Migalhas Edilícias

Assembleias virtuais em condomínios edilícios: Para além de sua possibilidade, sua regularidade: voz, manifestação e vontade

Assembleias virtuais em condomínios edilícios: Para além de sua possibilidade, sua regularidade: voz, manifestação e vontade.

4/3/2021

Estas primeiras linhas não têm como razão apreciar tema relacionado à possibilidade ou impossibilidade quanto a realização das assim nominadas assembleias virtuais em condomínios edilícios disciplinados pelos artigos 1331 e seguintes do Código Civil, isto é, sua legalidade ou ilegalidade. O recorte que propõe a abordagem parte de premissa de que, superadas as avaliações precedentes, decidiu-se por sua realização.

E ao assim decidir, determinadas premissas devem ser observadas, rigorosamente, a partir, inclusive, da elaboração do edital de sua convocação de maneira que nulidades ou anulabilidades não se verifiquem.

Mas, antes da observação das cautelas práticas necessárias à sua formulação, formalização e divulgação, alguns pontos e relacionados à função de uma assembleia geral devem ser coloridos de maneira a iluminar e conduzir o pensamento. Isso, pois, seja física ou virtual, tal colorido deverá ser observado.

Desde a muito se discorre acerca da função de uma assembleia geral. Em apertada síntese serviria de fórum institucional de discussão e deliberação de temas afetos às relações estabelecidas entre os titulares de direito sobre a coisa imóvel em regime de condomínio edilício.

Neste sentido, seu fundamento, isto é, sua razão de existir é a formação da vontade de um determinado grupo a partir das vontades de cada um daqueles que dele participa.

Cada manifestação, portanto, se faz importante. Desde aquela de isolada pessoa, recém chegada ao condomínio edilício, até daquelas que há anos nele reside; assim como daquele que sempre se manifesta isoladamente, como daqueles que sempre formam a maioria necessária para a aprovação de suas decisões. E assim se justifica, talvez, por conta daquilo que Ortega y Gasset coloca como sendo inerente ao humano, ou seja, suas circunstâncias vividas e observadas que, por vezes, são capazes de influenciar outros.

Assim, neste ambiente conformado por apresentações, indagações, observações, relacionamentos, tons de voz, gesticulações (pois o corpo fala!), argumentações, discursos, ideias variadas, por vezes concordantes e, outrora, conflitantes, entendimentos são conformados, mantidos, adaptados e, em outras circunstâncias, completamente reformulados. Não raras vezes, inclusive, se depara com ideia até então impensada, mas que, por conta da ambiência democrática, da livre exteriorização do pensamento, constrói-se e, assim, convence, se não a todos, a grande parte. Situação essa que, no silêncio das ideias, poderia até ser alcançada, mas, com maior sofrimento do espirito.

Surge, assim, do conflito e da conjugação de ideias, a formação da vontade, não individual, mas coletiva, amparando as decisões constituídas, legitimamente, em foro adequado à discussão. Vontade esta conformada em linha com um interesse, qual seja, o condomínio edilício e, portanto, em contradição às vontades egoísticas de poucos, mesmo que, de alguns.

Há, assim, neste contexto, de regular assembleia, a formação da assim chamada vontade soberana, emanada através de órgão originário e cujo poder de assim decidir não depende de qualquer outro. E, por conta de sua soberania, em regra, obriga não apenas os presentes, mas, inclusive os ausentes e que dela não participaram por qualquer motivo.

A assembleia geral, assim, ao aprovar ou reprovar determinada matéria submetida à sua apreciação, conforma a vontade e as direções a serem observadas quando da gestão da coisa coletiva, como autêntico órgão legiferante de normas (sic!) e condutas a serem observadas, assim como fiscalizando a legalidade tudo quanto se fez e fará naquele condomínio edilício. Há, certamente, limites às decisões assembleares, mas, estes, demandariam variadas outras observações não contidas no recorte destas primeiras linhas.

Percebe-se, portanto, em face destas circunstâncias, a importância do processo de formação da vontade. Vontade esta que se forma e conforma pelo direito de voz, pelo direito de ouvir, pelo direito de ser ouvido, pelo direito de debater, pelo direito de concordar, pelo direito de discordar, pelo direito, enfim, de manifestar-se através de qualquer meio e da maneira mais ampla e irrestrita possível; sempre com o devido acatamento. E, mesmo após larga participação, pode o condômino decidir por, simplesmente, calar-se, isto é, não exercitar o seu direito de votar. Assim, pois, direito seu, também, de manifestar-se conclusivamente, ou não.

Neste contexto, portanto, em que a preservação da construção das ideias é da essência de uma assembleia geral, todo e qualquer sistema informatizado deve ser detidamente avaliado sob o manto de sua observância. Dito de outra forma, a plataforma escolhida deve ser capaz de proporcionar e, para a ambiência de uma assembleia geral virtual, tudo quanto foi esclarecido, sempre em tempo real, isto é, "ao vivo e a cores", admitindo-se, apenas, certa organização das falas durante o procedimento e, sempre, desde que de qualquer forma não comprometa os direitos assegurados por sua função da qual decorre sua essência.

