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Leis anti-Airbnb - O que vem por aí

Leis anti-Airbnb - O que vem por aí.

16/9/2021

Quando ainda no Brasil analisamos as repercussões da decisão do Superior Tribunal de Justiça1 que possibilitou que condomínios residenciais decidam sobre a utilização das unidades para fins de hospedagem por intermédio de plataformas digitais, são muitas as cidades do mundo que nos últimos anos se ergueram contra este tipo de estadas de curta duração (short-stay ou short-term rental), aprovando leis e regulamentos que buscam proibi-las ou restringi-las, as novas leis que surgiram já são conhecidas como leis anti-Airbnb.

Diga-se de passagem, que a decisão não autoriza a proibição de locações por aplicativos, mas, sim aquelas, que em razão da oferta de serviços possam desvirtuar o caráter residencial sendo passíveis de vedação pela convenção condominial.2

Contudo, o acordão solucionou a controvérsia pontualmente, não estando afetado como recurso repetitivo, portanto sem vincular a mesma solução para todos os casos análogos.

Feito esse importante registro, prosseguimos. 

1. Introdução

Airbnb, fundada em San Francisco em 2008, se tornou em poucos anos uma das maiores empresas de turismo do mundo com presença global sendo um dos principais representantes da "economia do compartilhamento". Trata-se de uma plataforma de aluguel de hospedagens, que permite que qualquer pessoa disponibilize ou reserve acomodações ao redor do mundo.

Nos últimos anos apareceram diversas plataformas digitais com o mesmo escopo de proporcionar mecanismos de locação/hospedagem, porém com nichos específicos de mercado, dentre outras podemos citar Booking, Casai, Charlie, Nomah, ou Housi com operação recorrente no Brasil.

A facilidade de conectar locatários/hóspedes e locadores/anfitriões fazem dessas plataformas uma excelente alternativa para viagens, lazer ou até trabalho da nova geração nômada, mais apegada ao uso que à propriedade. Ademais trata-se de uma forma de valorização da propriedade e obtenção de renda suplementar para os proprietários de apartamentos, já que os valores e rentabilidade costumam ser muito mais altos nas curtas que nas longas estadas.

A Lei do Inquilinato, permite a locação por temporada com estadas de até 90 dias, sem estabelecer um prazo mínimo, onde o locador poderá cobrar antecipadamente o aluguel. Expirado o prazo contratual, que não poderá exceder de noventa dias e não admite prorrogação ou aditivo, disporá o locador de até trinta dias para ajuizar ação de despejo, do contrário, há automática prorrogação de contrato, somente sendo possível a denúncia vazia depois de 30 meses.3

Há entendimentos de que a natureza jurídica do contrato envolvendo a plataforma Airbnb e similares seria híbrida ou mista, traduzindo-se num contrato sui generis por envolver aspectos da locação e da hospedagem, com preponderância desta última.4

Independentemente da natureza jurídica são muitos os condomínios que visando problemas de segurança ou convivência decidiram banir ou restringir este tipo de locações de curta duração (short-stay) nos últimos tempos.

Em paralelo, duas cidades, Caldas Novas e Ubatuba, foram pioneiras no Brasil na criação de leis para regulação dos aluguéis de curta temporada tipo “hospedagem” exigindo o cadastro das unidades, recolhimento de impostos e taxas, assim como autorização na convenção de condomínio.5 

2. Regulações internacionais

O resto do mundo não é alheio a essa discussão e além do binômio propriedade-vizinhança atinge a preocupação pelo acesso à moradia e transformação urbana dos bairros.

Dessa forma, urbanistas pleiteiam que nos bairros centrais das grandes capitais turísticas, a oferta de apartamentos para aluguel de longo prazo diminua, visto que unidades residenciais são usadas para acomodar visitantes temporários. A consequência imediata dessa redução da oferta é o aumento dos preços de aluguel e compra.

Ademais, relatam consequências tangíveis e reais, sob a forma de gentrificação6, expulsão de população residente e, em última instância, perda de habitabilidade nos bairros pela substituição de moradores por turistas.

Nos últimos anos dois novos vocábulos, turistificação e turismofobia, se popularizaram para definir essas novas situações.7

O primeiro deles, refere-se às cidades ou bairros invadidos pelo turismo de massas, levando à perda de identidade dos destinos urbanos, ou seja, o comércio, serviços, meios de transporte ou espaço público. Este fenômeno, que atualmente está derivando em problemas graves, afeta significativamente cidades como Veneza, Paris ou Barcelona entre outras.

