Migalhas Infância e Juventude

(In) visibilidade da política socioeducativa após 11 anos da Lei do SINASE

A Lei do SINASE, como assim ficou “popularmente” conhecida, além de instrumentalizar a execução das medidas, trouxe em seu escopo parâmetros claros em relação a responsabilidade dos entes na esfera nacional, estadual e municipal.

10/10/2023

O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/90, inaugurou uma nova ótica frente aos adolescentes a quem se atribui a autoria de ato infracional, principalmente, ao instituir por intermédio do artigo 112, medidas cujas quais, para além da responsabilização, tem o viés socioeducativo, capaz de proporcionar a este sujeito de direitos, a reflexão perante sua ação e a ressignificação desta ação em sociedade.

Em 2006, passados 16 anos desde a sanção do ECA, é apresentado o SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, cuja construção concentrou-se especialmente num tema, que há tempos já mobilizava a opinião pública em diversos segmentos da sociedade: como enfrentar situações de violência que envolviam adolescentes enquanto autores de ato infracional ou vítimas de violações de direitos no cumprimento de medidas socioeducativas.

O SINASE, bem como sua implementação, tinha por objetivo, lá em 2006, o desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos princípios de Direitos Humanos. Entretanto, mesmo sendo um documento com diretrizes e parâmetros claros sobre a Política Socioeducativa, principalmente, em relação a natureza pedagógica da medida socioeducativa, a Resolução 113/06, que instituiu o SINASE, não trouxe em seu escopo, o modus operandi para a execução das propostas incutidas nesta resolução, deixando um "vácuo normativo" para a concretização destas com vistas a garantia de direitos e proteção aos adolescentes autores de ato infracional.

A fim de suprir essa "carência normativa" e, por também ter sido traçado como meta, foi apresentado em 2007, o projeto de lei 1.627, cujo objetivo era a instituição do SINASE e o estabelecimento de um padrão de execução das medidas socioeducativas em todo território nacional. O mesmo foi aprovado em plenária pela Camara dos Deputados em junho de 2009 e, finalmente sancionado pela Presidência da República, transformado na Lei 12.594, de 12 de janeiro de 2012.

A Lei do SINASE, como assim ficou "popularmente" conhecida, além de instrumentalizar a execução das medidas, trouxe em seu escopo parâmetros claros em relação a responsabilidade dos entes na esfera nacional, estadual e municipal.

Para além de padrões arquitetônicos, normas relativas aos Sistemas Estaduais, Municipais e Distritais, a Lei trouxe a obrigação da elaboração de planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei, possibilitando um novo olhar a este adolescente, a partir de sua individualidade e história de vida.

Contudo, passados 11 anos de sua sanção, é notória a (in) visibilidade da efetividade da politica socioeducativa, haja vista que, mesmo sendo uma ferramenta de efetivação ao principio basilar do ECA, que é a proteção integral de crianças e adolescentes, aqui no caso, adolescentes autores de ato infracional, ela ainda segue os mesmos padrões estigmatizadores e exclusivos da situação irregular.

A lei, em seu artigo 1º, §2º, inciso II, refere que a medida socioeducativa tem por objetivo a reintegração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio de seu plano individual de atendimento, mas o que se percebe ainda é a negação aos seus direitos, haja vista, as altas taxas de exclusão escolar, discriminação em decorrência de raça e cor, violência institucional e policial, dentre tantas outras violações.

Outro dado que nos faz refletir sobre a executoriedade da lei, são os processos de avaliação e monitoramento dos Planos Decenais de Atendimento Socioeducativo, nas esferas nacional, estadual e municipal. Estes planos, com período de dez anos, tinham por meta de inicio a elaboração do plano nacional, sequencialmente, o estadual e por fim, o municipal/distrital e, sua elaboração não tinha por escopo o cumprimento de mera formalidade burocrática ou de cumprimento de uma determinação legal, mas sim, promover a intersetorialidade entre as politicas, capazes de ensejar um atendimento de qualidade, individualizado e especializado não só aos adolescentes, mas extensivo aos seus familiares.

O Plano Nacional foi aprovado pela Resolução CONANDA nº 160, de 19 de novembro de 2013, 22 meses depois da publicação da lei do SINASE. E competia, passados 360 dias, a elaboração e aprovação dos planos estaduais e, por fim, municipais e distrital.

Aqui, necessário abrir um parêntese à competência atribuída à União de manter o processo de avaliação dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo, seus planos, entidades e programas (art. 3º, VII, lei 12.594/12), mas que desde 2017, não realiza o Levantamento Nacional Socioeducativo, instrumento utilizado para coleta de dados sobre adolescentes em conflito com a lei (em especial, nas medidas de internação e semiliberdade). Ainda sequer há um cruzamento que nos permita ter acesso a dados precisos quanto aos adolescentes egressos do sistema que tiveram êxito quanto à sua “ressocialização”. O aumento nos números de jovens de 18 a 24 anos encarcerados no Sistema Penitenciário pode ser um reflexo negativo das ações que deixaram de ser efetivadas no momento oportuno quando do egresso do Sistema Socioeducativo.

Tampouco observamos uma interface SUAS - SINASE, ao passo de que seja, minimamente, traçado um perfil do adolescente autor de ato infracional, que por fatores diversos, ingressou no sistema socioeducativo nas medidas em meio fechado ou aberto, como mecanismo de fomento às politicas públicas necessárias ao desenvolvimento deste sujeito de direitos, principalmente, a fim de fazer prevalecer o princípio da Incompletude Institucional prevista no art. 86 do ECA, na garantia plena dos direitos deste público alvo.

Não podemos também deixar de pontuar que o CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos atributos de suas funções, nos últimos anos deixou de efetivamente avaliar e monitorar as ações previstas no Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, e num efeito dominó, isso refletiu negativamente, nas ações do CONDECA - Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos Estados e Municípios.

Estes fatos, nos mostram que, embora criada para uniformizar e padronizar as politicas, serviços e programas de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, a Lei do SINASE, segue na (in)visibilidade das politicas públicas.

E, passados 11 anos de sua sanção, muitos de seus parâmetros e diretrizes, foram “engavetados”junto com seus Planos Decenais pelas políticas governamentais dos últimos anos, enfraquecendo, de certo modo, o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, que necessitará romper com os fragmentos deixados pelas gestões passadas, a fim de promover politicas intersetoriais efetivas com vistas a garantia dos direitos da população infantojuvenil dentro do campo das medidas socioeducativas.

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Colunistas

Angélica Ramos de Frias Sigollo é promotora de Justiça em São Paulo. Mestre em Direito pela USP. Pós-graduada pela FGV Direito SP. Integrante do Proinfancia - Fórum Nacional dos membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Professora de Infância e Juventude no CERS - Centro Educacional Renato Saraiva. Professora colaboradora no Law in Action.

Elisa Cruz defensora pública no Rio de Janeiro. Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora na FGV Direito Rio.

Hugo Gomes Zaher é juiz de Direito na Paraíba. Mestre em Direito. 1° vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ).

Marília Golfieri Angella é advogada atuante em Direito de Família e Social, com ênfase em Infância e Juventude. Professora Colaboradora do FGV Law. Mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões na Universidade Cândido Mendes/IBDFAM. Membro da Comissão de Infância e Juventude no IBDFAM e na OAB/SP.