Migalhas Marítimas

Aspectos relevantes da regulação sobre plataformas flutuantes e FPSOs no Brasil

No presente texto, será objeto de análise como a Marinha do Brasil qualifica as plataformas flutuantes para fins de enquadramento da regulação, bem como quais as distinções entre as plataformas flutuantes de bandeira brasileira e as de bandeira estrangeira.

27/4/2023

Segundo os dados históricos, embora as primeiras tentativas de encontrar petróleo no Brasil remontem aos tempos imperiais, foi somente em 1897, mais precisamente no município de Bofete, Estado de São Paulo, que o primeiro poço de petróleo no país foi, enfim, perfurado. Embora os registros históricos indiquem que a perfuração tenha sido pouco exitosa, iniciou-se naquele momento uma jornada que ainda hoje se encontra em constante evolução.1

Nos anos vindouros, foram criados o Conselho Nacional do Petróleo, em 1938, a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), em 1953, e, passados mais alguns anos, em 1968, o primeiro projeto para extração de petróleo em águas profundas. No mesmo ano, tornou-se realidade também a primeira plataforma construída no Brasil, a Petrobras 1 (P-1), que iniciou as atividades de perfuração em Sergipe2. Confira-se uma fotografia dessa pioneira plataforma em águas brasileiras:

Plataforma elevatória P-1(Imagem: Banco de imagens da Petrobras)

Passados mais de 50 anos, o desenvolvimento e multiplicação dessas estruturas complexas trouxeram uma séria de questões técnicas, mas também jurídicas que merecem ser objeto de exame mais detalhado. Especificamente para o fim do presente estudo, existe uma grande discussão, nacional e internacional, quanto ao enquadramento das plataformas como embarcação, navio ou ilha artificial. O debate passa pela navegabilidade das plataformas e pela sua estrutura fixa ou móvel, categoria em que se encontram as plataformas flutuantes do tipo Floating Production Storage and Offloading (FPSO), o que gera diversas implicações jurídicas, especialmente regulatórias.

O Decreto nº 87.648/82 definia que “O termo ‘embarcação’, empregado neste Regulamento, abrange toda construção suscetível de se locomover na água, quaisquer que sejam suas características” (art. 10). Esse decreto, porém, foi revogado pelo Decreto nº 2.596/98, que não reproduziu a mesma definição. A Lei nº 9.537/97, que trata da segurança do tráfego aquaviário, trouxe um novo conceito de embarcação, que expressamente incluiu as plataformas flutuantes: “Embarcação – qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita à inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por seus meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas”. 

No presente texto, será objeto de análise como a Marinha do Brasil qualifica as plataformas flutuantes para fins de enquadramento da regulação, bem como quais as distinções entre as plataformas flutuantes de bandeira brasileira e as de bandeira estrangeira.

Primeiramente, destacam-se duas Normas da Autoridade Marítima (NORMAM), que dispõem sobre as plataformas móveis, distinguindo o tratamento dispensado pela Marinha às plataformas brasileiras (NORMAM-01) e às estrangeiras (NORMAM-04).

Na NORMAM-01, a Marinha tratou de incluir as plataformas flutuantes no conceito de embarcação3, exatamente em linha com o que dispõe a lei 9.537/1997. Por esse motivo, essas plataformas, assim como as demais embarcações brasileiras, estão sujeitas à inscrição nas Capitanias dos Portos (CP), Delegacias (DL) ou Agências (AG), o que gera a atribuição de nome à plataforma e do número de inscrição, que constarão no Título de Inscrição de Embarcação (TIE) emitido.

Adicionalmente, é necessário o registro da embarcação no Tribunal Marítimo4, a quem compete manter o registro geral de propriedade naval, nos termos da lei 2.180/1954. Esse registro tem por objetivo estabelecer a nacionalidade, validade, segurança e publicidade da propriedade da embarcação, e culmina com a expedição da Provisão de Registro de Propriedade Marítima (PRPM).