Devido à turistificação e à chegada massiva do turismo, existe uma aversão ou rejeição social do turismo por parte dos cidadãos locais; isso é conhecido como turismofobia.

Principalmente, é causado pela falta de planejamento dos destinos turísticos e aparece quando a capacidade de carga de um destino é excedida, causando problemas de degradação urbana e ambiental, o que produz rejeição e desconforto por parte dos residentes.

Com esse intuito, nos Estados Unidos várias cidades já impuseram restrições às locações de curta duração como Nova York, San Francisco, Santa Mónica, Las Vegas ou Nova Orleans entre outras.

Para a municipalidade de Nova York, nesses bairros onde operam as plataformas com contratos de locação de curta duração (short-term rental), além de problemas de segurança e conforto, a oferta de moradias disponíveis diminui e o caráter distintivo da comunidade se transforma.

Por tais razões, o tempo mínimo permitido de locação em Nova York é de 30 dias, caso se contrate por períodos inferiores, o proprietário precisa obrigatoriamente morar nesse local e estar presente durante toda a estada.8

Preocupada com a segurança dos apartamentos em caso de emergência ou incêndio, exige que as portas internas não tenham fechaduras que permitam aos hóspedes trancar os quartos, todos devem ter acesso a todos os quartos da unidade, de forma a não criar barreiras que dificultem a fuga.

Os proprietários ficam responsáveis por garantir a segurança em conformidade com a normativa vigente estadual e municipal, sob pena de avultadas multas.

Em 2019 sob o lema "você nunca pode saber quem tem a melhor pizza do mundo, mas você pode saber como prevenir aluguéis de curto prazo ilegais" lançou uma grande campanha de publicidade solicitando a colaboração dos próprios hóspedes e vizinhos para denunciar este tipo de locações de menos de 30 dias.9

Na Europa uma aliança de 22 cidades pressionou à Comissão Europeia por regras mais rígidas que regulem o mercado de aluguéis de curto prazo. Essas cidades alegam que a modalidade de aluguel de curta duração converte residências em hotéis e reduz drasticamente a disponibilidade de moradias disponíveis para locação convencional.10

De fato, o Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu conforme ao direito europeu a normativa francesa que somete a prévia autorização municipal, por meio de licença, às unidades destinadas a locação de curta temporada.11

Para a corte europeia de justiça a luta contra a escassez de habitação para aluguel de longa duração, com o objetivo de dar respostas à deterioração das condições de acesso a moradia e aumento das tensões no mercado imobiliário, constitui uma razão imperiosa de interesse geral que justifica essa regulamentação.

A lei francesa prevê que a atividade de aluguel turístico mobiliado só pode ser exercida em instalações de uso residencial após obtenção pelo titular de uma autorização específica concedida pela câmara municipal.12

Os regulamentos aplicáveis para as locações de curto prazo (também chamados de "turísticos") diferem dependendo se é uma residência principal ou secundária.

Assim Paris, só permite aos proprietários que aluguem sua residência principal durante 120 dias ao ano.13 Aqueles que ultrapassarem esse limite e aluguem a sua residência principal por mais de 4 meses nos últimos 12 correm o risco de uma multa de 5.000 a 10.000 euros.

O processo de autorização é declaratório e permite obter imediatamente um número de registro que deverá ser exibido nos anúncios na internet. Além disso, o proprietário deverá pagar uma taxa de turismo.

Quando se trate de segunda residência14 se estabeleceu um complicado mecanismo de compensação, nesse caso o proprietário deverá apresentar outras instalações não residenciais localizadas no mesmo distrito ou bairro, tais como escritórios ou lojas, e se comprometer a transformar em habitação cuja superfície seja o dobro do imóvel arrendado.15

Este requisito excessivamente restritivo serviu para desencorajar proprietários com vários imóveis e empresas que operavam nesse segmento em grande escala.

Ademais, as multas consideráveis por incumprimento da legislação podem ser impostas tanto aos proprietários como às plataformas. Diante disso, Airbnb montou uma ferramenta que bloqueia automaticamente anúncios que excedam o limite legal de 120 dias.

Barcelona é uma das principais cidades que mantém uma implacável guerra contra a plataforma Airbnb e com o bordão de fazer da cidade uma referência mundial do turismo sustentável impôs importantes multas à plataforma para obrigar a remover os anúncios daquelas hospedagens16 que não contavam com autorização municipal.

