As eleições se aproximam e as evidências são notadas: horário eleitoral gratuito na TV e rádio, campanhas eleitorais em pleno 7 de setembro (embora vedadas), manifestações políticas espalhadas ali e acolá, discursos de ódio e fake news em redes sociais. Sim, de fato, as eleições se aproximam.
Por força do art. 77 da Constituição Federal, a eleição presidencial ocorrerá dia 02.10.22, primeiro domingo de outubro (e no último domingo de outubro, em 2º turno, se houver), juntamente com as eleições de senadores, deputados federais, deputados estaduais e governadores. E, enquanto muitos cidadãos nem se deram conta de que votar é exercício democrático (mergulhados em alienações, mentais ou políticas), apenas poucos se debruçam sobre programas de governo, procurando motivação para justificar suas escolhas.
No Brasil o voto é obrigatório a partir dos 18 anos, mas já aos 16, adolescentes podem votar se quiserem. Trata-se de estímulo à cidadania ativa voluntária e ato de responsabilidade política.
Mas então, se crianças não votam (0 a 12 anos) e se apenas uma pequena parcela de adolescentes pode votar (maiores de 16 anos, inscritos na justiça eleitoral e que efetivamente desejem), por que, afinal, as eleições têm a ver com eles?
Tudo a ver, se considerarmos que o Brasil deve conferir prioridade absoluta à crianças e adolescentes; se tivermos claro que isso foi uma decisão constitucional e que não se trata de uma mera sugestão aos eleitos.
Todas as pessoas são iguais perante a lei no Brasil, sem distinção de qualquer natureza (art 5º, caput da CF), contudo, ultrapassada essa igualdade formal, existe uma vantagem constitucional conferida à crianças e adolescentes frente aos demais sujeitos de direito. Isso mesmo, muitos desconhecem, mas o público infanto-juvenil (0 a 18 anos incompletos) é "destinatário privilegiado" de todos os direitos fundamentais e de outros direitos exclusivos do grupo.
Infelizmente pouco se fala a respeito, mas crianças e adolescentes brasileiros ou estrangeiros residentes no país são pessoas elevadas a um status especial em comparação às demais pessoas, como jovens1 (15 a 29 anos), adultos (maiores de 18 anos) e idosos2 (maiores de 60 anos), devendo ocupar posição prioritária tanto na elaboração de políticas públicas como na concretização de direitos e garantias.
Você pode estar se perguntando: como assim? o porquê dessa prioridade?
E a resposta é simples: porque NÓS assim quisemos em 1988, quando, representados por membros da Assembleia Nacional Constituinte, promulgamos a Constituição Federal, prevendo expressamente tal prioridade no art. 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Tratou-se, portanto, de decisão do poder constituinte originário ao inaugurar a nova ordem constitucional brasileira, revelando formal e expressamente a intenção de valorizar de forma diferenciada crianças e adolescentes, como sujeitos de direitos imprescindíveis na construção de um futuro social e economicamente sustentável para toda a sociedade, incluindo gerações presentes e futuras3.
A despeito de tudo isso, infelizmente, não há unanimidade entre os presidenciáveis quanto à prioridade absoluta, sendo que dos 12 postulantes ao cargo poucos incluíram em seus planos de governo a necessidade de aprimorar e fortalecer o sistema de garantia dos direitos das crianças e adolescentes e, mesmo os que previram não necessariamente concretizarão práticas nesse sentido, a se basear por seus históricos.
Pensando na importância do tema e no intuito de conscientizar a população antes de irem às urnas, o Portal Lunetas, em parceria com o Instituto Alana, selecionou o que cada candidato descreve para crianças e adolescentes em seus planos de governo4.
Uma preocupação que se depreende da leitura dos planos de governo está na limitação das propostas quanto a problemas estruturais, sendo simbólicos e midiáticos, sem a devida formulação e implementação de políticas públicas de forma integrada e articulada com os demais programas de governo. Ademais, as sondagens demonstram que os presidenciáveis não abordam como pretendem enfrentar os gargalos de financiamento e articulação com Estados e Municípios, tudo a demonstrar a desimportância que conferem à pauta.
Quem sabe o tema ainda possa ser devidamente explorado pelos candidatos nos próximos debates, a partir de cobranças de entidades de proteção ao público infanto-juvenil, de atores dessa área de atuação e mesmo da opinião pública, que devem exigir cumprimento dos ditames constitucionais.
Volto a dizer, propor e implementar políticas públicas para garantir direitos de crianças e adolescentes não é mera recomendação eleitoreira ou sugestão aos candidatos, mas sim um mandado constitucional explícito e prioritário, do qual nenhum eleito pode se eximir, estejam ou não previstas em seu plano de governo.
Por isso, a coluna Migalhas Infância e Juventude não poderia deixar de abordar o tema, ainda que sem posicionamento político-partidário eis que, embora crianças e adolescentes não votem são destinatários diretos de políticas públicas por parte dos “ditos” mandatários da democracia, sendo urgente recuperar5 e robustecer investimentos na área da infanto-juvenil.
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1 Art 16, §1º da Lei 12.852/13. Disponível aqui. Acesso 12.09.2022.
2 Art 1º da lei 10.741/03. Acesso 12.09.2022.
3 Segundo dados do IBGE, em 2021, o número de crianças e adolescentes entre zero e 19 anos residentes no Brasil era de 69 milhões, representando cerca de 33% da população total. Disponível aqui. Acesso 21.09.2022.
4 Disponível aqui. Acesso 13.09.2022.
5 Disponível aqui. Acesso 21.09.2022.