Migalhas Marítimas

Risco do negócio atrai responsabilidade do exportador pelo pagamento de armazenagem extra perante terminais portuários

É inegável a importância da regulação do tema no âmbito da ANTAQ com vistas a harmonizar o setor e proteger os direitos de usuários e prestadores de serviços portuários e aquaviários.

26/1/2023

Enquanto o segmento marítimo e portuário aguarda a Audiência Pública n° 10/2022 no âmbito da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), designada para 06 de fevereiro de 2023, tendo como finalidade discutir propostas para aprimoramento da regulação acerca da cobrança de sobreestadia causada por atraso no embarque de contêineres a bordo de navios nas operações de exportação, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu mais um passo importante para consolidar a sua jurisprudência a respeito do tema, firmando posicionamento de que a armazenagem extra gerada nestas hipóteses é devida pelo exportador.

No transporte marítimo de cargas, os atrasos nas escalas de navios acontecem com relevante frequência e são decorrentes das particularidades deste modal que sofre a interferência direta de diversas variáveis, para as quais o transportador não detém controle, cabendo ressaltar questões climáticas adversas, fechamento de canal de navegação, congestionamentos de portos, entre outros fatores não menos importantes.

Não por acaso, as datas estabelecidas na reserva de praça e no fechamento de fretes marítimos para embarque nos portos de origem são sempre estimadas, seguidas das ressalvas “Estimated Time of Departure (ETD)” ou “Estimated Time of Sailing (ETS)”.

Neste aspecto, exsurge a discussão acerca da responsabilidade pelo pagamento de armazenagem adicional de contêiner provocada pelo atraso no respectivo embarque a bordo do navio transportador, nas operações de exportação.

Os estudiosos do tema dividem-se em: (i) defender que o terminal portuário, efetivo prestador do serviço, tem o dever de apurar o causador da despesa adicional de armazenagem para então direcionar contra este a respectiva cobrança; ou (ii) considerar o exportador responsável pelo pagamento, independentemente de quem deu causa, em razão dos riscos inerentes à própria operação de exportação e também em decorrência da sua condição de depositante do contêiner e tomador do serviço de armazenagem, ressalvado o direito de posterior regresso contra terceiro causador da despesa adicional.                 

Na primeira hipótese, caberia ao terminal portuário investigar, por exemplo, se o atraso no embarque se deu em virtude de problemas operacionais do armador. Neste caso, o terminal portuário deveria reunir provas a respeito e endereçar a cobrança de armazenagem extra ao armador, embora não tenha com este nenhuma relação jurídico-contratual no tocante à prestação do serviço de armazenagem. Acrescente-se, ainda, que muitas vezes a causa determinante do atraso no embarque não é facilmente determinável, o que coloca o terminal portuário em posição de grave risco de não receber a devida remuneração pelo serviço adicional efetivamente prestado. 

Já na dinâmica defendida pela segunda corrente, o exportador, pela sua condição de depositante da unidade e em razão do decorrente vínculo jurídico-contratual com o terminal portuário, é o responsável direto pelo pagamento da armazenagem extra, independente de quem lhe deu causa, ficando-lhe assegurado o direito de regresso em face do terceiro responsável pela referida despesa. Neste caso, o prestador do serviço de armazenagem tem maior garantia de recebimento do crédito que lhe é devido. De outro lado, para os defensores desta corrente, eventual insucesso do exportador na tentativa de regresso em face de terceiro é inerente ao próprio risco das operações de exportação.

No âmbito regulatório, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários veda a cobrança de armazenagem adicional junto ao exportador, quando decorrente do não embarque a bordo do navio no prazo previamente estimado pelo transportador marítimo1. Referida prática é passível de autuação pela agência em face do terminal portuário por infração de natureza média e imposição de multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais)2.

