Migalhas Infância e Juventude

O que as eleições têm a ver com as crianças e adolescentes?

Enquanto muitos cidadãos nem se deram conta de que votar é exercício democrático, apenas poucos se debruçam sobre programas de governo, procurando motivação para justificar suas escolhas.

22/9/2022

As eleições se aproximam e as evidências são notadas: horário eleitoral gratuito na TV e rádio, campanhas eleitorais em pleno 7 de setembro (embora vedadas), manifestações políticas espalhadas ali e acolá, discursos de ódio e fake news em redes sociais. Sim, de fato, as eleições se aproximam.

Por força do art. 77 da Constituição Federal, a eleição presidencial ocorrerá dia 02.10.22, primeiro domingo de outubro (e no último domingo de outubro, em 2º turno, se houver), juntamente com as eleições de senadores, deputados federais, deputados estaduais e governadores. E, enquanto muitos cidadãos nem se deram conta de que votar é exercício democrático (mergulhados em alienações, mentais ou políticas), apenas poucos se debruçam sobre programas de governo, procurando motivação para justificar suas escolhas.

No Brasil o voto é obrigatório a partir dos 18 anos, mas já aos 16, adolescentes podem votar se quiserem. Trata-se de estímulo à cidadania ativa voluntária e ato de responsabilidade política.

Mas então, se crianças não votam (0 a 12 anos) e se apenas uma pequena parcela de adolescentes pode votar (maiores de 16 anos, inscritos na justiça eleitoral e que efetivamente desejem), por que, afinal, as eleições têm a ver com eles?

Tudo a ver, se considerarmos que o Brasil deve conferir prioridade absoluta à crianças e adolescentes; se tivermos claro que isso foi uma decisão constitucional e que não se trata de uma mera sugestão aos eleitos.

Todas as pessoas são iguais perante a lei no Brasil, sem distinção de qualquer natureza (art 5º, caput da CF), contudo, ultrapassada essa igualdade formal, existe uma vantagem constitucional conferida à crianças e adolescentes frente aos demais sujeitos de direito. Isso mesmo, muitos desconhecem, mas o público infanto-juvenil (0 a 18 anos incompletos) é "destinatário privilegiado" de todos os direitos fundamentais e de outros direitos exclusivos do grupo.

Infelizmente pouco se fala a respeito, mas crianças e adolescentes brasileiros ou estrangeiros residentes no país são pessoas elevadas a um status especial em comparação às demais pessoas, como jovens1 (15 a 29 anos), adultos (maiores de 18 anos) e idosos2 (maiores de 60 anos), devendo ocupar posição prioritária tanto na elaboração de políticas públicas como na concretização de direitos e garantias.

Você pode estar se perguntando: como assim? o porquê dessa prioridade?

E a resposta é simples: porque NÓS assim quisemos em 1988, quando, representados por membros da Assembleia Nacional Constituinte, promulgamos a Constituição Federal, prevendo expressamente tal prioridade no art. 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 Tratou-se, portanto, de decisão do poder constituinte originário ao inaugurar a nova ordem constitucional brasileira, revelando formal e expressamente a intenção de valorizar de forma diferenciada crianças e adolescentes, como sujeitos de direitos imprescindíveis na construção de um futuro social e economicamente sustentável para toda a sociedade, incluindo gerações presentes e futuras3.

A despeito de tudo isso, infelizmente, não há unanimidade entre os presidenciáveis quanto à prioridade absoluta, sendo que dos 12 postulantes ao cargo poucos incluíram em seus planos de governo a necessidade de aprimorar e fortalecer o sistema de garantia dos direitos das crianças e adolescentes e, mesmo os que previram não necessariamente concretizarão práticas nesse sentido, a se basear por seus históricos.

Pensando na importância do tema e no intuito de conscientizar a população antes de irem às urnas, o Portal Lunetas, em parceria com o Instituto Alana, selecionou o que cada candidato descreve para crianças e adolescentes em seus planos de governo4.

Uma preocupação que se depreende da leitura dos planos de governo está na limitação das propostas quanto a problemas estruturais, sendo simbólicos e midiáticos, sem a devida formulação e implementação de políticas públicas de forma integrada e articulada com os demais programas de governo. Ademais, as sondagens demonstram que os presidenciáveis não abordam como pretendem enfrentar os gargalos de financiamento e articulação com Estados e Municípios, tudo a demonstrar a desimportância que conferem à pauta.

Quem sabe o tema ainda possa ser devidamente explorado pelos candidatos nos próximos debates, a partir de cobranças de entidades de proteção ao público infanto-juvenil, de atores dessa área de atuação e mesmo da opinião pública, que devem exigir cumprimento dos ditames constitucionais.

Volto a dizer, propor e implementar políticas públicas para garantir direitos de crianças e adolescentes não é mera recomendação eleitoreira ou sugestão aos candidatos, mas sim um mandado constitucional explícito e prioritário, do qual nenhum eleito pode se eximir, estejam ou não previstas em seu plano de governo.

Por isso, a coluna Migalhas Infância e Juventude não poderia deixar de abordar o tema, ainda que sem posicionamento político-partidário eis que, embora crianças e adolescentes não votem são destinatários diretos de políticas públicas por parte dos “ditos” mandatários da democracia, sendo urgente recuperar5 e robustecer investimentos na área da infanto-juvenil.

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1 Art 16, §1º da Lei 12.852/13. Disponível aqui. Acesso 12.09.2022.

2 Art 1º da lei 10.741/03. Acesso 12.09.2022.

3 Segundo dados do IBGE, em 2021, o número de crianças e adolescentes entre zero e 19 anos residentes no Brasil era de 69 milhões, representando cerca de 33% da população total. Disponível aqui. Acesso 21.09.2022.

4 Disponível aqui. Acesso 13.09.2022.

5 Disponível aqui. Acesso 21.09.2022.

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Colunistas

Angélica Ramos de Frias Sigollo é promotora de Justiça em São Paulo. Mestre em Direito pela USP. Pós-graduada pela FGV Direito SP. Integrante do Proinfancia - Fórum Nacional dos membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Professora de Infância e Juventude no CERS - Centro Educacional Renato Saraiva. Professora colaboradora no Law in Action.

Elisa Cruz defensora pública no Rio de Janeiro. Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora na FGV Direito Rio.

Hugo Gomes Zaher é juiz de Direito na Paraíba. Mestre em Direito. 1° vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ).

Marília Golfieri Angella é advogada atuante em Direito de Família e Social, com ênfase em Infância e Juventude. Professora Colaboradora do FGV Law. Mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões na Universidade Cândido Mendes/IBDFAM. Membro da Comissão de Infância e Juventude no IBDFAM e na OAB/SP.