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A Lei do Distrato e a aplicação do art. 413 do CC: Uma perspectiva a partir da análise econômica do Direito

O presente artigo tem como objetivo principal discorrer sobre a aplicação do art. 413 do CC à Lei dos Distrato em situações em que o comprador busca reduzir o valor estipulado contratualmente à título de cláusula penal.

22/6/2023

O presente artigo tem como objetivo principal discorrer sobre a aplicação do art. 413 do CC à Lei dos Distratos (lei 13.786/2018), em situações em que o comprador busca reduzir o valor estipulado contratualmente à título de cláusula penal. Dispõe o art. 67-A, §5º, introduzido na Lei n. 4.591/64 que, quando a incorporação estiver submetida ao patrimônio de afetação, a penalidade referida no inciso II do caput poderá ser estabelecida em até 50% da quantia já paga, desde que o distrato ou resolução por inadimplemento absoluto da obrigação tenha como origem o adquirente.

Referido dispositivo foi criado justamente pela grande crise pela qual passou o setor imobiliário a partir dos anos de 2013 e 2014 (quando os lançamentos de imóveis novos chegaram a diminuir 56%1), provocada por razões macroeconômicas e também por uma enxurrada de extinções de promessas de compra e venda promovidas pelos adquirentes.

Ora, quanto à constitucionalidade da legislação e/ou da validade do próprio dispositivo legal (art. 67-A, §5º), entendemos ser debate plenamente superado, conforme o próprio STJ, já se manifestou sobre o tema, como no REsp 2.023.713/SP, de Relatoria do Ministro Moura Ribeiro2, bem como no caso do AgInt no Resp n. 2.055.691/SP, de relatoria do Ministro Raul Araújo.

Sob o tema em análise, no plano dogmático, André Abelha, em seu artigo intitulado “lei 13.786/2018: Pode o Juiz Reduzir a Cláusula Penal?”, chegou à seguinte conclusão: que o art. 413 do CC aplica-se normalmente ao referido art. 67-A, porém, com uma redução da multa para 50%, se comparado com o teto previsto no art. 412 do CC, de 100%3. Dito de forma diversa, para André Abelha, não poderia ser afastada a possibilidade de redução, pelo Judiciário, da penalidade contratual pactuada, mesmo que ajustada pelas partes dentro dos limites previstos na lei 13.786/20184. Porém, o mesmo autor ressalta que tal medida é excepcional e que apenas poderá ocorrer quando houver “excesso manifesto”5. Obviamente, fica implícito que o ônus da prova seria do adquirente do imóvel, dado que a lei presumiu a legalidade da multa de 50% da quantia paga, presumindo sua razoabilidade e legalidade e também presumindo o prejuízo experimentado pelo vendedor.

Parece-nos claro que a grande problemática existente no presente debate seja a dificuldade de conceituar ou, ao menos, elucidar critérios para uma conceituação de “penalidade manifestamente excessiva”6, indicada no art. 413 do CC. Dito de outra forma, a utilização de conceitos com definições vagas ou subjetivas cria problemas práticos significativos, tanto na seara do direito material quanto processual.

É possível identificar que boa parte da jurisprudência sobre esse tema aplica o art. 413 do CC sem a indicação prática dos reais motivos pelos quais a multa seria “manifestamente excessiva”. Em outras palavras, o Juízo acaba por não fundamentar a sua decisão, nos termos exigidos pelo art. 489, §1º, do CPC e, também, acaba por não indicar as partes o que seria, efetivamente, um típico caso de cláusula penal “manifestamente excessiva”.

Dito de outra forma, parece-nos que a fundamentação utilizada em determinado caso poderia ser utilizada em outro, tamanha a ausência de indicadores concretos sobre o que seria uma multa “manifestamente excessiva”.

Isso tudo provoca um alto grau de insegurança jurídica e subjetividade, com alta probabilidade de que o caso jurídico, na prática, mesmo sem a prova de que a cláusula penal seja “manifestamente excessiva” pelo adquirente, seja revisado, com a redução do seu percentual previsto em contrato.

Dito de forma diversa, aquele contrato firmado, de boa-fé, com a plena ciência e concordância das partes com os seus termos e condições, se judicializado, pode ser modificado, sem efetivos e concretos parâmetros para tanto.

Essa afirmação pode ser exemplificada em caso paradigmático, julgado pela 28ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP. Trata-se de análise sobre compromisso de compra e venda de imóvel firmado em 2019, portanto, submetido à Lei n. 13.786/2018. No caso, a resolução contratual partiu do adquirente, pelo seu inadimplemento. No mérito, foi debatida a excessividade (ou não) da cláusula penal de 50% sobre o valor já pago, nos termos do art. 67-A, §5º, da Lei n. 4.591/64.

Em seu voto, o Desembargador Relator dispôs o seguinte: “Isto não significa, entretanto, que essa cláusula penal não possa, como qualquer outra, à luz da função social do ajuste e sem prova concreta de prejuízo capaz de autorizar retenção dessa envergadura, ser reduzida a patamares não abusivos, sobretudo a partir do caráter principiológico da Lei nº 8.078/90 e do seu status constitucional, como abordei em obra doutrinária”7. Em momento seguinte, o Relator prossegue: “A multa/retenção de 50% sempre foi e continuará sendo abusiva, como inúmeras vezes reconhecido pelo Excelso Superior Tribunal de Justiça, que permitia a flutuação desse componente entre 10% a 25%, como já elucidado”.

