Há muito se discute a importância do mar para a humanidade, sendo reconhecida a sua contribuição como fonte de recursos, de alimentos, de energia e como a principal via do comércio exterior. No Brasil o cenário não é diferente. Nosso país possui uma enorme vocação marítima e depende destes recursos para o pleno desenvolvimento econômico.
Ao longo de quase 8 mil quilômetros de extensão, encontram-se 13 capitais e mais de 30 milhões de habitantes. Relevante destacar que aproximadamente 95% do comércio exterior brasileiro é feito pelo mar, e que neste encontra-se grande parte do petróleo e gás produzido no país. Associadas a essas atividades encontram-se as indústrias naval, portuária e de navegação.
As atividades econômicas desenvolvidas no mar não se restringem à exploração de petróleo e gás ou ao transporte marítimo de mercadorias. Merecem destaque a mineração marinha, pesca, aquicultura, turismo e esportes aquáticos, que contribuem de forma relevante para a geração de receitas no país. Evidencia-se assim a estreita relação entre o mar e a economia, diante de suas diversas formas de exploração. Dimensionar os números relacionados a tais atividades fortalece a compreensão de tamanha importância que esse patrimônio representa na economia brasileira.
Estudos recentes apontam os oceanos como a nova fronteira econômica, em um contexto denominado economia azul (blue economy), que demanda a formulação de políticas públicas e a criação de um marco regulatório voltado ao uso racional e sustentável do mar.
Israel de Oliveira Andrade, pesquisador do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, aponta, por exemplo, que “a produção nacional pesqueira e de cultivos marinhos torna-se especialmente importante diante da crescente demanda por proteínas em todo o globo, como apontam relatórios de diversas organizações internacionais e institutos de pesquisa. Assim, o mar mostra-se também fundamental nos esforços de combate à fome e de segurança alimentar. Entretanto, alguns desafios se impõem à gestão do setor pesqueiro como a pesca ilegal que provoca graves impactos sobre a biodiversidade marinha, podendo comprometer, inclusive, a própria atividade pesqueira. Considerando a importância do espaço marítimo para a economia e para o desenvolvimento nacional, deve-se reforçar, portanto, a imprescindibilidade da utilização dos recursos de maneira consciente e sustentável, preservando o meio ambiente e assegurando a continuidade das atividades realizadas nesse espaço1”.
Neste contexto, reforça-se a necessidade de ações de combate à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), que coloca em risco os recursos existentes em nossa Amazônia Azul. Ter conhecimento dos dados relacionados às atividades de pesca permite avaliar a sua contribuição para o PIB - Produto Interno Bruto e conduzir ações de natureza econômica, social e ambiental (ESG) visando o aproveitamento sustentável dos recursos. De acordo do Santos et. al., o domínio de informações atualizadas e adequadas a respeito de cada setor mostra-se fundamental para uma compreensão mais efetiva e abrangente da economia azul2.
O setor de transporte marítimo também possui papel relevante na composição do PIB do mar. Recentemente, a navegação de cabotagem ganhou destaque no cenário nacional com o Programa BR do Mar. Aprovado pela lei 14.301/22, visa ampliar a oferta de navios, incentivar a competitividade e concorrência na prestação do serviço, de modo a equilibrar a matriz de transporte nacional, tornando o transporte aquaviário mais atrativo.
Em termos concorrenciais, isso é bem-visto, já que estimular a entrada de novos navios em um mercado concentrado aumenta a competição logística com grande impacto na redução do frete. A dificuldade desse cenário se realizar na prática é a concentração internacional desse mercado, cada vez mais ocupado por empresas de grande verticalização e que ocupam no Brasil e no exterior o mercado marítimo e de terminais portuários.
O incremento dessa atividade pode contribuir para a geração de receitas, mas é importante consignar que as políticas públicas criadas para o setor de transporte marítimo devem proteger nossa Marinha Mercante. É preciso fomentar o pavilhão nacional nos navios que demandam a imensa costa brasileira. Ficar a mercê de navios estrangeiros realizando cabotagem na costa brasileira coloca em risco um dos próprios objetivos do BR do Mar, que é a perenidade da frota. Neste ponto, o BR do Mar peca ao modificar o marco regulatório da lei 9.432/97 que estabelecia a prioridade de navios de bandeira brasileira para a navegação e cabotagem.
