Texto de autoria de José-Ricardo Pereira Lira
Há coisas que não precisam ser ditas. Ao menos, alhures. Por aqui, no Brasil, admita-se, cautela nunca é demais.
No trâmite da conversão da Medida Provisória 881 na lei 13.874, de 20.09.2019, seu art. 3º ganhou um novo inciso XI, com a seguinte redação:
"Da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômico do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição: (...)
XI – não ser exigida medida ou prestação compensatória ou mitigatória abusiva, em sede de estudos de impacto ou outras liberações de atividade econômica no direito urbanístico, entendida como aquela que:
a) (VETADO);
b) requeira medida que já era planejada para execução antes da solicitação pelo particular, sem que a atividade econômica altere a demanda para execução da mesma;
c) utilize-se do particular para realizar execuções que compensem impactos que existiriam independentemente do empreendimento ou atividade econômica solicitada;
d) requeira a execução ou prestação de qualquer tipo para áreas ou situação além daquelas diretamente impactadas pela atividade econômica; ou
e) mostre-se sem razoabilidade ou desproporcional, inclusive utilizada como meio de coação ou intimidação.”
Pois bem. Em país nenhum do mundo, uma lei precisaria estabelecer que, ao regular questões urbanísticas, o Poder Executivo estaria impedido de exigir prestações "abusivas", como condição para licenciar a atividade econômica.
Também não seria normal que dependesse de previsão legal a proibição ao Executivo de utilização de contrapartidas urbanísticas como "meio de coação ou intimidação" de empresários.
Mundo afora, com certeza, essa espécie de vedação legal, mais que desnecessária, seria até ofensiva ao administrador público.
No Brasil, porém, o inciso XI do art. 3º da Lei da Liberdade Econômica chegou em boa hora.
Afinal, por aqui, o licenciamento de empreendimentos anda subordinado a um mar de exigências irrazoáveis, não raro com feição de extorsão.
Alguns exemplos, entre muitos:
a) a contrapartida que alimenta o Fundo Municipal de Desenvolvimento de Trânsito, para empreendimento enquadrado como Polo Gerador de Tráfego, quando cobrada nas hipóteses em que, segundo o próprio Município, a nova atividade não impacta negativamente a malha urbana (art. 8º, parágrafo 4º, incisos I e II, da Lei nº 15.150/2010, conforme alterada);
b) a contrapartida para o licenciamento de jiraus, mesmo em imóveis com sobra de potencial construtivo, pelo simples fato de não serem jiraus de primeiro pavimento, com confessado propósito arrecadatório (art. 4º da Lei nº 192/2018, do Município do Rio de Janeiro - RJ);
c) a contrapartida na imaginosa modalidade conhecida por “doação compulsória” de áreas aos municípios, como: (c.1) os 10% do terreno, para licenciamento de empreendimentos com Área Total Edificada superior a 10.000m2 (art. 3º da Lei nº 156/2015, do Rio de Janeiro - RJ); e (c.2) os 5% dos lotes para licenciamento de loteamentos em geral, em acréscimo às doações de áreas inerentes aos loteamentos, para abertura de ruas ou instalação de praças públicas, lotes esses supostamente destinados a projetos de interesse social (art. 8º da Lei nº 1.945/2026, do Município de Toledo – PR, já declarada inconstitucional pelo TJPR).
Enfim. Obviamente, a seriedade no trato da imposição de contrapartidas, como condicionante do licenciamento de novos empreendimentos, constitui pressuposto essencial ao fortalecimento do Direito Urbanístico e à consequente viabilidade da ordenação das Cidades.
Bem-vinda seja a nova norma legal, com suas obviedades lamentavelmente inadiáveis.
José Ricardo Pereira Lira é sócio do escritório Lobo & Lira Advogados. Diretor do Ibradim no Estado do Rio de Janeiro.