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Racionalidade do Princípio da Concentração no Registro Imobiliário

Racionalidade do Princípio da Concentração no Registro Imobiliário

7/4/2022

A lei existe para gerar paz e estabilidade social. Quando ela não produz tais efeitos precisa ser adequada. Nesta perspectiva é que foi publicado o art. 54 da lei 13.097/15, preenchendo uma lacuna que afligia a toda sociedade brasileira.

Antes de existir tal dispositivo, a lógica estabelecida para as contratações imobiliárias era irracional. Exigia-se de quem pretendia adquirir um imóvel a obrigação de realizar uma via crucis infindável, consideradas as diversas competências jurisdicionais, no intuito de tentar desvendar a existência de alguma ação judicial contra o vendedor tendente a gerar efeitos perante o negócio jurídico que se pretendia realizar, sem que fosse possível alcançar a segurança esperada, pois a apresentação de certidões dos distribuidores forenses não assegurava, na plenitude, a inexistência de processo ou de citação regular.

De um lado tínhamos o vendedor tentando alienar seu imóvel, mas sem informar eventual demanda pela qual respondia (desatendida aí, por si só, a boa fé), e, do outro, o comprador tentando, apoiado nos mecanismos que até então lhe eram oferecidos, desvendar um mistério. Tal busca, além de retardar a realização do negócio, era muito onerosa. O custo do Direito, consequentemente, era demasiadamente acentuado para o objeto investigado (alcance de informações fidedignas).

Qual foi, então, a evolução implementada neste processo de busca de informações visando a uma contratação imobiliária segura? Aplicar a lógica que proclama Dormientibus non succurrit jus (o Direito não socorre aos que dormem). Ao invés de repassar à sociedade o custo da investigação, passou-se a exigir uma proatividade de quem deseja alcançar a oponibilidade do seu interesse, publicizando-o na matrícula do imóvel. Se alguém tem alguma pretensão envolvendo um imóvel deve lhe conferir publicidade para que esteja protegido. Não o fazendo, terá para si o ônus de provar que um adquirente de imóvel não estava de boa-fé. Toda ação tem uma reação: averbando seu interesse terá a presunção de fraude para alegar, cancelando um registro de transmissão se não houver patrimônio para resguardar a ação; não averbando, terá de provar a fraude na negociação.

Assim, foi necessário estabelecer a ideia de concentrar em um único órgão a informação necessária para uma contratação imobiliária segura, reduzindo a assimetria da informação e tornando o custo do Direito menor, gerando uma maior eficiência econômica. Nesta nova lógica todos ganham. O mecanismo hoje requerido é que se averbe um interesse na matrícula do imóvel e, para isso, a Lei ocupou-se até mesmo de prever uma despesa básica correspondente (ver art. 56, §1º da lei 13.097/15, ou art. 98, §1º, IX do Código de Processo Civil). Quem optar por não publicizar seu interesse na matrícula do imóvel assume para si o ônus de provar que houve fraude na alienação do mesmo.

É evidente a transformação e a evolução. Fraude poderá ser caracterizada quando ocorrer uma alienação de imóvel contra interesse previamente publicizado na matrícula, e não quando não houver a demonstração deste interesse. Possível correlacionar a matéria com os princípios da rogação ou instância, do protocolo e da inércia.  

Com efeito, restou estabelecido, hoje, o ônus legal do interessado em publicizar seu interesse, e não mais um ônus para a sociedade de ter que realizar amplas investigações e buscas de diversas certidões, em inúmeros órgãos e jurisdições, até porque estas buscas não garantiam absolutamente o negócio.

Ressalta-se, o propósito da Lei é o de permitir a ordem e a estabilidade social, o que vem sendo alcançado pela inovação para o Direito e para a Economia, decorrente do art. 54 da lei 13.097/15.

Na prática, já se percebe como o Poder Judiciário, em especial a Justiça Laboral, vem acertadamente enfrentando a questão. Relevante destacar recente julgado do Tribunal Superior do Trabalho (TST - ROT: 16793420185090000, Relator: Alexandre De Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 18/05/2021, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 21/05/2021), através do qual, em apertada síntese, o Tribunal manteve decisão que julgou procedente a ação rescisória em homenagem à segurança jurídica, respeitando quem, desvestido de má-fé, ainda buscou informação no ambiente próprio, no caso, o Registro de Imóveis, e não encontrou publicizado interesse jurídico contraditório algum sobre o imóvel, apresentado por quem demandava contra o seu proprietário.

Segundo consta do decisum, reportando-se ao art. 54, parágrafo único da legislação em evidência, “5. Com o aludido dispositivo da Lei 13.097/2015 consagrou-se o princípio da concentração dos atos registrais, com vistas a conferir maior segurança jurídica àquele que adquire um imóvel de boa-fé, uma vez que exige que todas as informações sobre o bem constem na sua matrícula, inviabilizando qualquer pretensão futura de decretação de ineficácia do negócio calcada em elemento estranho ao registro.”.