Desta feita, escolhido determinado sistema, devem ser observados e, durante todo o prazo de duração da assembleia, sem qualquer interrupção, sem qualquer interferência, sem qualquer espécie de controle, sem a existência de qualquer ambiente privado ou de qualquer forma controlado e, portanto, com ampla publicidade de tudo o quanto é nela debatido e colocado por cada um e por todos, cada um dos direitos alhures relatados. Atuar de maneira diversa significaria o comprometimento do esperado resultado de uma ambiência, sob seu aspecto formal e, portanto, passível de ser declarada sua nulidade.

A assembleia virtual, portanto, deve ocorrer como que em natural transposição do ambiente físico ao virtual, significando reprodução fiel de ambiente democrático.

Em face deste cenário, quando da elaboração dos editais de convocação para uma assembleia geral, deve-se ter em mente estas primeiras linhas, tudo de maneira que não sejam estabelecidos procedimentos que de alguma forma comprometam os direitos relacionadas à essência de uma assembleia geral, tais como: (i) que manifestações de condômino somente serão visualizadas e, portanto, acessadas, por grupo determinado de pessoas, tais como as integrantes da administração do condomínio (i.e. Síndico, Conselhos e Administradora) que, em entendendo pertinente, responderão; (ii) que o direito de voz não será permitido, isto é, os condôminos não terão acesso a microfones; (iii) que o direito de ver pessoas e de ser visto enquanto pessoa não será admitido ou, em sendo, assim o será parcialmente a critério da presidência da assembléia; (iv) que somente serão admitidas manifestações escritas e por meio dos assim nominados Chat’s e, (v) que inexistirá o direito de indagar e debater, durante a assembleia, qualquer tema relacionado à sua ordem do dia havendo, apenas, o voto de aprovação ou reprovação.

Estipulações como essas ferem a função de uma assembleia geral em condomínio edilício. Representam autêntico espirito ditatorial avesso à formação de uma vontade democrática e, portanto, deliberações assim realizadas, são nulas de pleno direito uma vez inexistir ambiente formador de uma vontade que, apenas assim se qualifica, se livre.

De outro lado, importa iluminar que não se pode admitir, inclusive, qualquer procedimento, seja através do edital de convocação, seja durante a assembleia geral, que venha a afrontar e, por conta desse fato, reduzir ou de qualquer forma, limitar, a possibilidade de participação de todo e qualquer condômino interessado, desde que apto e habilitado legalmente.

A este respeito, cabe atenta e diligente observação dos termos da lei e da convenção de condomínio edilício uma vez que as assembleias se operacionalizam na forma e através do modo estabelecido, especialmente, na respectiva convenção de condomínio. A lei e a convenção constituem a base que deve ser observada. Nem mais, tampouco menos. Desta forma, inclusive, a divisão de poderes e de competências através delas insculpidos e estipulados devem ser estritamente observados.

Neste sentido, não é válido estabelecer, dentre outras variadas estipulações e, em contradição ao quanto estipulado em Convenção de Condomínio que (i) os interessados à Presidência de determinada assembleia geral deverão se candidatar até determinada data, não se admitindo candidaturas posteriores ou ao momento em que será realizada a assembleia geral; (ii) aqueles que forem representar outras unidades autônomas deverão encaminhar, obrigatoriamente, os respectivos mandatos até determinada data, sob pena de não ser aceita a apresentação, por tardia, de procuração no momento da assembleia geral; (iii) haverá plantão de dúvidas, acerca dos temas da ordem do dia, em determinado intervalo de datas e horários, sendo que apenas em tal momento serão prestados esclarecimentos e, portanto, inexistindo no horário da assembleia geral.

Importa iluminar que não se esta a discutir acerca da conveniência de qualquer uma de mencionadas estipulações de forma a, de alguma maneira, tornar a assembleia geral mais efetiva. O que se discute é acerca da legalidade de sua obrigatoriedade quando em contradição ao quanto estabelecido por determinada Convenção de Condomínio Edilício. Assim o sendo, é possível o estabelecimento das mesmas, enquanto uma faculdade e, não, como obrigação, pode conduzir a caminho de maior efetividade.

Em face, portanto, da lapidação deste cenário que teve por finalidade, apenas, realizar um recorte de maneira a iluminar e assim discutir determinados aspectos das assembleias gerais realizadas em ambiente virtual é que se encerram estas primeiras linhas.

Isso tudo, pois, como coloca Platão, na República [2014, p. 315], "a dialética é o único processo investigatório que [...] suprimindo hipóteses [...] oferece segurança e confirmação."

Estão abertas, portanto, as portas para os contrários, mesmo que em todo ou parte.

Marcelo Barbaresco é doutorando em Direito Comercial pela PUC/SP. Mestre em Direito Político e Econômico. Pós-graduado em Direito Empresarial, em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais, em Direito Processual Civil, em Direito do Consumidor e em Direito Imobiliário, com capacitação para Mediador. Professor na FGV Direito SP – FGV Law, na FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado, na Faculdade Baiana de Direito, assim como em outras instituições de ensino superior. Fundador do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, exercendo uma de suas vice-presidências, estando presidente da Comissão de Estudos de Shopping Centers. Membro da Mesa de Debates de Direito Imobiliário (MDDI) de São Paulo. Membro Efetivo da Coordenadoria da Comissão de Locação, Shopping Center e Compartilhamento de Espaços da OAB/SP.

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Coordenação

Alexandre Junqueira Gomide é doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Advogado, professor e parecerista.

André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor na pós-graduação em Direito Imobiliário da Puc-Rio e em outras instituições. Sócio do escritório Longo Abelha Advogados.