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Religião e infância: você sabia que o ECA trata do direito à liberdade religiosa para crianças e adolescentes?

Uma dúvida comum que surge, usualmente quando há a separação de genitores que possuem diferentes religiões, inclusive, é como agir em relação aos filhos.

18/4/2023

Uma dúvida comum que surge, usualmente quando há a separação de genitores que possuem diferentes religiões, inclusive, é como agir em relação aos filhos. Na constância da união, um diálogo respeitoso se torna possível, fazendo com que a convivência da criança com diferentes religiões seja um processo equilibrado e natural, alternando-se a participação da criança com ambos os genitores para na vida religiosa, por exemplo.

Mas quando a separação acontece, a situação pode se inverter, ocasionando até mesmo crimes de intolerância religiosa. Importante lembrar que desde 1997 é crime qualquer atitude que resulte em discriminação ou preconceito em relação à religião, inclusive ações que induzam ou incitem tal ato. Assim, para além da empatia e conhecimento sobre a lei, é necessário respeito ao próximo e um cuidado de pais e responsáveis na condução da questão junto aos infantes.

Nesta coluna, abordaremos algumas considerações sobre religião e infância.

O ECA garante à criança e ao adolescente o direito à liberdade religiosa. Este direito é, inclusive, independente dos pais e/ou de seus responsáveis. O Art. 16, inserido no capítulo sobre liberdade, respeito e dignidade, garante à criança o direito à crença e ao culto religioso, tanto quanto garante o direito da criança de brincar, praticar esporte e se divertir, dada a relevância do tema na proteção e desenvolvimento integral infantojuvenil.

Contudo, um levantamento feito pelo movimento Agenda 227, indica que somente na internet os crimes de ódio ligados à intolerância religiosa aumentaram em 456% em 2022, segundo dados coletados da Central Nacional de Denúncias. O movimento também relembra os ataques contra as religiões de matriz africana ocorridos na época da publicação do livro infantil "AMORAS", do cantor e escritor Emicida, o qual trata do tema, fazendo com que a intolerância religiosa esteja presente no cotidiano de vários meninos e meninas, principalmente indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais e praticantes de religiões de matriz africana, como nos provam tristes reportagens encontradas nos noticiários sobre crianças serem alvo de ataques violentos por intolerância religiosa.

O livro “Nascer do Rio”, de Paola Odònílé, disponível online na íntegra, discute o direito à liberdade religiosa da criança e do adolescente em terreiros de candomblé. Em seus estudos, a autora aponta que a introdução de crianças no candomblé ocorre com ativa participação das famílias, quando “ensinamentos são transmitidos, a fé é estimulada, as regras são instituídas, os limites são postos, para que encontrem o discernimento de vivenciar ou não essa prática religiosa” (p. 105).

Da mesma forma ocorre com outras religiões, a família ocupa um importante papel na garantia do apoio religioso às crianças, garantindo-se sua introdução na comunidade religiosa de forma respeitosa e compatível com a idade, o que também encontra reflexo na responsabilidade legal que a família tem de zelar integralmente pela garantia de direitos de crianças e adolescentes, como preconiza o Art. 227 da Constituição Federal e o Art. 4º do ECA.

Em artigo publicado no site da CNBB, a psicóloga Aline Rodrigues indica a importância da prática religiosa para o desenvolvimento de comportamentos humanizados, tais como compaixão, solidariedade, respeito, amor e clareza do certo e do errado em diversas situações. A participação das crianças em comunidades religiosas é comumente retratada a partir da alegria e da diversão, com simbolismos comuns atrelados à infância, como ocorre nas festas de Cosme e Damião, normalmente realizadas pelo catolicismo e também pela umbanda, representando os Orixá Ibeji, filhos de Inhançã e Xangô, e outras celebrações voltadas à religiosidade infantojuvenil.

Igualmente, o aprendizado religioso se dá normalmente pela vivência e prática nas comunidades religiosas, com atividades lúdicas. Nesse sentido, o Ministério Infantil da Catedral Evangélica explica que a introdução da criança na crença religiosa deve garantir seu desenvolvimento com segurança adequada à cada idade, o que também tem previsão legal, vez que devem ser respeitada a “condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento” (ECA, Art. 6º).

No mesmo sentido, o Portal Lunetas traz uma fala da pedagoga Ana Paula Ramos, a qual informa que a umbanda é um ambiente de formação, construção de valores e compreensão de mundo para as crianças que dela participam, demonstrando que, independentemente da religião, a preocupação com a formação da criança recebe uma atenção especial, o que lhe garante os direitos fundamentais à vida, à saúde, física e psíquica, bem como à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, tão presentes na vivência religiosa.

Esses breves apontamentos, assim, nos mostram que há uma coesão das religiões no tocante à participação e ao papel da criança na vida religiosa, devendo ela ser tratada como sujeito de direitos, merecedora de especial atenção por seu estágio de desenvolvimento ainda em formação. Ainda, pode a criança ocupar lugares de destaque dentro das celebrações, atuando de forma ativa junto à sua comunidade religiosa, quando há atenção e cuidado dos pais ou responsáveis em relação à sua maturidade, necessitando que estas ações estejam em consonância com os direitos previstos no ECA, em especial a atenção ao desenvolvimento pleno com respeito e liberdade.

Na lei, portanto, não há qualquer óbice à participação religiosa da criança junto à sua comunidade e nem tampouco proibição que faça com que a criança precise escolher apenas uma religião ou aquela que é professada por seus pais ou responsáveis, já que se trata de direito autônomo da criança previsto no ECA. A chave do êxito é o diálogo e respeito, ao outro, à criança e à sociedade.

Estamos avançando nas discussões sobre uma educação crítica, inclusive de ordem religiosa, que permita que as pessoas possam compreender e combater atos de discriminação de qualquer espécie, uma vez que vivemos em um país plural, democrático e livre. Com isso, promoveremos cada vez mais um ambiente livre de violências na infância, respeitando-se os direitos previstos no ECA, com uma atuação coordenada e coesa por parte do Estado, da sociedade e da família, como determina a lei.

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Colunistas

Angélica Ramos de Frias Sigollo é promotora de Justiça em São Paulo. Mestre em Direito pela USP. Pós-graduada pela FGV Direito SP. Integrante do Proinfancia - Fórum Nacional dos membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Professora de Infância e Juventude no CERS - Centro Educacional Renato Saraiva. Professora colaboradora no Law in Action.

Elisa Cruz defensora pública no Rio de Janeiro. Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora na FGV Direito Rio.

Hugo Gomes Zaher é juiz de Direito na Paraíba. Mestre em Direito. 1° vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ).

Marília Golfieri Angella é advogada atuante em Direito de Família e Social, com ênfase em Infância e Juventude. Professora Colaboradora do FGV Law. Mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões na Universidade Cândido Mendes/IBDFAM. Membro da Comissão de Infância e Juventude no IBDFAM e na OAB/SP.