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Regulamentação do carregamento de veículos elétricos em condomínios no Brasil

O texto aborda desafios legais e técnicos para a implementação de carregadores de veículos elétricos em condomínios, destacando normas e lacunas regulatórias.

19/12/2024

O avanço tecnológico em benefício da humanidade tem se manifestado de maneira notável em diversos setores, sendo o setor automotivo um dos mais expressivos exemplos dessa transformação.

No Brasil, o segmento de veículos híbridos e elétricos destaca-se por seu crescimento exponencial, refletindo a consolidação de uma tendência global em direção à mobilidade sustentável.

De acordo com a ABVE - Associação Brasileira do Veículo Elétrico1, no Brasil, considerando o período de janeiro a novembro de 2024, foram vendidos 138.581 veículos elétricos, isto é, a análise e o monitoramento desses dados revelam-se imprescindíveis para compreender as tendências de adoção de tecnologias de baixo carbono, bem como para identificar os padrões geográficos que caracterizam a expansão da eletromobilidade.

Considerando a evidente popularização dos veículos elétricos no Brasil, o ordenamento jurídico precisa abordar os aspectos legais, normativos e práticos relacionados aos veículos elétricos em condomínios, o que resulta na necessidade de regulamentações específicas para permitir o ingresso dos veículos elétricos no planejamento urbano e a adaptação ao atual quadro fático.

Em âmbito nacional, a ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas estabeleceu, por meio da NBR 17.019/22, os requisitos para instalação de infraestrutura de recarga de veículos elétricos em locais residenciais e comerciais, abrangendo segurança elétrica, dimensionamento de carga e especificações técnicas.

No Brasil, algumas incorporadoras estão comercializando novos empreendimentos imobiliários, aprovados por meio da lei 4.591/64, garantindo vagas de garagem com possibilidade de carregamento de veículo elétrico com base na NBR 17.019/22, no entanto, a carência legislativa específica traz insegurança aos órgãos responsáveis pela aprovação e regularização dos referidos empreendimentos imobiliários e, consequentemente, ao consumidor final das unidades a serem construídas.

No município de São Paulo, por exemplo, a lei 17.336/20 dispõe sobre a obrigatoriedade da previsão de solução para carregamento de veículos elétricos em condomínios residenciais e comerciais, por meio de modo de recarga do veículo elétrico, conforme as normas técnicas brasileiras, medição individualizada e cobrança da energia consumida, conforme os procedimentos das concessionárias de energia elétrica, porém, não estabelece os métodos a serem implementados, tampouco a garantia da segurança pública quanto ao carregamento dos veículos elétricos em locais fechados ou abertos.

Considerando que os incêndios dos veículos elétricos são de difícil extinção, bem como a grande dissipação de gases tóxicos e do calor com alto potencial de reignição do incêndio, o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo emitiu a minuta do parecer técnico, por meio da portaria CCB-001/800/24, datada de 2/4/24, visando conhecer, estudar e analisar as especificidades dos espaços destinados à recarga das baterias de veículos elétricos, bem como sugerir medidas de segurança contra incêndio.

A referida portaria do Corpo de Bombeiros ratifica as especificidades técnicas da NBR 17.019/22, quanto à instalação dos pontos de recarga e estabelece outros critérios como, por exemplo, a necessidade de aprovação de projeto técnico, sendo vedado o licenciamento simplificado em alguns casos.

Convém salientar que o Corpo de Bombeiros orienta que, em razão dos riscos, deve ser fomentado, aqui especialmente destacado o mercado imobiliário, que os pontos de recarga de veículos elétricos devam ser, preferencialmente, instalados em áreas descobertas e externas à edificação, de modo a otimizar a segurança e acessibilidade, com o objetivo de proteger os condôminos, o patrimônio e o meio ambiente.

Atualmente, a situação fática do ordenamento jurídico é compreender os riscos dos veículos elétricos e seus pontos de carregamento, as necessidades dos usuários e os iminentes avanços tecnológicos no Brasil, mas, para isso, há de se avaliar três hipóteses: (i) condomínios construídos e em uso; (ii) condomínios aprovados e em fase de obras; e (iii) condomínios em fase de aprovação.

A adaptação de condomínios, construídos e em uso, enfrenta desafios como a infraestrutura elétrica inadequada e a resistência dos condôminos, porém, permite maior analogia aos casos abrangentes na lei, como a aprovação do projeto por meio de alteração da convenção de condomínio, seguindo as regras da lei de incorporações imobiliárias 4.591/64, bem como os termos da NBR 17.019/22, e as orientações de conduta do Corpo de Bombeiros local, se for o caso, no entanto, é de suma importância observar o espaço físico para as implantações necessárias.

O inciso III, do art. 10, da lei 4.591/64 proíbe que o condômino destine a unidade para utilização nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos. Neste sentido, mesmo que a lei introduza o assunto de modo taxativo quanto à unidade, há de se compreender, também, a vaga de garagem como unidade autônoma, bem como a composição da vaga de garagem com a fração ideal da unidade autônoma.

No Estado de São Paulo, há ampla discussão acerca das vagas de garagem, especialmente em virtude da insuficiência de capacidade edificada para atender à crescente demanda por espaços destinados ao estacionamento de veículos automotores, resultando no dimensionamento reduzido das vagas, na proximidade excessiva entre os veículos, bem como na formação das denominadas “vagas presas”, onde os condôminos são compelidos a compartilhar o acesso aos seus veículos para viabilizar o estacionamento dos demais proprietários, seja em pares ou trios de vagas, o que acarreta desafios operacionais e potenciais conflitos internos.