Há quem defenda esse posicionamento sob o argumento de que exportador não poderá ser prejudicado ou ter os seus custos agravados por fato a que não deu causa. De outro lado, há quem sustente que esta vedação traz prejuízos ao terminal portuário, efetivo prestador do serviço, que fica impedido de cobrar daquele com quem mantém a relação jurídica por força da prestação do serviço de depósito – ou seja, o exportador. 

O tema também ganhou repercussão no Poder Judiciário. Em particular, cabe destacar o comportamento do Tribunal de Justiça de São Paulo que tem reiteradamente se posicionado de forma contrária ao entendimento da agência reguladora, assegurando aos terminais portuários o direito de cobrar armazenagem adicional em face do exportador, depositante da unidade destinada ao embarque para exportação. O exemplo mais recente ocorreu em julgamento de apelação realizado em 11 de janeiro de 20233, objeto de ação promovida por exportador em face de terminal portuário para discussão quanto a responsabilidade pelo pagamento de armazenagem adicional gerada pelo atraso de embarcação programada para o respectivo carregamento e transporte.

Na citada ocasião, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo assentou entendimento de que o atraso da embarcação compõe o risco do negócio do exportador, de sorte que tal fato não o exime do pagamento de armazenagem adicional perante o terminal depositário da unidade. Nessa linha de raciocínio, o referido acórdão afastou a aplicação do artigo 15 da Resolução Normativa 62/20214 da ANTAQ para declarar exigíveis as notas fiscais emitidas pelo depositário contra o exportador para remuneração do período excedente de armazenagem.

Para aqueles que defendem a impossibilidade de cobrança de armazenagem excedente em face do exportador, a simples entrega do contêiner no terminal portuário dentro do prazo previsto na reserva de praça (Booking Confirmation) encerraria a responsabilidade do embarcador por eventuais custos adicionais acarretados por atraso no embarque a bordo do respectivo navio transportador.

Contudo, como bem reconhece a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, os terminais portuários não integram a relação jurídico-contratual tripartite originada na contratação do frete marítimo, que envolve embarcador (exportador), transportador e recebedor (importador), de sorte que os terminais depositários não possuem nenhuma ingerência quanto aos prazos e condições estabelecidas para embarque das unidades a bordo do navio e respectivo transporte.

Nesse passo, destaca-se a conclusão dos desembargadores da 22ª Câmara de Direito Privado5  no sentido de que o “(...) o Armador, responsável pelo transporte, não integra a relação jurídica processual”. Com arrimo nessa premissa, aliás, referidos magistrados afastaram a aplicação do artigo 15 da Resolução Normativa n° 62/2021, vez que dispositivo proíbe a cobrança em face do usuário “sem auferir as causas que motivaram o atraso na chegada da embarcação” penalizando o terminal depositário que não integra a relação jurídica entre transportador e embarcador/exportador.

Fato é que no momento da entrega do contêiner no terminal portuário, surge a relação jurídica de depósito legal, prevista e disciplinada nos artigos 627 e seguintes do Código Civil, entre embarcador/exportador e terminal portuário, que nada mais é do que o serviço de armazenagem. Nesse aspecto, cabe mencionar o entendimento do magistrado Paulo Sergio Mangerona, titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Santos6, ao apreciar o tema:

"O embarcador, quando confia a mercadoria para o operador portuário, ainda que não reduza a escrito instrumento detalhando as responsabilidades decorrentes da operação, celebra, inegavelmente, contrato equiparado ao de depósito, ou mais precisamente de armazenagem.

Nessa condição é quem contrata com a ré e, como tal, quem se sujeita aos custos da atividade desenvolvida pelo operador portuário, o depositário."

