Migalhas Infância e Juventude

A atuação das equipes interprofissionais no Judiciário: A proteção à infância e adolescência em foco

A atuação das equipes interprofissionais no Judiciário: A proteção à infância e adolescência em foco.

14/9/2021

O Estatuto da Criança e do Adolescente data de 1990 e desde a sua promulgação foram lançados inúmeros desafios para todos os órgãos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos (SGD), em virtude da necessidade de adequação de suas estruturas e do quadro de profissionais que deveriam integrar cada serviço/setor, para alcance da proteção integral, como preconiza a legislação desde então.

A necessidade e relevância da atuação das equipes interprofissionais são pontuadas em dezenas de tópicos do ECA, como na proteção do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, no qual define-se a necessidade de relatórios das equipes para fundamentação das decisões dos(as) magistrados(as) quanto ao acolhimento familiar/institucional, colocação em famílias substitutas, guardas e adoções. As crianças e adolescentes acolhidos têm a oportunidade de serem ouvidos por estas equipes, em atendimentos individualizados, para que possam participar ativamente de seus processos e, assim, contribuírem com a decisão a respeito de suas próprias vidas.

O atendimento, a escuta e o acompanhamento pelas equipes interprofissionais das mulheres que desejam realizar a entrega legal dos filhos para adoção, é outro momento no qual a atuação de profissionais que compõem as equipes é identificada como essencial para a intervenção do poder judiciário nesses processos, que garantem a proteção do direito da mulher (gestante ou puérpera) e da criança – sujeito alvo da entrega legal – para que tenham resguardadas as possibilidades de sigilo, atendimento humanizado, proteção da história da criança e da possibilidade de inserção em família devidamente habilitada no Sistema Nacional de Adoção, respeitando o devido processo legal em todas as suas vertentes.

Além destas situações, as equipes interprofissionais, compostas pelas categorias da pedagogia, psicologia e do serviço social, atuam por meio da aplicação de instrumentais próprios de suas formações, na realização de atividades, como entrevistas, visitas domiciliares e institucionais, escutas especializadas, elaboração e efetivação de cursos preparatórios para jurisdicionados em processo de habilitação à adoção, avaliação de estágios de convivência para adoção, encaminhamentos aos serviços do SGD, formação continuada para equipes que integram a Rede de Proteção dos Direitos de Crianças e Adolescentes nas cidades que compõem as comarcas/circunscrições, encaminhamento e acompanhamento da execução de medidas socioeducativas (MSE), acompanhamento e alimentação de Sistemas Nacionais (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA; Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei – CNACL; Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades e Programas Socioeducativos – CNIUPS).

Além disso, os(as) profissionais acrescentam à sua atuação suas experiências particulares e diferenciais, como por exemplo aqueles(as) que possuem formação em Justiça Restaurativa, que inserem no cotidiano profissional algumas possibilidades de intervenção, utilizando estes conhecimentos e técnicas para uma condução diferenciada, apontando caminhos diversos na resolução dos conflitos judicializados.

Registre-se ainda normativas recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que ampliam o espectro de atuação das equipes interprofissionais com vistas à proteção integral de crianças e adolescentes em outros segmentos do Poder Judiciário.

A resolução 299, de 5 de novembro de 2019, do Conselho Nacional de Justiça, aponta que os profissionais especializados que atuarão na tomada do depoimento especial (lei 13.431/2017, art. 12, I) deverão ser preferencialmente aqueles que integram o quadro de servidores da respectiva unidade da federação, que compõem as equipes técnicas interprofissionais.

Por sua vez, a resolução 369, de 19 de janeiro de 2021, do Conselho nacional de Justiça, compele a autoridade judicial a consultar a equipe interprofissional para a tomada de decisões que envolvam a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, sejam adultos ou adolescentes, nos termos dos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal, e em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs no 143.641/SP e no 165.704/DF.

Em que pese a atuação profissional se dar em contexto coletivo, na formação da equipe, isto não significa dizer que há uma renúncia às especificidades de cada profissão e tudo o que lhe é privativo no desempenho de sua função. Cada profissional recorre aos seus próprios instrumentais, na efetivação de suas ações, para que contribua de forma particular com seu olhar a respeito de cada demanda apresentada.