Identifica-se, de pronto, no referido caso, que para o referido magistrado, a prova cabal do prejuízo por parte da incorporadora seria fundamental, ignorando completamente o previsto no art. 416 do CC. Como já mencionado, atribuiu-se o ônus da prova ao vendedor do imóvel, que é o credor da cláusula penal tratada especificamente pela lei.

No segundo trecho supracitado, é possível identificar que, o resultado do recurso seria o mesmo, independentemente das provas que fossem acostadas. Quando é mencionado o seguinte trecho: “A multa/retenção de 50% sempre foi e continuará sendo abusiva (...)”, fica claro o posicionamento pessoal do magistrado, independentemente do caso apresentado. Esse é o ponto crucial.

Casos julgados dessa forma – para além de sua ilegalidade e irrazoabilidade – transmitem à sociedade incentivos econômicos perversos, que podem induzir aos players do mercado a conotação de que a determinação existente no art. 67-A, §5º da Lei n. 4.591/64 não será acolhido pela jurisprudência.

E tudo isso feito sem que magistrados atentem, na prática, para as consequências econômicas e sociais de suas decisões recheadas de boas intenções e impregnadas de “justiça social”, que seria obrigação legal na forma do art. 20 da LINDB, que se aplica, por analogia, ao direito civil.

Nessa esteira, a apreciação jurisdicional do art. 67-A, §5º da Lei n. 4.591/64, em conjunto com o art. 413 do CC, tem carecido de maiores explicações sobre suas consequências práticas!

No momento em que se torna impossível atribuir ao caso concreto o mínimo de previsibilidade, aumentamos a judicialização e, consequentemente, os custos de transação às partes contratantes. Essa consequência causada pelo Poder Judiciário é prejudicial à sociedade como um todo, prejudicando a tomada de decisão e diminuindo o investimento privado no ramo da construção civil, que está entre as cinco atividades econômicas que mais empregam no país8.

Portanto, os incentivos emanados pelo Poder Judiciário importam e, consequentemente, são balizadores para as tomadas de decisão pelos agentes. Sendo assim, a revisão de cláusulas penais sem qualquer justificativa e apontamento concreto do motivo, parece-nos prejudicial a todo o mercado imobiliário, fazendo com que os preços aumentem de forma desfavorável aos adquirentes.

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1 Disponível aqui. Acessado em 20 de junho de 2023.

2 AgInt no REsp n. 2.023.713/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 30/11/2022.

3 ABELHA, André. Lei 13.786/2018: Pode o Juiz Reduzir a Cláusula Penal? In: Lei dos Distratos: Lei 13.786/2018, Olivar Vitale (Coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 49.

4 ABELHA, André. Lei 13.786/2018: Pode o Juiz Reduzir a Cláusula Penal? In: Lei dos Distratos: Lei 13.786/2018, Olivar Vitale (Coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 47.

5 ABELHA, André. Lei 13.786/2018: Pode o Juiz Reduzir a Cláusula Penal? In: Lei dos Distratos: Lei 13.786/2018, Olivar Vitale (Coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 48.

6 Ao comentarem o art. 413 do CC, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery advertem: “Para que se possa chegar à determinação do que seja manifestamente excessiva não se pode, pois, levar em consideração apenas o valor da cláusula penal em confronto com o efetivo prejuízo, já que é da essência da pena o seu valor pode ser, mesmo, maior que o do efetivo prejuízo. Além da análise da proporcionalidade entre o valor da pena e o prejuízo causado, devem ser buscados outros critérios para a aferição da necessidade da redução equitativa da pena pelo juiz, como, por exemplo, o grau da culpa, a função social do contrato e a base econômica em que foi celebrado” (in Código Civil Comentado. São Paulo. RT. 2011, 8ª Ed., p. 529).

7 COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL. Rescisão contratual requerida pelos autores. Possibilidade. Art. 53 do CDC e Súm. 543 do STJ. Ajuste posterior à Lei nº 13.786/18. Retenção reduzida para 25% dos valores pagos. Razoabilidade. Hipótese em que é possível a adoção de critério simétrico àquele usado pelo STJ para vínculos antigos no intuito de reduzir a cláusula penal, como qualquer outra, a patamares não abusivos. Incidência do art. 413 do CC. É impossível admitir um direito adquirido ao abuso.  A multa/retenção de 50% para empreendimentos com regime de afetação de patrimônio sempre foi, e continuará sendo, abusiva. Precedentes específicos da Corte e desta Câmara. Recurso provido em parte.   (TJSP;  Apelação Cível 1018599-32.2021.8.26.0002; Relator (a): Ferreira da Cruz; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/08/2022; Data de Registro: 31/08/2022).

8 Disponível aqui. Acessado em 20 de junho de 2023.

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Coordenação

Alexandre Junqueira Gomide é doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Advogado, professor e parecerista.

André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor na pós-graduação em Direito Imobiliário da Puc-Rio e em outras instituições. Sócio do escritório Longo Abelha Advogados.