Mantendo o exemplo do Estado de São Paulo, de acordo com a portaria CCB-001/800/24 do Corpo de Bombeiros, para implantação do sistema de carregamento de veículos elétricos, as vagas devem ser separadas entre si, e entre as demais vagas de veículos que não possuam carregamento, interpondo distanciamento de 5 metros de comprimento. Sendo assim, cada vaga que possuir carregamento de veículo, deverá haver distanciamento entre os demais veículos e paredes de 5 metros, aumentando em, pelo menos, 10 metros o tamanho da vaga de garagem, o que é simplesmente inviável na maioria dos empreendimentos edificados em São Paulo.

Uma excelente alternativa para esses empreendimentos que não possuem capacidade física para a implantação de vagas de carregamento de veículos elétricos é destinar uma área comum do condomínio para a implantação de eletroposto de recarga rápida, controlada por aplicativo de celular, de modo a facilitar o uso regular e constante dos condôminos.

Ressalta-se, ainda, que a alteração da destinação de qualquer área comum de um condomínio requer a alteração da convenção de condomínio, aprovação do novo projeto e registro das alterações no competente cartório de registro de imóveis.

Quanto aos condomínios aprovados e em fase de obras, há duas distintas situações fáticas, sendo: (i) o condomínio que foi aprovado e está sendo construído sem a observação das orientações do Corpo de Bombeiros competente; e (ii) o incorporador que deseja alterar o projeto aprovado para implementar as vagas de carregamento de veículos elétricos.

Sumariamente, vale salientar que o exemplo do Estado de São Paulo não é objeto para alteração de projeto de empreendimentos imobiliários que preveem a implantação do sistema de carregamento de veículos elétricos. No caso em tela, a minuta do parecer técnico do Corpo de Bombeiros de São Paulo é, ainda, uma mera orientação e demonstração de necessidade de regulamentação do assunto, visto que carece de força normativa.

Atualmente, os empreendimentos que estão aprovados, registrados e comercializados contendo a previsão de carregamento de veículos elétricos devem se manter inalterados, no entanto, caso o incorporador deseje alterar o projeto aprovado e comercializado, deverá cumprir as regras da lei 4.591/64, sobretudo no tocante ao art. 43, inciso IV, o qual proíbe o incorporador de alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal.

Sob a visão do mesmo inciso IV, do art. 43, da lei de incorporações imobiliárias estão os empreendimentos onde o incorporador deseja alterar o projeto aprovado para implementar as vagas de carregamento de veículos elétricos.

Especificamente ao município de São Paulo, a lei 17.336/20 tornou obrigatória a previsão de solução para carregamento de veículos elétricos em condomínios, assim sendo, há uma previsão legislativa, em outras palavras, uma exigência legal que permite a alteração do projeto para a implantação dos sistemas de recarga dos veículos elétricos.

Importante observar que a exigência legal do município de São Paulo está limitada aos empreendimentos protocolados a partir da data de vigência da lei, isto é, os empreendimentos protocolados a partir de 31/3/21 (art. 6º da lei municipal de São Paulo 17.336/20).

Considerando a limitação da norma municipal, os empreendimentos protocolados até 30/3/21 não poderão requerer a alteração do projeto por força legislativa, sendo obrigados à submissão da autorização unânime dos interessados, quais sejam, os compradores e promitentes compradores dos empreendimentos imobiliários, nos termos do inciso IV, do art. 43 da lei 4.591/64.

Os condomínios em fase de aprovação devem, obrigatoriamente, considerar as condições fáticas atuais e o contínuo avanço da tecnologia no Brasil, submetendo-se integralmente às leis municipais aplicáveis, às normas expedidas pelo Corpo de Bombeiros competente e, de forma destacada, aos preceitos estabelecidos pela ABNT por meio da NBR 17.019/22.

A eletromobilidade desempenha um papel central na transição global para uma economia sustentável e de baixo carbono, por isso, a regulamentação do carregamento de veículos elétricos em condomínios é um tema em evolução, que requer alinhamento entre legislação, normas técnicas e práticas sustentáveis.

Não há norma que imponha aos condomínios a obrigatoriedade de implementação de sistemas de carregamento de veículos elétricos, assim como não há, no presente momento, viabilidade física segura que justifique a imposição de exigências legais nesse sentido.

Cabe, portanto, a cada condomínio, de maneira autônoma e isolada, observar as suas peculiaridades estruturais e os interesses coletivos dos condôminos, proceder a análise sobre a viabilidade e a conveniência da implantação de infraestrutura destinada ao carregamento de veículos elétricos.

No tocante aos futuros empreendimentos, incumbe ao mundo jurídico promover o fomento de debates especializados, a realização de palestras e audiências públicas, além da elaboração e regulamentação de normas técnicas específicas que disciplinem a matéria, assegurando um arcabouço normativo adequado às demandas emergentes.

Em suma, é iminente a necessidade de lei específica sobre a regulamentação dos veículos elétricos em condomínios, abrangendo não só os incentivos fiscais, mas também a segurança dos usuários e condôminos, consumidores finais e partes vulneráveis de qualquer relação contratual, de modo a garantir a promoção da segurança jurídica para os incorporadores imobiliários que se alinhem às inovações tecnológicas globais, favorecendo uma transição mais eficiente e ordenada para a mobilidade elétrica, em conformidade com os princípios de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável.


1 Associação Brasileira do Veículo Elétrico - Disponível aqui.

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Coordenação

Alexandre Junqueira Gomide é doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Advogado, professor e parecerista.

André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor na pós-graduação em Direito Imobiliário da Puc-Rio e em outras instituições. Sócio do escritório Longo Abelha Advogados.