Migalhas Marítimas

As novas cláusulas BIMCO para redução das emissões de gases de efeito estufa pela navegação internacional para o atingimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU

Não obstante, novos combustíveis serão cruciais para descarbonizar o setor marítimo.

30/3/2023

Em 1º de novembro de 2022 entraram em vigor as emendas à Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (“MARPOL”) Anexo VI, as quais foram acordadas e definidas, em 2018, com pela Organização Marítima Internacional (“IMO”) no âmbito da Estratégia Inicial sobre a Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa ("GEE"), por meio de emendas técnicas e operacionais, que requerem sejam promovidas medidas de otimização das embarcações no que tange à eficiência energética no curto prazo e, consequentemente, atingindo a redução de suas emissões de GEE1. Tal providência tem como finalidade inserir medidas para promover a redução das emissões de gases pela navegação internacional para o atingimento dos principais objetivos de desenvolvimento sustentável (“ODS”) emitidas pela ONU, em especial, as ODS 13, que versa sobre as ações contra a mudança climática.

Cumpre mencionar que a IMO é agência especializada das Organização das Nações Unidas ("ONU") responsável pela regulamentação do transporte marítimo, atuante na regulamentação dos padrões de proteção e segurança para esse modal com papel fundamental na prevenção da poluição dos oceanos causada por embarcações.

A introdução de EEXI, Energy Efficiency Existing Shipping Index, e CII, Carbon Intensity Indicator, obrigatórios, ocorre no âmbito da Estratégia Inicial da IMO para Redução de Emissões de GEE de Navios, adotada em 2018, a qual definiu medidas de curto, médio e longo prazo, com intuito de reduzir a intensidade de carbono do transporte marítimo internacional em 40% (quarenta por cento) até 2030, em comparação com 2008. As medidas EEXI e CII estão enquadradas dentre as propostas de curto prazo da Estratégia.

Cabe salientar que as alterações do Anexo VI da MARPOL foram aprovadas por meio de um Protocolo de 1997, sendo certo que as emendas desde então foram adotadas sob o processo de "aceitação tácita", exceto se número específico de Partes se oponha. Atualmente, o Anexo VI da MARPOL tem 105 Partes, representando 96,81% da frota mercante mundial por tonelagem.2

De acordo com o Regulamento 1 do Anexo VI da MARPOL, as disposições de tal Anexo devem ser aplicadas a todos os navios, exceto quando expressamente disposto em contrário3. Por sua vez, os regulamentos sobre a intensidade de carbono do transporte marítimo internacional no Capítulo 4 do Anexo VI da MARPOL se aplicam a todos os navios com arqueação bruta igual ou superior a 400 toneladas.

Contudo, cabe salientar que as disposições do Capítulo 4 não se aplicam a navios engajados exclusivamente em viagens em águas sujeitas à soberania ou jurisdição do Estado cuja bandeira o navio está autorizado a arvorar. Contudo, cada Estado Parte da MARPOL deve assegurar, por meio da adoção de medidas que entender cabíveis e na medida do possível e razoável, que tais navios sejam construídos e funcionem de maneira compatível com os requisitos do referido Capítulo 44.

Enquanto o EEXI, de modo geral, se aplica a navios de arqueação bruta igual ou superior a 400 toneladas, o CII se aplica a navios de arqueação bruta igual ou superior 5.000 toneladas. Note que as embarcações com arqueação bruta igual ou superior a 400 toneladas deverão ser inspecionadas e, posteriormente, emitidos os respectivos certificados5.

Nesse sentido, a partir de 1º de janeiro de 2023, passou a ser mandatório para as embarcações com arqueação bruta referida acima para, seja elas empregadas no transporte de passageiros ou de cargas, calcular seu Índice de Eficiência Energética Existente ("EEXI") para verificar sua eficiência energética e, assim, dar início à coleta de dados para emissão de relatório de Indicador Operacional Anual de Intensidade de Carbono ("CII") e verificação de Classificação CII ("CII rating)".

O EEXI é uma medida técnica para alcançar a eficiência energética com base no projeto de um navio. Sua fórmula relaciona a quantidade de emissões de CO2 do projeto do navio com a sua capacidade de transporte e a velocidade de serviço.