O prazo para a realização dos trâmites de inscrição e registro de embarcação brasileira é de quinze dias, a contar da data (i) do termo de entrega pelo construtor, quando construída no Brasil; (ii) de aquisição da embarcação ou do direito e ação, no caso de promessa de compra e venda; ou (iii) de sua chegada ao porto onde será registrada, quando adquirida ou construída no exterior.

Por outro lado, as plataformas estrangeiras estão sujeitas à regulação distinta, pois o registro da sua propriedade dever ser realizado no país da sua bandeira. Para que possa operar em águas jurisdicionais brasileiras (AJB), entretanto, a Marinha exige, por meio da NORMAM-04, que embarcações estrangeiras se inscrevam temporariamente perante a Autoridade Marítima. Para obter o Atestado de Inscrição Temporária (AIT), o armador, afretador ou representante legal da embarcação estrangeira deverá solicitar à DPC ou à CP/DL, antes da chegada da embarcação em AJB, a autorização para operar.

A emissão do AIT depende da realização de uma perícia técnica por peritos navais a bordo da embarcação para verificação de cumprimento à legislação brasileira e às convenções internacionais ratificadas pelo governo brasileiro. No caso de FPSOs estrangeiras, a validade da inscrição temporária está atrelada ao prazo da portaria de concessão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, ou ao prazo do contrato de afretamento da FPSO – o que tiver o menor prazo de validade.

Essas são as diferenças essenciais quanto à propriedade e registro das plataformas flutuantes brasileiras e estrangeiras perante a Marinha. Mas há também uma distinção quanto às declarações que são periodicamente emitidas pela Marinha ao longo da operação das plataformas no Brasil para atestar a regularidade e o cumprimento das normas aplicáveis – as chamadas Declarações de Conformidade.

Tanto a NORMAM-01 como a NORMAM-04 exigem que plataformas flutuantes, sejam brasileiras, sejam estrangeiras, se submetam à perícia técnica da Marinha para que seja verificado o cumprimento das normas vigentes sobre segurança da navegação, salvaguarda da vida humana no mar e prevenção da poluição no meio hídrico. Como resultado desse procedimento, será emitida a Declaração de Conformidade para Operação de Plataforma, sem a qual não pode operar regularmente. Esse documento possui a validade de um (1) ano, a contar da data da realização da perícia, e deve ser renovado mediante a realização de um novo exame pericial naval.

Há, ainda, uma segunda declaração que é exigida apenas de embarcações estrangeiras, chamada de Declaração de Conformidade para Operação em Águas Jurisdicionais Brasileiras. Essas embarcações devem se submeter à mesma perícia inicial exigida para emissão do AIT, mas a diferença é que a validade da Declaração de Conformidade para operação em AJB é de dois anos, sendo necessário, portanto, se submeter a uma nova perícia a cada biênio para renovação dessa declaração específica.

Além disso, não se pode descartar a possibilidade de os peritos navais encontrarem alguma deficiência no decorrer da perícia. Diante disso, tanto a NORMAM-01 quanto a NORMAM-04 estabelecem a figura da Declaração Provisória, tanto para Operação de Plataforma, como para Operação em AJB. A provisoriedade é caracterizada pela validade de noventa dias dessa declaração, período em que deverão ser corrigidas as deficiências apontadas pela perícia. A Declaração Provisória para Operação em AJB somente será emitida caso as deficiências apontadas não representem risco para a plataforma. Já quanto à Declaração Provisória para Operação de Plataforma, a Marinha ressalta que ela somente será emitida caso o risco apontado para a embarcação seja moderado.

Nos casos de avarias que exijam análises mais aprofundadas, a unidade não é autorizada a operar até que (i) seja emitido um parecer específico sobre a discrepância apontada por parte da Sociedade Classificadora e, em seguida, (ii) ocorra a análise do parecer pelo Capitão dos Portos ou Delego, que determinará a conveniência de se emitir o documento de autorização ou se determinar a correção dos problemas apontados. De todo modo, Sociedade Classificadora emitirá um relatório atestando a correção e saneamento das deficiências e/ou da confirmação a bordo pelo perito, para que, então, a operação seja liberada.