Inclusive, culpou às plataformas pela concentração de turistas em determinados bairros, o excesso de barulho e festas, assim como do aumento do preço do aluguel.

Todavia, a normativa municipal da Cidade de Barcelona, além da autorização, exige mais requisitos, como a adequação ao plano especial urbanístico (PEUAT), onde estabelece uma série de zonas específicas, nas quais, é limitado com mais ou menos intensidade a implementação e expansão das atividades turísticas.17

Além da normativa municipal deverá ser cumprida a estadual de uso turístico da Catalunha que estabelece um máximo de 15 hóspedes ou, caso seja inferior, o limite constante no certificado de conclusão (habite-se).18

A unidade deve estar suficientemente mobiliada e equipada com os eletrodomésticos e utensílios necessários para uma ocupação imediata. Aliás, o proprietário ou administrador deverá entregar aos usuários do imóvel documento que inclua as regras de convivência acordadas pelo condomínio. Este documento deve ser redigido, no mínimo, em catalão, espanhol, inglês e francês.

Por outro lado, o proprietário, deve garantir um serviço de assistência e manutenção do apartamento, assim como um telefone para resolver de forma imediata possíveis incidências.

Por sua vez, o apartamento deverá apresentar em local visível e de fácil localização o número de inscrição no registro de turismo de Catalunha. (NIRTC)

Como se não bastasse, em fevereiro deste ano a municipalidade de Barcelona entendeu que o mercado estava saturado, e considerando que existiam suficientes unidades turísticas, suspendeu as novas licenças de hospedagens turísticos durante os próximos dois anos.19

Por seu turno, a cidade de Madri, com base em suas competências municipais em disciplina urbana e preocupada com os perigos e consequências do que chama de "turistificação" 20, isto é, a massificação de turistas com sobrecarga do espaço público e serviços pela população flutuante, aprovou em 2019 um plano especial de usos.21

O plano especial divide a cidade em zonas, delimitadas por três anéis concêntricos ou cinturões com diferentes limitações em relação à atividade de curta duração.

Com esta divisão, Madri segue uma estratégia de descentralização na cidade e dispersão dos apartamentos de uso turístico afastando-os do centro urbano, quanto mais afastados, mais fácil será a obtenção da autorização municipal.

Por outro lado, nas zonas centrais a regulamentação é mais restrita exigindo acesso independente e localização em plantas baixas e primeiros andares.

Os apartamentos, ademais, necessitarão de uma licença turística para operar que será emitida a nível estadual pela Comunidade de Madri.

3. Conclusões  

Em síntese, a discussão não se esgota aqui e nos próximos meses veremos avivar conflitos condominiais, assim como propostas de regulação para tentar banir ou restringir estadas de curta duração confrontando direitos de propriedade com direitos de vizinhança.22

No contexto internacional o assunto, como ficou demonstrado, se amplia com considerações urbanísticas que salientam a diminuição de locações tradicionais, aumento progressivo dos preços e a transformação dos bairros.

Com independência das considerações jurídicas e específicas que atentem a classificar estas estadas como locação por temporada, hospedagem ou hospedagem atípica entendemos que no debate precisaremos ver, caso a caso, o que está sendo contratado assim como a vocação do prédio como um todo.

Assim, nos últimos anos em São Paulo vêm surgindo grandes empreendimentos de uso misto, bem localizados, com apartamentos menores, dotados de serviços, para atender a este tipo de locações que entendemos nascem com essa consideração e vocação para responder ao mercado de locação de curta duração.

Por outro lado, empreendimentos de caráter familiar com unidades maiores e com um predominante uso residencial, poderão ser objeto de certas restrições, na convenção condominial, uma vez que não foram concebidos para estadas de curta duração.

Contudo, o diálogo é muito mais amplo e a construção de um marco regulatório será fruto da participação de todos os envolvidos que não podem dar as costas às novas tecnologias e tendências que chegaram para ficar.

*Antonio Blanco é advogado. Mestre em Planejamento e Urbanismo pela Universidade Pontificia de Comillas (Madri, Espanha), Mestre em Administração de Empresas pelo Instituto de Empresa e pós-graduado em Direito Imobiliário pela FGV Direito- SP.

__________

1 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 1.819.075. 

2 Terra, Marcelo. Ainda o STJ e o aluguel residencial por temporada. Fonte: Estadão em 30/08/2021. Disponível aqui. 

3 Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991. Artigos 48º a 50º. 