O processo de cálculo e verificação de eficiência energética da embarcação funciona da seguinte forma: obtido o EEXI do navio, este será comparado com um Índice de Navio Existente de Eficiência Energética exigido com base em um fator de redução aplicável expresso como uma porcentagem em relação à linha de base do Índice de Projeto de Eficiência Energética ("EEDI"). O valor de EEXI obtido, calculado para cada navio individual, deve estar abaixo do EEXI exigido, garantindo, assim, o atendimento a um padrão mínimo de eficiência energética.

Por seu turno, o CII mede a eficiência com que uma embarcação com arqueação bruta superior a 5.000 toneladas que transporta mercadorias ou passageiros e é dado em gramas de CO2 emitido por capacidade de transporte de carga e distância navegada. A unidade CII é "gramas de CO2 emitidos por capacidade de transporte de carga e milha náutica", em que a capacidade de carga é porte bruto ou toneladas brutas, dependendo do tipo de navio.

O procedimento de cálculo e verificação de CII, envolve, inicialmente, o cômputo e documentação do CII Operacional Anual real, para que este seja comparado com o CII Operacional Anual exigido, o qual determina o fator de redução anual necessário para garantir a melhoria contínua da intensidade de carbono operacional de um navio dentro de um nível de classificação específico. Isso permite que a classificação operacional de intensidade de carbono seja determinada.

Portanto, o primeiro relatório anual de CII será concluído em 2023 e deverá ser entregue até 31 de março de 2024, com classificações CII iniciais fornecidas em 2024, devendo ter sido calculadas duas classificações: (i) EEXI alcançado para determinar sua energia eficiência e (ii) seu CII Anual e respectiva Classificação CII. Tais valores deverão ser calculados para navios de arqueação bruta igual ou superior a 400 toneladas, de acordo com os diferentes valores estabelecidos para tipos de embarcações e categorias.

Consequentemente, com base no CII de um navio, o nível de performance é classificado como A (major superior), B (minor superior), C (moderate), D (minor inferior) ou E (inferior) (onde A é o melhor), indicando nível de desempenho da embarcação. Tal nível de desempenho deverá ser registrado em uma "Declaração de Conformidade" a ser aprofundada no Plano de Gerenciamento de Eficiência Energética do Navio ("SEEMP").

Deste modo, um navio classificado como nível D por 3 (três) anos consecutivos, ou E por 1 (um) ano, terá o dever de apresentar um plano de ação corretiva para mostrar como o índice exigido de C ou superior a este será alcançado.

Quanto à diferença entre EEXI e CII, destaca-se que o EEXI é uma certificação única equivalente ao EEDI (Energy Efficiency Design Index) referente aos parâmetros de projeto das embarcações, ao passo que o CII é indicador operacional anual, a ser avaliado a partir de 2023, com limites de emissão anuais mais rígidos. Apesar de o EEXI e o CII serem aplicáveis aos mesmos tipos de navios, as Classificações CII serão aplicadas a navios com arqueação bruta igual ou superior a 5.000 toneladas, independentemente do tipo de propulsão.

Como medidas possíveis para a redução da emissão de carbono por embarcações que utilizam combustível fóssil, a IMO aponta as seguintes providências: (i) limpeza do casco para redução do arrasto; (ii) otimização de velocidade e roteirização; e (iii) instalação de energia auxiliar solar/eólica, entre outros medidas.

Não obstante, novos combustíveis serão cruciais para descarbonizar o setor marítimo. Neste tocante, em 21 de outubro de 2022, a IMO realizou o Segundo Simpósio da IMO sobre combustíveis de baixo e zero carbono para transporte marítimo, cujo tema era "Garantindo uma transição justa e inclusiva para o transporte de baixo carbono"6, com enfoque, em especial aos países em desenvolvimento, analisando formas de se atingir uma transição justa e equitativa.

Considerando que os navios abrangidos incluem graneleiros, petroleiros, embarcações transportadoras de gás e de GNL, porta-contentores, navio de carga geral, transportador de GNL, navio de carga e de passageiro, ro-ro, navio de passageiros de cruzeiro, dentre outros, fato é que armadores e afretadores devem adotar novas formas de arranjos, assim como novas cláusulas nos contratos de afretamento para que sejam atingidas as metas estabelecidas.

Consequentemente, grande parte da frota global deverá necessitar de ajustes técnicos para atender ao novo contexto da MARPOL, objeto da presente explanação.

 Nesse contexto, a BIMCO7 verificou que os contratos de afretamento por tempo (“TCP”), nos moldes existentes até então, não previam meios de lidar com o novo regime estabelecido. Assim, em 2021, a BIMCO trouxe o modelo de cláusula “EEXI TRANSITION CLAUSE FOR TIME CHARTER PARTIES 20218, na qual endereça a conformidade com EEXI e aloca responsabilidade e custos para a implementação de modificações dessas modificações.