Pondera-se que o princípio da concentração - salvo nas exceções previstas no §1º do art. 54 da lei 13.097/15 (arts. 129 e 130 da lei 11.101/05 e nas hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independa de registro imobiliário) e quando da incidência do art. 185 do Código Tributário Nacional (norma com status de lei complementar) -, servirá para afastar os efeitos deletérios de situações ocultas ou clandestinas, não protegidas porque não publicizadas pelo modo como a Lei hoje considera essencial para a proteção da sociedade.

Vale lembrar que o Código de Processo Civil, em 2006, quando do advento da lei 11.382, fomentou a aplicação do Princípio da Concentração, através do art. 615-A. A partir deste momento o credor passou a ter a faculdade de averbar a distribuição da execução de modo a prevenir a fraude à execução. Com a criação da certidão premonitória – e aqui, pedimos vênia para utilizarmos a feliz nomenclatura atribuída a este ato pelo insigne Registrador Sérgio Jacomino – o quadro mudou, antecipando os efeitos dessa presunção antes mesmo da citação do devedor/executado. Logo, o exequente não precisa aguardar o aperfeiçoamento da penhora, podendo, desde a instrução da ação de execução, antes mesmo da citação, assegurar a publicidade do seu interesse. Até mesmo quando da distribuição de ação de conhecimento é possível noticiar um interesse na matrícula, exigindo manifestação judicial específica (art. 54, IV da lei 13.097/15).

Posteriormente, em 2010, com a edição da súmula 375 do STJ, solidificou-se em plenitude o Princípio da Concentração que, em conjunto com a referida súmula, tem permeado os decisórios da Corte superior, sendo a orientação jurisprudencial consolidada, como se percebe da leitura da ementa a seguir reproduzida:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA PARTE AGRAVADA. 1. Segundo a orientação jurisprudencial consolidada nesta Corte, o reconhecimento da fraude à execução exige a anterior averbação da penhora no registro do imóvel ou a prova da má-fé do terceiro adquirente, consoante se depreende da redação da Súmula n. 375/STJ e da tese firmada no REsp repetitivo de n. 956.943/PR 1.1 Hipótese dos autos em que o Tribunal de origem, ante a inexistência de prévia penhora ou anotação de execução na matrícula do imóvel, reconheceu a ocorrência de fraude à execução, a partir de presunção de má-fé do terceiro adquirente. 2. Agravo interno desprovido. - (AgInt no AREsp 1016096/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2021, DJe 02/09/2021).

Finalmente, com a chegada do novo Código de Processo Civil ampliaram-se as possibilidades de publicização de interesses jurídicos na matrícula de um imóvel, cabendo ao exequente optar por dois tipos distintos de averbação: a da distribuição da execução, a partir da obtenção da certidão do ajuizamento do feito, nos termos do inciso XI do artigo 799 do CPC; ou, ainda, a da admissão da execução, nos termos do artigo 828.

A lógica que hoje está estabelecida é mais simples, gera maior eficiência (jurídica e econômica) e segurança: um interesse jurídico sobre um imóvel precisa estar publicizado no ambiente próprio (Registro de Imóveis) para alcançar oponibilidade perante terceiros. Simples assim. O registro é antitético da clandestinidade. Quem não deu a conhecer seu interesse averbando a existência de uma ação na matrícula do imóvel assume para si o ônus de provar que o adquirente da propriedade não estava de boa-fé. Terá que realizar prova suficiente em juízo visando à desconstituição dos efeitos de um registro de transmissão.

Desse modo, ao contrário do que sustentava o vetusto entendimento (revogado), o art. 54 da Lei nº 13.097/15 não fragiliza o instituto da fraude à execução, mas, pelo contrário, colabora com ele quando elucida, com precisão, que não se deve transferir à sociedade o custo e o ônus de realizar a busca de certidões outras que não apenas a da matrícula do imóvel, o que vai ao encontro da tão esperada desburocratização. Neste sentido, a Medida Provisória nº 1.085/2021 também tratou de otimizar as formas de expedição de certidões, visando ofertar maior eficiência e celeridade aos contratos em questão.

Importante ressaltar, para concluir, sobre a vedação ao retrocesso. Neste sentido, deve ser enaltecida a decisão ora apresentada pela compreensão de que o melhor para o Brasil é conferir o máximo de efetividade ao dispositivo em evidência. Os interesses em jogo não são corporativos, mas da sociedade brasileira, a qual esperava o aperfeiçoamento da legislação agora experimentado

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Coordenação

Alexandre Junqueira Gomide é doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Advogado, professor e parecerista.

André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor na pós-graduação em Direito Imobiliário da Puc-Rio e em outras instituições. Sócio do escritório Longo Abelha Advogados.