4 Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Lígia Coelho Mathias. O sistema Airbnb e sua relação com o direito de propriedade e condomínio edilício. Revista Argumentum – RA, eISSN 2359-6889, Marília/SP, V. 20, N. 2, pp. 625-650, Mai.-Ago. 2019. 

5 Lei 4140, de 25 de janeiro de 2019, disciplina a instalação e funcionamento do meio de hospedagem remunerado em residência com prestação de serviços no município de Ubatuba/SP, e dá outras providências e Lei Complementar 99/2017 que regulamenta a exploração de imóveis residenciais como meio de hospedagem remunerada no município de Caldas Novas (GO), e dá outras providências. 

6 A socióloga britânica Ruth Glass criou o termo "Gentrification" (gentrificação) em 1964 para se referir às alterações no mercado imobiliário em certas áreas de Londres como causa ou consequência da chegada progressiva de populações de classe média e alta em bairros da capital que até então tinham sido ocupados por trabalhadores. O termo é derivado de "Gentry", que se refere à burguesia britânica. 

7 González Fernández, Cristina. Gentrificación y turismofobia: el caso de Barcelona. Dissertação para a obtenção do título em Turismo pela Facultad de Ciencias Económicas y Empresariales Universidad de León. 2018. 

8 New York State Multiple Dwelling Law (MDL), Article 1, Sections 4-7, 4-8.a. 

9 "You may never know who has the 'world's best pizza', but you can know how to prevent illegal short-term rentals". "If you're 'hosting' guests for less than 30 days and you're not home, your landlord could take legal action."  

10 Disponível aqui. 

11 Tribunal de justiça da União Europeia de 22 de setembro de 2020. Assuntos acumulados C-724/18 e C-727/18. 

12 Code de la construction et de l'habitation. Article L631-7. 

13 Informações disponíveis aqui.   

14 Uma segunda residência é aquela ocupada por menos de 8 meses por ano. A lei considera que existe apenas uma residência principal e que, consequentemente, os outros imóveis são residências secundárias. 

15 Règlement municipal fixant les conditions de délivrance des autorisations de changement d’usage de locaux d’habitation et déterminant les compensations en application de la section 2 du chapitre 1er du titre III du livre VI du Code de la construction et de l’habitation. Article 2º. 

16 Utilizamos hospedagem aqui em sentido amplo, porém, a normativa de Barcelona diferencia entre: Habitatges d’ús turístic, Apartaments turístics, Llars compartides, Albergs de joventut e Residències colectives docents d'allotjament temporal. 

17 Plan Especial Urbanístico para la Ordenación de los establecimientos de Alojamiento Turístico, Albergues de Juventud, Residencias colectivas de alojamiento Temporal y Viviendas de Uso Turístico (PEUAT 2019 e PEUAT 2021). 

18 Decreto 75/2020, de 4 de agosto, de turismo de Catalunha. 

19 Boletín Oficial de la Provincia de Barcelona de 1 de febrero de 2021. 

20 "La turistificación es un fenómeno de expansión descontrolado del alojamiento turístico, sobre todo en aquellas zonas centrales de una ciudad, y que tiene o puede tener efectos muy negativos sobre la vida de sus ciudadanos. Las consecuencias de esta especialización de los barrios de una ciudad como Madrid, en base a la actividad turística, es la transformación del comercio; la masificación y el sobreuso del espacio público, con el coste añadido que tiene de cara a los servicios públicos; la sustitución de la vivienda permanente de los residentes habituales por población flotante, fundamentalmente turistas, y la expulsión de estos residentes; el deterioro de la convivencia vecinal y en última instancia, la pérdida de identidad de estos barrios". Em memoria do Plan Especial. PEH. 

21 Plan Especial de regulación del uso de servicios terciarios en la clase de hospedaje (PEH). Boletín oficial de la Comunidad de Madrid (BOCM) del 23 de abril de 2019.

22 No âmbito federal o PL 2474, de 2019. Altera a lei 8.245, de 18 de outubro de 1991 e exige expressa previsão na convenção de condomínio para a locação para temporada contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação em condomínios.

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Coordenação

Alexandre Junqueira Gomide é doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Advogado, professor e parecerista.

André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor na pós-graduação em Direito Imobiliário da Puc-Rio e em outras instituições. Sócio do escritório Longo Abelha Advogados.