Migalhas Edilícias

Sobre o despejo extrajudicial - Algumas anotações

O país avança na resolução de conflitos extrajudicialmente, como divórcios e despejos, pela rapidez, eficácia e menor custo. Projetos legislativos visam ampliar essas soluções mantendo a segurança jurídica.

12/12/2024

O país vem evoluindo consistentemente no campo da solução de conflitos sem a invocação do Poder Judiciário.

São processados extrajudicialmente, por exemplo, os divórcios, os inventários com ou sem testamento, com ou sem herdeiros menores de idade; a adjudicação compulsória; a usucapião. Não existe notícia de reclamações ou impugnações em quantidade sensível, a demonstrar quão satisfatórias são tais soluções não judiciais.

Lembremos, aliás, da “consignação em pagamento” para a qual se abriu a possibilidade de exercício não judicial em 1994 (ainda antes do atual CPC, se tratou de evolução quanto ao Código de 1973) – sem problema sério algum tendo sido arguido.

Esse afastamento da solução judicial tem agradado a todos devido à velocidade e à eficácia maiores, aos custos menores, à obtenção de segurança jurídica idêntica à alcançada judicialmente, à liberação do assoberbado Judiciário para que possa julgar questões mais intrincadas.

Por evidente, lesão alguma é afastada da apreciação judicial, exatamente conforme o comando constitucional (art. 5º - XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).

Quanto aos processos judiciais de despejo por falta de pagamento, a par de sabido que não exigem maiores empenhos de erudição, já estando bastante sistematizada a respectiva operação há décadas (e raramente levantada questão processual em nossos tribunais), temos desde 1991, ao menos, a certeza legal, declarada no art. 80 da lei das locações: “As ações de despejo poderão ser consideradas como causas cíveis de menor complexidade”. Esse dispositivo legal permite que tais ações sejam julgadas até em “Juizados Especiais”, a depender de normatização específica, certamente. Seja como for: De fato e de lei, são procedimentos sem complexidade, simples.

Detectando esse quadro em que se somavam a boa acolhida social dos procedimentos não judiciais, com a simplicidade das ações de despejo, os juristas cariocas Arnon Velmovitsky e Carlos Gabriel Feijó de Lima desenvolveram estudos e passaram a preconizar o despejo extrajudicial, levando aos casos de inadimplemento de aluguéis e de consignação de chaves do imóvel locado, a possibilidade de solução sem que seja necessário percorrer os caminhos forenses.

Seus estudos, realizados na época da pandemia, findaram acolhidos no PL 3.999/20, do deputado Hugo Leal, seguindo-se a sua análise pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, quando foi relator o deputado Celso Russomano, que apresentou um projeto substitutivo, aprovado pela mesma Comissão. Atualmente, o PL está sob análise da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania, aguardando-se o trâmite.

Particularmente, estranhei a remessa do PL para a Comissão de Defesa do Consumidor, pois locação imobiliária não é matéria de consumo, já o disse o STJ (AgRg no AREsp 101.712/RS, relator ministro Marco Buzzi, julgado em 3/11/15) secundado por tribunais em todo o país. As locações são regidas pela lei específica se não pelo Código Civil n’ algumas situações, jamais pelo CDC.

Mas, o projeto está tramitando graças ao seu mérito indiscutível, e cuida não somente do despejo extrajudicial, mas também da consignação extrajudicial de chaves, alterando pontualmente a lei 8.245, de 18/10/1991 (que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes).

A iniciativa certamente merece aplausos, e a esperada legislação reforça a necessidade essencial do despejo por falta de pagamento: A celeridade. Cada dia importa, pois o débito se eleva, de sorte que assegurar a simplificação do procedimento, a agilidade e a efetividade, é imprescindível, a justificar a modalidade extrajudicial desejada, preservada a segurança jurídica necessária.

A finalidade remota? Estimular as locações, melhor regulá-las para que possam ser mais e mais utilizadas (a propósito: O princípio da finalidade não é constituitivo, mas regulador”, ensinou Kant).

Evidentemente direito algum poderá ser retirado de locador ou locatário em consequência do caminho escolhido, judicial ou extrajudicial. Tão somente objetiva-se abrir mais um modo de resolver tais problemas locatícios. Afinal, jamais seria o talher de peixe ou de carne que definiria o almoço... ao contrário!

Realmente, judicial ou não judicial, o despejo atende aos direitos dos contratantes; há de assegurar, por ilustração, o direito à purga da mora e a sua limitação exatamente como os temas são cuidados no âmbito forense, sempre obedecidas as solenidades estatuídas na lei. Enfim: Almeja-se simplificar e baratear os procedimentos, atingindo-se maior velocidade.

Obviamente, perseguem-se a utilidade e a equidade na nova lei. Nas palavras de Burke (1.729 – 1.797), “there are two, and only two foundations of law, equity and utility”, algo como: S+ão somente dois os fundamentos da lei: Equidade e utilidade. E, acredito que tal se atinja na lei em elaboração.

Assim, a par de serem cumpridos termos e conceitos já presentes no arcabouço legal vigente, será importante, esta é a sugestão ora resumida e posta sob debate, que a legislação cuide (e certamente isso é estudado pelos legisladores) de:

  1. Diminuir ao mínimo, mas respeitada a segurança jurídica, os atos e passos do procedimento, assegurando velocidade e custos reduzidos. As solenidades existirão, mas deverão ser avaliadas sob os prismas da adequação e da finalidade;
  2. Na trilha do que é disposto no art. 62 da lei das locações, contemplar a “falta de pagamento do aluguel e acessórios da locação, de diferenças de aluguel ou somente de qualquer dos acessórios da locação”;
  3. Clarear e afastar a eventual imputação de que seria necessário contrato escrito, habilitando os procedimentos também a locações verbais, desde que seguramente provadas;
  4. Prever que a aplicação da nova legislação não dependerá de estipulação no contrato de locação, afastando eventuais distorções que impeçam a sua utilização, ou seja: Permitindo a aplicação imediata em todas as locações;
  5. Considerar a participação de advogado, para assegurar o respeito à lei e evitar alegações de que a ignorância sobre os temas legais teria levado a este ou àquele ato (malgrado seja certo que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, na letra do art. 3º, da lei de introdução às normas do Direito brasileiro). A participação de advogado não é estranha em procedimentos extrajudiciais: Ele participa, por exemplo, nos inventários ou em usucapiões, respeitando o art. 133, da Constituição Federal (“O advogado é indispensável à administração da justiça...”);
  6. Regular a purgação da mora e os seus limites de modo congruente com a atual lei das locações;
  7. Na esteira, prever que o depósito dos aluguéis devidos ou das chaves consignadas se faça unicamente no cartório, evitando-se alongamentos decorrentes de discussões e imprecisões;
  8. Assegurar que a desocupação realizada não elidirá o direito de cobrança de aluguéis e verbas locatícias em aberto, nem tampouco afastará a cobrança de indenizações por danos por ambos os contratantes;
  9. Garantir e regular, expressando adequadamente, o livre e posterior acesso ao Poder Judiciário, se necessário, como a Constituição prevê.

São, evidentemente, alguns itens lembrados por mais este – dentre tantos e mais ilustres – estudioso da matéria, sempre com o objetivo do aperfeiçoamento e crescimento das locações imobiliárias urbanas.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Coordenação

Alexandre Junqueira Gomide é doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Advogado, professor e parecerista.

André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor na pós-graduação em Direito Imobiliário da Puc-Rio e em outras instituições. Sócio do escritório Longo Abelha Advogados.