Caso uma declaração provisória seja emitida, a Marinha afixará à declaração as ações de monitoramento e controle que devem ser implementadas dentro do período de validade da declaração provisória, de noventa dias, com intuito de corrigir essas deficiências e possibilitar a emissão da Declaração de Conformidade para Operação de Plataforma com validade de um ano, ou da Declaração de Conformidade para Operação em AJB, com validade de dois anos.

Essas são as principais diferenças no que tange à fiscalização periódica da Marinha sobre plataformas brasileiras e estrangeiras. É importante frisar ainda que, para as plataformas estrangeiras, há três autorizações que precisam ser emitidas pela Marinha, independentes entre si e com períodos de validade distintos. Por mais que seja possível realizar uma única perícia inicial para emissão da AIT, da Declaração de Conformidade para Operação de Plataforma e da Declaração de Conformidade para Operação em AJB, todas necessárias para o início da operação da plataforma estrangeira em AJB, será necessário realizar uma nova perícia próxima a cada data de vencimento das declarações – com especial atenção à validade, relativamente curta, das declarações provisórias e a necessária correção das deficiências apontadas.

Por fim, um último aspecto de distinção diz respeito ao encerramento da operação das plataformas flutuantes brasileira e estrangeira. No caso de necessidade de permanência em AJB após o término da autorização de operação, a embarcação de bandeira estrangeira deverá solicitar à Marinha uma autorização específica, disciplinada pela NORMAM-04, que prevê as hipóteses em que embarcações estejam aguardando contrato comercial, em processo de mudança de bandeira, em reparos ou sub judice.

Outro procedimento, não expressamente indicado na NORMAM-04 e que pode demandar a permanência em AJB, é o descomissionamento da plataforma, que já foi objeto de estudo anterior nessa coluna5. A Marinha autorizará a permanência em AJB pelo prazo de noventa dias, suscetível à renovação sob avaliação da DPC. Como o controle e registro das embarcações brasileiras é feito por meio do Título de Inscrição de Embarcação (TIE) e da Provisão de Registro de Propriedade Marítima (PRPM), e não por inscrição temporária, não é necessário que se requeira uma autorização específica para permanência em AJB após o término da operação.

Em resumo, o que se verifica é que, por mais que possa existir uma certa insegurança jurídica nacional e internacional quanto à natureza das plataformas flutuantes, não há, perante a Marinha do Brasil, discussão quanto à classificação de plataformas flutuantes como embarcação para fins regulatórios, em linha com a legislação vigente sobre segurança de tráfego aquaviário (Lei nº 9.537/97). Já as diferenças tratadas neste artigo quanto à regulação das plataformas pela Marinha do Brasil decorrem da bandeira da embarcação, se brasileira ou estrangeira, o que implica em diferentes regras para o registro e operação de plataformas flutuantes no Brasil, que precisam ser atentamente observadas para que se tenha segurança jurídica nessas operações que, geralmente, envolvem investimentos e riscos bastante elevados.

Referências

ARLOTA, Alexandre Sales Cabral. CARDOSO; Camila Mendes Vianna. A Natureza Jurídica Das Plataformas Marítimas Petrolíferas – Um Estudo Da Indústria Offshore. Revista Brasileira de Direito do Petróleo, Gás e Energia. Rio de Janeiro, v. 4, p. 23 – 36, 2013.

SCARANELLO, Tatiana. Plataforma de petróleo e sua natureza jurídica definida como navio – Oil rig and its legal set to ship. Meu Site Jurídico – Editora JusPodivm. Disponível aqui.

__________

1 ALESP. “Petrobras: 50 anos de história”. Disponível aqui.

Disponível aqui.

3 “Embarcação - qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita à inscrição na Autoridade Marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas” (grifos nossos - NORMAM-01/DPC). Disponível aqui. Acesso em 14.04.2023.

4 Essa obrigação é imposta a toda embarcação com arqueação bruta superior à 100, nos termos da NORMAM-01, item 0201.

Disponível aqui.

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Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.