Nesse mesmo sentido é o entendimento do Magistrado Frederico dos Santos Messias, titular da 4ª Vara Cível da Comarca de Santos, sempre atento aos temas do segmento marítimo e portuário, conforme seu artigo "A responsabilidade pelo pagamento adicional de armazenagem por omissão de Porto", cabendo citar, pela relevância, a seguinte conclusão7:  

"Importa dizer, também, que a armazenagem da carga configura típico contrato de depósito oneroso, em relação que envolve o Dono da Carga e o Terminal ou Operador, a fazer incidir, em caso de descumprimento, as regras da responsabilidade civil contratual.

Assim, tem-se a relação jurídica havida entre Terminal ou Operador e Dono da Carga decorrente do contrato de depósito e uma outra relação jurídica havida entre Dono da Carga e Armador decorrente do contrato de transporte marítimo.

Portanto, afirmo em arremate que, diante do serviço de armazenagem efetivamente prestado, a responsabilidade pelo pagamento é do Dono da Carga perante o Terminal ou Operador e, após efetuado o pagamento, poderá se valer da via do regresso em face do Armador se foi ele o causador do não embarque e, portanto, da armazenagem adicional.

 

As causas excludentes, determinantes do rompimento do nexo de causalidade, que tenham se verificado no curso da aventura marítima, dizem com a relação entre Dono da Carga e Armador decorrente do contrato de transporte e não podem ser impostas ao Terminal ou Operador".

Na prática, os terminais portuários concedem período livre de cobrança do serviço de armazenagem iniciado a partir da data da entrega do contêiner pelo exportador para depósito e posterior embarque. Uma vez excedido esse período livre, haverá cobrança proporcional ao período adicional incorrido na prestação da armazenagem. 

Por força da relação jurídica existente entre terminal portuário e embarcador/exportador, este não pode se furtar da responsabilidade pelo pagamento devido por força da prestação do serviço na hipótese da saída do navio atrasar, salvo se comprovada a culpa do próprio terminal, prestador do serviço de armazenagem. Nesse sentido, destacou o desembargador Pedro Kodama7, em voto proferido na apelação 1001030-60.2016.8.26.0562, do eg. TJSP:

A autora (Non Vessel Owner Common Carrier NVOCC), na condição de embarcadora da carga, firma no momento em que deixa a carga no terminal contrato para possibilitar o embarque da mercadoria com a operadora portuária, anuindo tacitamente com a cobrança das taxas atinentes à prestação de seus serviços até o embarque das mercadorias a bordo do navio.

O fato de o navio ter atrasado o embarque dos contêineres não retira a responsabilidade da autora com relação ao pagamento das suas respectivas diárias perante a ré. Eventual direito de regresso acerca da responsabilidade da empresa Armadora deverá ser discutida em ação autônoma, restando incólumes as duplicatas de serviços sacadas pela ré.”

Não se cogita o atraso como excludente de ilicitude, vez que a reserva de praça (Booking Confirmation) estabelece data estimada para saída da embarcação (Estimated Time of Departure ou Estimated Time of Sailing), pois, como todos os agentes e usuários atuantes nas operações de exportação têm conhecimento, não se trata de um evento certo e determinado. Condições meteorológicas desfavoráveis, manutenções não programadas, greves e problemas operacionais nos portos de descarga e embarque são alguns dos inúmeros fatores que podem acarretar atrasos no embarque de contêineres no navio.  

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, vale dizer, reconhece a interferência frequente e direta de fatores externos sobre as operações e escalas de navios nos portos, razão pela qual reconhece a previsibilidade de atrasos na saída dos navios, alçando tais ocorrências ao risco da própria atividade de exportação, como se denota no trecho de voto proferido pela desembargadora Claudia Grieco Tabosa Pessoa8, por ocasião do julgamento da apelação 1001771-32.2018.8.26.0562:

Com efeito, o contrato sub judice se enquadra como depósito oneroso, nos termos do art. 628, do Código Civil, incumbindo à depositante, no caso, a apelante, o pagamento das diárias previstas na tabela publicada pela depositária (apelada) que excedam ao “free time” pactuado.