Outro ponto que pesa contra o PIB do mar no programa de incentivo à cabotagem foi o veto presidencial à obrigatoriedade de tripulantes nacionais nos navios, o que pode fazer com que a navegação de cabotagem fique cada vez mais assemelhada à navegação de longo curso, atualmente com tripulações muito internacionalizadas onde nem sempre direitos trabalhistas mínimos são garantidos.
Será necessária uma forte atuação do Estado regulador para que não ocorra uma grande degradação da qualidade dos serviços prestados em face de uma desvalorização do mercado e a consequente degradação de procura de trabalhadores nacionais a esse setor econômico.
Finalizando a análise setorial, a mineração marinha também se inclui como atividade importante para o desenvolvimento econômico. Não só petróleo e gás são extraídos da plataforma continental brasileira. A busca por novas áreas de exploração mineral no leito marinho surge como opção ao processo de exaustão de reservas no continente3.
O recente pedido formulado à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos para exploração da Elevação do Rio Grande, cujo contrato ainda se encontra vigente, e o posterior pedido de sobreposição da mesma Elevação do Rio Grande como Plataforma Continental Estendida às águas jurisdicionais brasileiras demonstram que o Brasil está atento à importância dos recursos não vivos sitos no leito e subsolo do mar.
Assim, torna-se necessário identificar os bens minerais presentes na plataforma continental brasileira e determinar seu potencial econômico, mensurando sua contribuição para a formação do PIB do mar e definindo estratégias de exploração sustentável.
Verifica-se, assim, um movimento de maior interesse pelos oceanos. A economia do mar no Brasil contempla atividades econômicas que apresentam influência direta do mar, incluindo-se as atividades econômicas que não têm o mar como matéria-prima, mas que são realizadas nas suas adjacências4. Os oceanos apresentam um enorme potencial de geração de riquezas para diversas nações. De acordo com a OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento, os oceanos representam, atualmente, a sétima economia do mundo, com potencial para dobrar de tamanho até 2030.
O Brasil não pode ficar alheio às oportunidades. Criar mecanismos, até então inexistentes, de mensuração e monitoramento do PIB do mar é necessário para conduzir a formulação de políticas públicas adequadas à pauta marítima do país. E não está. Em 30 de julho de 2020, no âmbito da CIRM - Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, foi criado o GT - Grupo de Trabalho PIB do Mar, com a finalidade de definir o conceito de Economia Azul ou Economia do Mar para o Brasil; identificar os setores e atividades que integram e/ou contribuem para a Economia Azul e seus correspondentes aportes para o PIB do Mar; elaborar proposta de metodologia que permita mensurar o PIB do Mar, contribuindo para o acompanhamento estatístico regular de sua evolução no País; e apresentar sugestão para a institucionalização, no âmbito do governo Federal, da referida metodologia, de modo que possa servir como uma eficaz ferramenta e subsídio para a elaboração e condução de políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento e aproveitamento sustentável da Amazônia Azul e áreas de internacionais de interesse5.
A criação desses indicadores, no contexto da Economia Azul, permitirá um maior controle sobre os agentes econômicos e suas atividades, pautando o desenvolvimento de atividades sustentáveis, refletindo a importância do mar brasileiro nos campos econômico, social e ambiental.
Registrar os compromissos em ações para a sustentabilidade dos oceanos forneceria um importante quadro de referência para os esforços intergovernamentais e domésticos para cumprir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e em especial o ODS 14.
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1 ANDRADE, Israel de Oliveira. A Economia que vem do mar. 18 jul. 2019. Disponível aqui..
2 Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2022. DOI.
3 MARTINS, Eliane Octaviano; NEVES, Marcelo José. Exploração mineral nos fundos marinhos: o pleito brasileiro à autoridade internacional dos fundos marinhos e a elevação do rio grande. In: Revista Jurídica Unicuritiba. Vol. 01, n°. 68, Curitiba, 2022. pp. 789 – 815. DOI.
4 CARVALHO, A. B. Economia do Mar: conceito, valor e importância para o Brasil. 185 f. 2018. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Disponível aqui.
5 COMISSÃO INTERMINISTERIAL PARA OS RECURSOS DO MAR. Resolução 14/2020. Disponível aqui.