A vivência de tempos singulares mobilizou as categorias a produzirem de forma bastante particular, em virtude das novas configurações das rotinas de trabalho e da vida privada. A pandemia da Covid-19 provocou alterações significativas, não apenas na dinâmica social, em relação à circulação nos espaços públicos, nas necessidades de distanciamento e na impossibilidade de aglomerações, mas especialmente, na dinâmica particular da vida de cada sujeito.

A necessidade de trabalhar "em casa", utilizando as ferramentas tecnológicas disponíveis, apresentou questões e situações inesperadas, exigindo adaptações aos meios remotos de comunicação e (re)organização do tempo, no tocante à dissolução da carga-horária de trabalho, diante da falsa ideia de disponibilidade integral, pois estão "todos em casa". Foi necessário aprender a utilizar aplicativos dos mais variados, para que fosse possível a participação em reuniões, webinários (seminários online), eventos, aulas e, até mesmo, atendimentos sociopsicopedagógicos remotos, tão debatidos e avaliados, devido às suas especificidades.

As equipes interprofissionais reinventaram formas de atuar e atender às necessidades postas, diante do "novo" contexto, o que exigiu a readequação de procedimentos, a construção de novas resoluções, visando à proteção não só das categorias, mas também do público atendido. Desta forma, foi autorizada a realização de atendimentos remotos para a elaboração de relatórios (imprescindíveis à tomada de decisão e desfecho processual), considerando as fragilidades do procedimento – como as falhas de conexão, a ausência de acesso à internet para muitas famílias e em algumas regiões, dentre outros fatores, como a tão questionada garantia do sigilo do atendimento.

Nessa linha, a recomendação 97, de 9 de abril de 2021, do Conselho Nacional de Justiça, autorizou os Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios a utilização de ferramentas tecnológicas para a realização de atendimentos pelas equipes técnicas, em razão da pandemia mundial por Covid-19, não inviabilizando a manutenção dessas providências com o restabelecimento das atividades presenciais, observada a preferência da atuação técnica presencial nessas circunstâncias.

Neste novo contexto que perpassa o cotidiano profissional, as equipes interprofissionais do Judiciário, que atuam na proteção da infância e adolescência, têm apresentado inúmeros desafios, mas também possibilidades de intervenção, antes não aceitáveis ou compreendidas como exequíveis. Esta nova realidade trouxe configurações distintas para a efetivação do trabalho destas equipes, porém reafirmou a sua relevância na ocupação desse espaço de atuação, o qual deve cada vez mais buscar a manutenção e ampliação dos quadros não só nas unidades judiciárias do país com competência privativa da Infância e Juventude, conforme o Provimento 36, de 5 de maio de 2014, da Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça, mas também de outros segmentos do Poder Judiciário para os quais vem sendo demandada a atividade sociopsicopedagógica.

*Hugo Gomes Zaher é juiz de Direito na Paraíba. Mestre em Direito. Presidente do Fórum Nacional da Justiça Protetiva.

**Viviane Rodrigues Ferreira é assistente social da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Campina Grande/TJPB; especialista em Assistência SociojurÍdica e Segurança Pública (UniFacex/RN); mestre em Ciências Sociais (UFRN).

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Colunistas

Angélica Ramos de Frias Sigollo é promotora de Justiça em São Paulo. Mestre em Direito pela USP. Pós-graduada pela FGV Direito SP. Integrante do Proinfancia - Fórum Nacional dos membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Professora de Infância e Juventude no CERS - Centro Educacional Renato Saraiva. Professora colaboradora no Law in Action.

Elisa Cruz defensora pública no Rio de Janeiro. Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora na FGV Direito Rio.

Hugo Gomes Zaher é juiz de Direito na Paraíba. Mestre em Direito. 1° vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ).

Marília Golfieri Angella é advogada atuante em Direito de Família e Social, com ênfase em Infância e Juventude. Professora Colaboradora do FGV Law. Mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões na Universidade Cândido Mendes/IBDFAM. Membro da Comissão de Infância e Juventude no IBDFAM e na OAB/SP.