Nem se alegue que o atraso, puro e simples, na chegada da embarcação ao porto, sem causa apurada, no contexto dos autos, constitui caso fortuito, consistente, segundo Sergio Cavalieri Filho, num “evento imprevisível e, portanto, inevitável”9, ante a clara previsibilidade do evento corriqueiro em operações de tal natureza e inerente aos riscos da atividade empresarial desenvolvida pela autora, que, ademais, negociou a venda na modalidade FOB – “Free on board”, responsabilizando-se, assim, pelos custos da operação (incluindo-se, aí, eventuais riscos), até o efetivo embarque da mercadoria.”

Os atrasos motivados por greve dos funcionários do porto também já foi tema de análise pela Corte Paulista tendo sido afastada a caracterização como caso fortuito ou força maior por se tratar de evento previsível. Esse entendimento pode ser verificado no voto proferido pelo desembargador Alexandre Malfatti, quando do julgamento da apelação cível 0008906-78.2019.8.26.0562, do eg. TJSP10:

Destaca-se que não merece acolhimento a alegação do recurso que o atraso se deu em razão de caso fortuito consistente na greve dos estivadores, o que trouxe morosidade aos trâmites de fiscalização Da Receita Federal. (...)

De qualquer maneira, cuida-se de questão rotineira do transporte marítimo, configurando-se risco da atividade (fortuito interno). A hipótese de greve dos funcionários do porto devia fazer parte do planejamento de uma empresa habituada a fazer exportação. Não podendo ser levantada como excludente de responsabilidade.

Interessante notar como os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo reconhecem o atraso na saída de embarcações como risco da atividade de exportação, afastando alegações no sentido de que as datas estimadas para embarque e partida do navio possam ser tidas como certas. A propósito dessa acepção sobre os atrasos, destaca-se, mais uma vez:

APELAÇÃO – Transporte marítimo internacional - Custos excedentes de armazenagem – Responsabilidade da embarcadora, dona da carga, por taxas pertinentes à prestação de serviço de armazenagem até a data do embarque das mercadorias – Atraso na chegada da embarcação que não exclui a responsabilidade da embarcadora pelo pagamento – Riscos da operação – Possibilidade de regresso contra a armadora – Ação julgada improcedente – Sentença confirmada pelos próprios fundamentos. - RECURSO DESPROVIDO.
(Apelação Cível 0012219-42.2022.8.26.0562; Relator (a): Edgard Rosa; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/01/2023; Data de Registro: 11/01/2023)

Finalmente, cabe mencionar que exportadores costumam invocar o INCOTERM praticado na compra e venda da mercadoria para afastar a responsabilidade pelo pagamento de armazenagem excedente. À parte do fato que referido contrato não altera a relação adjacente com o terminal portuário11 - a modalidade mais utilizada na exportação de mercadorias (FOB – Free on board) atrai, inegavelmente, a responsabilidade do embarcador/embarcador pelo pagamento das despesas aqui em discussão.

O Tribunal de Justiça de São Paulo se debruçou sobre o tema em diversas ocasiões, sendo importante destacar, pela relevância, o voto do desembargador Caduro Padin12 no julgamento da apelação cível 9208505-62.2008.8.26.0000:

Observa-se que, pela cláusula FOB, expressamente contratada (fls. 30/34), a apelada responsabilizou-se pelos custos referentes à entrega das mercadorias no porto e, posteriormente, no navio, aí incluídos os relativos aos serviços prestados pela apelante, de armazenagem e movimentação das mercadorias e contêineres.

(...)

Nesse contexto, deve a apelada responder pelo pagamento dos serviços de armazenagem e movimentação de mercadorias e contêineres prestados pela apelante, operador portuário.

