Migalhas Infância e Juventude

5 anos da lei 13.257/2016 e a luta pelos direitos fundamentais das crianças na primeira infância

5 anos da lei 13.257/2016 e a luta pelos direitos fundamentais das crianças na primeira infância

16/3/2021

O Marco Legal da Primeira Infância (MLPI) completa neste mês cinco anos. Em 8 de março de 2016, foi promulgada a lei 13.257, que estabelece regras e princípios para proteção integral qualificada de crianças nos primeiros anos de vida, no período que abrange os seis anos completos.

Portanto, esse Diploma Legal ainda está na "primeira infância" e, na mesma linha da faixa populacional a que se destinam seus postulados, também demanda toda sorte de estímulos para o seu desenvolvimento integral e efetivo cumprimento.

O texto dessa legislação reforça a ambivalência da criança na primeira infância. Mais do que o adolescente, jovem ou adulto do futuro, esse sujeito de direitos deve ser considerado hoje. A atmosfera de responsividade exige ações imediatas para proteção e promoção específica dessa faixa etária, o que invariavelmente refletirá efeitos positivos ao longo da vida.

Isso porque, diante da plasticidade cerebral na primeira infância, é nesse período sensível que as funções executivas (memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva) são desenvolvidas, o que serve de alicerce para o desenvolvimento de habilidades mais complexas em um momento futuro.

Os impactos da adversidade experimentada no contexto da primeira infância, por sua vez, redundam no chamado 'estresse tóxico', dificultando a aquisição das referidas habilidades básicas, o que pode resvalar inclusive em situações de vulnerabilidade que exijam a aplicação de medidas protetivas (artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente – lei 8.069/90).

O artigo 5° do MLPI aponta que se constituem áreas prioritárias para políticas públicas em prol da primeira infância "a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica". 

Tais áreas se inserem no âmbito de proteção dos direitos fundamentais previstos no artigo 227 da Constituição Federal e sua plena efetivação é dever absolutamente prioritário da família, do Estado e da sociedade.

Não precisamos ir a fundo para verificar que embora muitas sejam as conquistas alcançadas após a lei 8.069/90 e a Convenção sobre os Direitos da Criança, diversos obstáculos para o desenvolvimento integral ainda são latentes, sobretudo para as estimadas 19 milhões de crianças na primeira infância, sendo certo que o MLPI impactou enormemente no texto do Estatuto com diversas alterações legislativas empreendidas.

O Plano Nacional da Primeira Infância destaca alguns desafios a serem suplantados, tais como a pobreza, a desigualdade, a falta de implementação de políticas públicas para a primeira infância, a taxa de mortalidade ainda preocupante em algumas regiões do país, a gravidez na adolescência, a desnutrição, a obesidade infantil, a incipiente cultura do aleitamento infantil, a universalização da educação infantil e a violência.

E os desafios se tornam mais complexos no contexto da pandemia vivenciada, com impactos negativos nas crianças, em sua convivência familiar, na educação e em diversos outros direitos fundamentais, tornando premente a garantia do pleno desenvolvimento à luz das limitações impostas pelo distanciamento social.

Destarte, o Sistema de Justiça se insere como importante ator para a garantia dos direitos fundamentais das crianças na primeira fase da vida, cuja exploração iniciamos em outro texto desta coluna a respeito de seu protagonismo na proteção da primeira infância.

Com efeito, o Pacto Nacional pela Primeira Infância capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça tem garantido desde 2019 uma abertura não só do Poder Judiciário, mas de todo o Sistema de Justiça, para que todos os seguimentos e, não só aquele ligado à competência infanto-juvenil, possam nortear suas ações para que os direitos fundamentais das crianças na primeira infância sejam implementados em sua máxima potência.

Assim, para celebrarmos os cinco anos do Marco Legal, 5 medidas podem ser apontadas para estabelecer um Sistema de Justiça mais sensível, acessível e amigável para crianças na primeira infância.

