Todos os dias, não somente no Brasil, crianças e adolescentes são obrigados a enfrentar as consequências e efeitos advindos das mudanças climáticas. Não bastasse os danos causados pela degradação do meio ambiente, ainda são acometidas por tantas outras violências que impactam suas vidas de maneira significativa e prejudicial ao seu pleno desenvolvimento.
Não se pode negar que a mudança climática é hoje, uma ameaça a capacidade de sobreviver, crescer e prosperar de crianças em regiões mais atingidas, principalmente, para aquelas que são frutos de famílias mais pobres e vulneráveis, posto estarem menos protegidos pelas políticas públicas.
Segundo o estudo do Índice de Risco Climático das Crianças1 (UNICEF, 2021), no mundo existem mais de dois milhões de crianças expostas a mais de um risco, choque ou estresse climático/ambiental. Se levarmos em conta a situação do Brasil, mais de 40 milhões de crianças e adolescentes estão expostas a mais de um risco analisado pelo referido estudo.
Os dados são deveras alarmantes e, se agravam a cada dia. Dentre os países do Caribe e América Latina, o Brasil é considerado um pais de risco alto, assim como o México.
Cerca de 8,6 milhões de crianças, meninos e meninas brasileiros, estão expostos ao risco da falta de água potável; mais de 7,3 milhões expostos ao risco de enchentes ou inundações; 1,8 milhões expostos ao risco de enchentes costeiras; 13,6 milhões expostas ao risco de ondas de calor; 24,8 milhões expostos ao risco de poluição do ar ambiente; 27,8 milhões vivendo em áreas com alto risco de exposição à poluição por pesticida.
Este mesmo estudo menciona que nos próximos 30 anos, aproximadamente 1,5 milhão de crianças no Brasil serão deslocadas devido a inundações, tempestades e outros fenômenos naturais.
É deveras preocupante a situação de crianças e adolescentes acometidas por tais impactos. Em 2023, a seca no Amazonas deixou mais de 2 mil crianças e adolescentes sem acesso à escola, segundo dados do governo do Amazonas. As enchentes no Rio Grande do Sul, com início no último dia 3 de maio, já afetaram cerca de 1060 escolas estaduais, com 568 danificadas, impactando mais de 378 mil alunos (dados divulgados pela Secretaria de Educação/RS publicados em 23/05/2024).
Num recorte socioeconômico, cultural, político, a situação acima se agrava ainda mais quando nos referimos às crianças e adolescentes negras, indígenas, quilombolas, migrantes e ou refugiados, com deficiência e meninas.
Com a emergência climática, cada vez mais presente em nossas cidades, as crianças e os adolescentes estão sendo privados de seus direitos básicos, como moradia, convivência comunitária, saúde e educação.
Não obstante, estão sujeitos a outros impactos negativos em suas vidas como: danos físicos e psicológicos; agravamento da vulnerabilidade socioeconômica; escassez de água e alimentos; deslocamentos formados e perdas de laços; falta de acesso à proteção social, dentre tantos outros.
O relatório Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil, lançado pelo UNICEF (2022) enumera os direitos a serem garantidos e protegidos, dentre os quais podemos aqui brevemente elencar: 1. Direito à vida, à saude e ao desenvolvimento; 2.Direito a aprender; 3.Direito à proteção contra violências; 4. Direito a água potável e saneamento e 5. Direito à proteção social. Este mesmo documento, apresenta uma lista de recomendações para que crianças e adolescentes sejam prioridade absoluta na pauta climática e para que hoje e, no futuro, não tenham que crescer privados da plena realização de seus direitos.
É importante registrar que em julho de 2022, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Agência da ONU para as Migrações (OIM), a Universidade de Georgetown e a Universidade das Nações Unidas (UNU) lançaram os Princípios Orientadores para Crianças e Adolescentes em Movimento no Contexto das Mudanças Climáticas2 a fim de promover o debate acerca do impacto da crise ambiental e os deslocamentos forçados ao redor do mundo, o que de certo modo, dados os eventos climáticos no país, poderão servir de base para as políticas públicas futuras no que tange ao deslocamento forçado entre as regiões do Brasil.
Neste mesmo sentido, em 2023, face ao agravamento da crise climática no mundo, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU publicou orientações oficiais aos Estados sobre como devem fazer para defender o direito de crianças e adolescentes a um ambiente limpo, saudável e sustentável.
O Comentário Geral nº 263 (2023), traz em seu escopo que os Estados são responsáveis não só por proteger os direitos de crianças e adolescentes contra danos imediatos, mas também por violações previsíveis de seus direitos no futuro devido a atos dos Estados - ou omissão de ação - hoje.
A tragédia que acometeu o estado do Rio Grande do Sul, nos mostrou recentemente que, embora haja um direcionamento do orçamento público para a prevenção de desastres e, ou emergências climáticas, os governos não fazem o uso de tais recursos de maneira eficaz e assertiva ao ponto de atuar preventivamente e, minimamente, evitar catástrofes de tamanha proporção como as vistas desde o ultimo dia 3 de maio. Tampouco, é direcionada verbas para o Orçamento Criança e Adolescente - OCA a fim de garantir proteção aos direitos básicos e necessários às crianças e adolescentes em situação de emergência climática.
É crucial que as políticas públicas e ações para combater as crises climáticas levem em consideração as necessidades especificas de crianças e adolescentes, priorizem a proteção aos seus direitos.
Muito embora, tenhamos expresso no artigo 225 da Constituição Federal que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como, no artigo 227 que crianças e adolescentes são prioridade absoluta e devem ter seus direitos garantidos e protegidos, as situações às quais estão submetidos, nos mostra que estamos falhando no cumprimento de ambos mandamentos constitucionais.
__________
1 Disponível aqui.