E, no mesmo sentido:

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – Armazenagem Mercadorias destinadas à exportação Despesas de sobrestadia -Responsabilidade do exportador, principalmente se a exportação é com a cláusula FOB, pela qual o exportador suporta os custos até o embarque no navio Ausência de pedido de regresso contra armadoras, supostamente responsáveis pelo atraso no embarque das mercadorias Recurso desprovido Sentença mantida” (TJSP, 21ª Câmara de Direito Privado, Ap. nº0021080-42.2007.8.26.0562, rel. Des. Ademir Benedito, j. em27.10.2010) 

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Armazenagem. Mercadorias destinadas à exportação. Despesas. Responsabilidade do exportador, mormente se a exportação é com a cláusula FOB, pela qual o vendedor/exportador suporta os custos até o embarque no navio. Recurso não provido” (TJSP, 11ª Câmara de Direito Privado, Ap. nº 9110831-84.2008.8.26.0000, rel. Des. Gilberto dos Santos, j. em 27.11.2008) 

Armazém. Ação declaratória de inexigibilidade de débito. Venda de bens móveis ao estrangeiro. Transporte marítimo celebrado na modalidade FOB. Atraso no embarque da mercadoria. Ausência de culpa da agente portuária. Direito de cobrar pela armazenagem. O contrato de transporte marítimo celebrado pela autora se deu na modalidade FOB (free on board), de acordo com a qual o exportador é o responsável pela carga até que esta tenha cruzado a amurada do navio no porto de embarque. Se a autora descarregou cargas no terminal portuário para embarque sob a administração da corré, é certo afirmar que ela lhe prestou serviços que devem ser remunerados em razão da existência de contrato de depósito e movimentação de carga. Por conta do atraso no embarque, para o qual não concorreu a corré Brasil Terminal, as mercadorias ali entregues pela autora permaneceram em poder dela (agente portuária), depositadas para além do prazo convencional. Cumpre à autora efetuar o pagamento do débito e, em tese, e se lhe aprouver, buscar ressarcimento em face daquele que deu causa ao atraso no embarque de sua carga. O que não se admite é que tenha usufruído dos serviços e das instalações da corré Brasil Terminal e se recuse a prestar a devida contrapartida. Honorários advocatícios. Manutenção. Os honorários advocatícios, arbitrados em R$2.000,00 para cada uma das rés, não se revelam exacerbados, à luz dos critérios estabelecidos nas alíneas do §3º do art. 20 do CPC, remunerando de forma condigna o trabalho desenvolvido por seus ilustres patronos. A natureza da causa e o proveito obtido por suas constituintes autorizam concluir que a verba foi arbitrada com prudência e razoabilidade. Sua redução resultaria em remuneração aviltante e demeritória do nobre exercício da Advocacia. Apelação não provida. (TJSP; Apelação Cível 4016812-61.2013.8.26.0562; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/04/2016; Data de Registro: 06/04/2016)

Ainda no tocante ao INCOTERM utilizado nas operações de exportação, alguns exportadores defendem que ao praticar vendas na modalidade FOB (Free on board), o terminal portuário e o transportador marítimo são escolhidos pelo comprador, destinatário da carga. Com base nesse argumento, alegam que não teriam responsabilidade pelo pagamento de armazenagem.

No entanto, o fato é que o INCOTERM praticado é uma avença exclusiva entre comprador e vendedor, que não retira do exportador a sua condição de depositante da unidade de contêiner perante o terminal portuário, estabelecendo-se, por consequência, relação jurídico-contratual entre terminal depositário e exportador depositante. Em razão disso, tem o exportador a obrigação de pagar por eventual armazenagem adicional, ao passo que o terminal tem perante o exportador a obrigação de realizar a armazenagem e zelar pela carga até o respectivo carregamento a bordo do navio. Vale registrar que eventual dano ou perda de carga durante a armazenagem e antes do embarque a bordo do navio dará ao exportador o direito de pleitear indenização correspondente junto ao terminal depositário.               

Conforme se depreende, há considerável distanciamento entre entendimento adotado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e posicionamento fixado na jurisprudência dominante do Poder Judiciário a respeito do tema, o que não é saudável para o setor.

