geral, como se pode constatar, a trajetória do Tribunal Marítimo tem sido virtuosa, infensa à inércia, estagnações ou equívocos de rota. Sua contínua evolução tem sido um trabalho voltado a que o futuro repita esse presente virtuoso com suas próprias marcas. Neste Brasil onde, na condição de cidadãos, tantos pleitos e reclamos ainda temos quanto ao funcionamento da Administração Pública em suas três esferas, constitui sem dúvida motivo de satisfação constatar o Tribunal Marítimo como parte integrante dos territórios verdadeiramente funcionais da coisa pública nacional. E que o Tribunal Marítimo siga em frente nessa trajetória meritória de vem adotando. Pois navegar é preciso.

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Colunistas

Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.