De acordo com a BIMCO, ao divulgar a cláusula em questão, mencionou tanto que Cláusula de Transição EEXI pode ser inserida em TCPs já firmados e em TCPs futuros, como, inclusive, afirmou ser aconselhável sua utilização para navios construídos recentemente e já em conformidade com os parâmetros de Energy Efficient Design Index (“EEDI”), mas que ainda podem demandar etapas de aperfeiçoamento e ajustes para atender ao limite de conformidade do EEXI.

Considerando que a maior parcela das embarcações necessitará passar por modificações para atendimento do regulamento em questão, a BIMCO afirma que, de modo geral, estes provavelmente serão baseados em (i) limitação de potência do motor (“EPL”) e/ou (ii)limitação de potência do eixo (“SHAPOLI”). Consequentemente, a associação em questão concentrou-se em desenvolver dispositivos que abarquem detalhadamente tais tipos de modificações.

Não obstante, para alcançar a conformidade pretendida, a cláusula comporta a adoção outras medidas técnicas de economia de energia, estando estas sujeitas a acordo entre as partes para sua determinação. A BIMCO ainda afirma que o princípio fundamental por trás da cláusula é a necessidade de cooperação e colaboração entre as partes visando obter conformidade e atendimento da sua premissa maior de ações contra a mudança climática.

Nesse mesmo sentido, em 2022, a BIMCO propôs a inserção de Cláusula de Operações CII para o modelo de TCP, que busca fornecer ferramentas para que as embarcações sejam operadas em conformidade com as novas regras referentes a CII.

 Assim, a “CII OPERATIONS CLAUSE FOR TIME CHARTER PARTIES 2022” tem o fito de promover a colaboração, transparência e flexibilidade entre as partes do TCP, notadamente em situações envolvendo atividades comerciais e emprego de um navio que possam ter um impacto direto e significativo na emissão de carbono promovida pela embarcação afretada. Nesta cláusula, é trazida previsão acerca do papel exercido pelos fretadores na manutenção da eficiência energética do navio, assim como dos afretadores. Logo, a redução da emissão de GEE passa a ser uma responsabilidade compartilhada que precisa ser refletida claramente em um contexto de TCP9.

Em lógica semelhante à aplicada à interpretação e implementação da EEXI TRANSITION CLAUSE FOR TIME CHARTER PARTIES 2021, para que as previsões contratuais referentes a CII funcionem, a BIMCO afirma que deve haver atenção a princípios fundamentais subjacentes à cláusula, quais sejam a eficiência energética do navio e flexibilidade na operação e no emprego da embarcação.

Cabe destacar que a BIMCO, ao trabalhar na elaboração da referida cláusula, a fez com o intuito de torná-la uma cláusula autônoma, podendo, sem prejuízo dos termos originais do contrato, ser incorporada TCP já em vigor. Ainda, apesar de ser proposto um modelo, é possível e aconselhável que as partes verifiquem o formato que melhor se adeque ao contrato e segmento comercial em que se insere.

No mesmo sentido das alterações promovidas ao modelo de TCP da BIMCO, outros modelos contratuais virão a ser adaptados a fim de que sejam atingidas as metas e cumpridos os requisitos estabelecidos pela nova regulamentação.

Portanto, é possível prever que o atendimento das Estratégias da IMO para atendimento das ODS da ONU, demandará um esforço conjunto do mercado, tanto dos armadores, dos afretadores, com a participação dos gerentes, brokers e agentes, das instituições do setor, associações e da própria IMO na implementação e análise da efetividade das medidas implementadas vis a vis os resultados pretendidos.

__________

1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Application. "The provisions of this Annex shall apply to all ships, except where expressly provided otherwise."

4 MARPOL Annex VI Regulation 19 "Application 1. This chapter shall apply to all ships of 400 gross tonnage and above."

5 MARPOL Annex VI Regulation 5 "Surveys 1. Every ship of 400 gross tonnage and above and every fixed and floating drilling rig or other platform shall….be subject to the surveys specified (…)."

6 Disponível aqui.

7 A BIMCO é uma das maiores associações internacionais de navegação que representam os armadores, que representa cerca de 60% (sessenta por cento) da tonelagem de navios mercantes do mundo e possui membros em mais de 130 (cento e trinta) países.

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Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.