O primeiro deles, é a importância da participação efetiva do Sistema de Justiça nas discussões junto à Rede de Proteção local, conforme estabelece o artigo 88, VI, do Estatuto e artigo 14 da lei 13.431/2017. Não se perde de vista o espectro regional e nacional, mas em cada cidade e/ou comarca, já existe um gigantesco campo de atuação para se trabalhar a construção de fluxos e pontes intersetoriais.

Nesse diapasão e com foco específico no Poder Judiciário, há necessidade de se reconhecer por parte dos Tribunais como atividade inerente à sua função a atividade intersetorial, para fins de produtividade, o que certamente despertaria inúmeras vocações de profissionais, os quais em sua grande maioria cumulam suas atividades com outros segmentos, notadamente em unidades de competência mista ou mesmo única. O artigo 3° da resolução 299/2019, do Conselho Nacional de Justiça, sinaliza nesse sentido no tocante ao Sistema de Garantia de Direitos de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

A valorização de equipes multiprofissionais também é premente para aparelhar tecnicamente os posicionamentos dos atores no palco jurisdicional, e também na atuação junto à Rede de Proteção, garantindo-se formação continuada, número adequado de servidores à demanda apresentada e especialização à luz do segmento de atuação.

O aprofundamento em técnicas adequadas de solução de conflito é necessário para se conformar a proteção integral de crianças na primeira infância, sobretudo diante de questões de alta indagação que exigem o protagonismo das pessoas direta ou indiretamente envolvidas, sendo possível citar a Política Nacional da Justiça Restaurativa estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça.

A formação inicial e continuada das carreiras também é imprescindível para o aprofundamento na temática relativa à proteção e promoção da primeira infância e na qualificação da atuação dos integrantes do Sistema de Justiça, merecendo destaque que estão abertas as inscrições até o dia 31 de março o curso Marco Legal da Primeira Infância e suas implicações jurídicas, promovido pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário – CEAJud/CNJ e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, tendo por público alvo Magistrados, Promotores de Justiça, Defensores Públicos, Advogados, Delegados de Polícia, Policiais Civis e servidores públicos que atuam nas equipes psicossociais do Sistema de Justiça e Segurança Pública.

Uma ideia extra que pode ser lançada aos atores do Sistema de Justiça: mostra-se importante a participação em movimentos, associações e fóruns nacionais, que também são fontes inesgotáveis de discussões, aprofundamentos e boas práticas a serem replicadas por advogados, juízes, promotores e defensores públicos em sua rede local, a exemplo do FONAJUP, FONAJUV, ABRAMINJ, CONDEGE, PROINFANCIA, IBDCRIA/ABMP, dentre outros.

Assim, para que a cultura do cuidado à primeira infância continue se fortalecendo e os obstáculos colocados para o desenvolvimento hígido nessa fase da vida sejam superados, é necessária a integração do Sistema de Justiça na efetivação, com prioridade absoluta, dos direitos fundamentais das crianças dos 0 aos 6 anos de idade, sobretudo com a aquisição de competências dos profissionais do direito na atividade intersetorial, que é finalística nessa seara.

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Colunistas

Angélica Ramos de Frias Sigollo é promotora de Justiça em São Paulo. Mestre em Direito pela USP. Pós-graduada pela FGV Direito SP. Integrante do Proinfancia - Fórum Nacional dos membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Professora de Infância e Juventude no CERS - Centro Educacional Renato Saraiva. Professora colaboradora no Law in Action.

Elisa Cruz defensora pública no Rio de Janeiro. Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora na FGV Direito Rio.

Hugo Gomes Zaher é juiz de Direito na Paraíba. Mestre em Direito. 1° vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ).

Marília Golfieri Angella é advogada atuante em Direito de Família e Social, com ênfase em Infância e Juventude. Professora Colaboradora do FGV Law. Mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões na Universidade Cândido Mendes/IBDFAM. Membro da Comissão de Infância e Juventude no IBDFAM e na OAB/SP.