Diante disto e considerando que a agência reguladora está realizando estudos sobre a responsabilidade pelo pagamento de despesas extras provocadas por atraso no embarque de contêiner em navios, nos parece relevante que tais estudos levem em conta o posicionamento consolidado da jurisprudência, especialmente os reiterados julgados emanados do Tribunal de Justiça de São Paulo, que privilegiam a relação jurídico-contratual entre usuários e prestadores de serviços, à luz do contrato de depósito e dos correspondentes artigos 627 e 628 do Código Civil, consoante exposto neste arrazoado. 

É inegável a importância da regulação do tema no âmbito da ANTAQ com vistas a harmonizar o setor e proteger os direitos de usuários e prestadores de serviços portuários e aquaviários. No entanto, é igualmente importante que as disposições estabelecidas na seara regulatória estejam em sintonia com as práticas contratuais do segmento, reguladas no Direito Civil, sob pena de provocar insegurança jurídica no mercado regulado.

Referências

Lei 10.406/2002, de 10 de janeiro de 2002. Poder Executivo

Resolução Normativa n° 2.389/2012, de 13 de fevereiro de 2012. Agência Nacional de Transportes Aquaviários

Resolução Normativa n° 62/2021, de 28 de junho de 2021. Agência Nacional de Transportes Aquaviários

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 9208505-62.2008.8.26.0000

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 0021080-42.2007.8.26.0562

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 9110831-84.2008.8.26.0000

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 0021080-42.2007.8.26.0562

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 4016812-61.2013.8.26.0562

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 9208505-62.2008.8.26.0000

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 9162521-21.2009.8.26.0000

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n°0008906-78.2019.8.26.0562

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 1001771-32.2018.8.26.0562

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 1001030-60.2016.8.26.0562

Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo n° 0012219-42.2022.8.26.0562

Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 8. Ed, São Paulo: Atlas. 2008.

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1 Artigos 15 e 30, inciso VI, da Resolução Normativa n° 62/2021

2 Artigos 15 e 30, inciso VI, da Resolução Normativa n° 62/2021

3 Processo n° 0012219-42.2022.8.26.0562

4 Há erro material no acórdão apontando o artigo 10 da Resolução n° 2.389/2012, já revogada

5 Processo n° 0012219-42.2022.8.26.0562

6 Processo n° 0012219-42.2022.8.26.0562

7 Processo n° 1001030-60.2016.8.26.0562

8 Processo n° 1001771-32.2018.8.26.0562

In Programa de responsabilidade civil – 11. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014 – p.89

10 Processo n° 0008906-78.2019.8.26.0562

11 Títulos de crédito. Ação declaratória de inexigibilidade. Duplicata. Efetiva prestação do serviço. Responsabilidade do exportador, salvo estipulação em contrário, pelo pagamento dos serviços de armazenagem e movimentação de contêineres prestados pelo operador portuário. A efetiva prestação dos serviços de armazenagem e movimentação dos cofres foi devidamente comprovada nos autos, e deve ser paga pelo exportador depositante. A uma, porque não há nos autos comprovação de estipulação em contrário, nem são conhecidos os termos pactuados entre a autora e o comprador da mercadoria; a duas, porque a autora é a beneficiária do serviço prestado; a três, porque a ré é terceira estranha ao negócio jurídico celebrado entre a autora e o importador, não sendo lícito tentar impor-lhe a força vinculante de um contrato do qual não participou. Apelação provida.  (Apelação Cível 9162521-21.2009.8.26.0000; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Catanduva - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 13/03/2013; Data de Registro: 21/03/2013)

12 Processo n° 9208505-62.2008.8.26.0000.

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Colunistas

Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Professor convidado do FGV Law Program. Pesquisador Visitante do Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg, Suíça, de 2013 a 2014. Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) de 2011 a 2013. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados.