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Cinco questões jurídicas sobre o app Quinto Andar

Cinco questões jurídicas sobre o app Quinto Andar.

21/2/2019


Texto de autoria de Ermiro Ferreira Neto

Ao tratar da estrutura das revoluções científicas ("The Structure of Scientific Revolutions", título de seu livro mais conhecido), Thomas Kuhn apresenta ponto de vista que pode ser utilizado para entender a relação entre lei e tecnologia. Para Kuhn, quando certos postulados, e o conhecimento científico produzido com base neles, não mais soluciona determinados problemas, as respostas devem ser buscadas fora deste quadro.

Kuhn refere-se aqui ao conhecimento produzido por revolução, e não meramente por acumulação; na primeira hipótese, a resposta pretendida somente é alcançada, metaforicamente, através da construção de uma nova peça para o quebra-cabeça, ausente no conjunto disponibilizado pelo conhecimento científico existente sobre determinado tema. Nas palavras dele, quando isto ocorre tem-se a erupção de um novo paradigma científico, que supera o anterior.

Kuhn faleceu em 1996 e não viveu para conhecer Uber, Spotify, iFood, Rappi, nem qualquer uma das startups que não sabíamos que precisávamos e que hoje não conseguiríamos viver sem. Cada um destes negócios, em conjunto com inúmeros outros, tem em comum a tensa relação com a lei, que não raro os obriga a transgredi-la para ter sucesso.

De forma análoga à tese de Thomas Kuhn, estes negócios nascem radicalmente ilegais em alguma medida, mas precisam desafiar a lei vigente para proporem soluções a problemas reais de seus consumidores. Ao final, colocam certos setores do mercado e sua própria regulação jurídica em um novo patamar (vide, neste sentido, Youtube, Netflix, dentre outros exemplos).

É sob este pano de fundo que a comunidade jurídica observa o avanço do Quinto Andar, um aplicativo brasileiro que une locatários e locadores, cujo sucesso pode ser medido pelos seus incríveis números – captação de investimentos junto a fundos internacionais de mais de 1 bilhão de reais em pouco mais de 5 anos de vida... -, como pelos elogios recorrentes dos usuários. O modelo de negócios levanta 5 questões jurídicas com as quais a plataforma e os tribunais serão confrontados na medida do avanço deste novo modelo de negócio.

1. As relações jurídicas estabelecidas através do Quinto Andar são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor?

O Quinto Andar tem como objetivo declarado desburocratizar o contrato de locação. Para atingi-lo, uma das frentes utilizadas é a padronização das condições contratuais das locações firmadas no âmbito do aplicativo. Conforme consta do site da plataforma, "padronização é essencial para garantirmos a segurança e agilidade do processo para todas as partes envolvidas. Temos um contrato padrão que cobre todas as condições gerais da locação, as quais não são negociáveis".

Esse dado atrai um debate que parecia superado, a respeito da possível aplicação do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) aos contratos de locação. Ainda que se possa indicar certa discussão na doutrina1, de fato a jurisprudência da Terceira2 e da Quarta Turma3 do Superior Tribunal de Justiça há muito assentou ser inaplicável a legislação consumerista às relações regidas pela lei 8.245/91.

O modelo de negócio do Quinto Andar insere novos elementos no debate, o que justifica a questão aqui posta: (i) as locações não são livremente negociadas, sendo negociável apenas o valor do aluguel; e (ii) o uso da plataforma eletrônica é oferecida ao mercado de consumo como atividade fim do Quinto Andar, tornando fora de dúvida a incidência do CDC entre o usuário e o aplicativo. À luz de tais elementos, sendo os termos da locação padronizados, é relevante discutir se as normas estipuladas na locação, neste caso específico, podem igualmente ser objeto do escrutínio das normas consumeristas.

Para tanto, deve-se ter em vista que, na comum expressão utilizada no mercado de tecnologia, pode-se dizer que o Quinto Andar é um marketplace: o seu principal negócio não é vender produtos aos seus usuários, mas sim uni-los para que viabilizem um contrato entre si (no caso, a locação). Sua função é tornar possível o match, o encontro, entre quem quer ceder um imóvel e quem quer pagar o aluguel. Ao oferecer esta plataforma no mercado de consumo, padronizando inclusive o negócio em torno do qual pretende unir locador e locatário, a caracterização da relação de consumo parece clara.

O seu serviço é viabilizar a locação, unindo em torno disso a garantia, a segurança e a ausência de burocracia oferecidas a locador e locatário. O Quinto Andar atua no mercado de consumo com intuito lucrativo, habitualidade e profissionalismo, sendo evidente a sua condição de fornecedor na forma do CDC (art. 3º); seus usuários, por sua vez, são os destinatários finais de sua atividade empresarial (art. 2º, CDC), em linha com a teoria finalista adotada pela doutrina4 e pela jurisprudência da Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça5.

Assim, a Lei de Locações regerá a relação locatícia; este específico contrato firmado no âmbito do Quinto Andar, no entanto, será regido igualmente, naquilo que for cabível, pelo Código de Defesa do Consumidor. A dupla regulação não deve surpreender, nem é algo incomum, podendo-se tomar como exemplo o que ocorre com os contratos de plano de saúde, igualmente regulados pela lei federal 9.656/98 e, de modo geral, pelas normas do CDC.

No caso do Quinto Andar, o que de interessante se observa é que a relação de cada usuário com o aplicativo, aquele que pretende ser locador e o que busca ser locatário, é inegavelmente uma relação de consumo. Eventualmente se a plataforma permitisse uma livre negociação dos termos contratuais, poder-se-ia cogitar da não incidência do CDC na relação construída pelas partes, de modo que o Quinto Andar se mantivesse como uma espécie de corretor imobiliário entre os seus usuários. Na realidade, no entanto, ao padronizar o contrato ao qual as partes aderirão, parece claro que este bloco de relações jurídicas entrelaçadas em regime de evidente coligação contratual deverá ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor, e não apenas pela Lei do Inquilinato.

2. O Quinto Andar pode ser responsabilizado civilmente por danos causados por uma parte à outra do contrato?

Outra questão que se coloca diz respeito à responsabilidade civil por danos causados por uma parte à outra do contrato. Os possíveis exemplos são vastos, como ocorreria se o locatário quebrasse equipamentos do locador mantidos dentro do imóvel, ou se o locador desistisse unilateral e injustificadamente de ceder o imóvel em locação, causando prejuízos ao locatário.

A aplicação do CDC, indicada anteriormente, aponta para a responsabilidade objetiva do Quinto Andar na hipótese (art. 14, CDC). O descumprimento do contrato por parte de um usuário que contratou com outro por intermédio da plataforma impõe o dever de indenizar da empresa que opera o aplicativo, que por oferecer o seu produto ao mercado responde pelos danos causados decorrentes do contrato que ela própria viabilizou.

Ao auferir vantagem econômica através do match viabilizado entre locador e locatário, o Quinto Andar insere-se na cadeia econômica, responsabilizando-se em face do locador pelos locatários que com ele contratarão e, lado outro, em face do locatário pelos locadores que ali disponibilizam seus imóveis. Deste modo, aplica-se o regime de solidariedade no âmbito da cadeia de consumo, sendo o aplicativo também responsável pelos danos causados por um contratante ao outro, nos termos do art. 25, §1º, CDC. Também aqui a jurisprudência brasileira parece madura ao reconhecer a responsabilidade dos marketplaces, em linha com o que aqui se defende6.

3. O contrato assinado eletronicamente pelo Quinto Andar pode ser averbado na matrícula do imóvel?

As locações firmadas no âmbito do Quinto Andar não dependem de assinatura física, nem de instrumento físico, por escrito. Com o objetivo de eliminar burocracias, o contrato é enviado aos usuários, que o aprovam e o assinam digitalmente.

A assinatura digital é reconhecida como meio idôneo para manifestação de vontade no âmbito de contratos. Com ela, a assinatura física é substituída pelo uso de uma chave digital, que valida o que foi assinado e quem assinou.

Essa tecnologia tem suporte legal nos termos da Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e garante a autenticidade, integridade e validade jurídica de documentos em forma eletrônica. Firmado sob este arcabouço legal, os contratos assinados eletronicamente no âmbito da plataforma Quinto Andar são plenamente válidos, não havendo, sob o ponto de vista dos efeitos jurídicos, qualquer distinção quando comparados com os contratos firmados por escrito e assinados fisicamente.

Uma possível restrição, todavia, pode ser apontada: o contrato assim firmado no Quinto Andar pode ser objeto de averbação junto a matrícula do imóvel? É sabido, por exemplo, que a Lei de Locações prevê a possibilidade de averbar o instrumento de locação com o fito de atribuir eficácia em face de terceiros, como ocorre com o direito de preferência (art. 33) e na hipótese de alienação do imóvel durante a locação (art. 8º).

A locação não depende de instrumento público, como se sabe. Assim, a averbação pode ser feita à luz de mero instrumento particular. Pode-se, então, vislumbrar a possibilidade de protocolo do contrato físico, impresso, já com as comprovações de que as assinaturas digitais das partes foram efetuadas. Como a certificação torna o ato de reconhecimento de firma prescindível, a via física do contrato nesta hipótese terá rigorosamente o mesmo valor que um instrumento particular cujas assinaturas foram reconhecidas por um tabelionato, de modo que nenhum óbice poderá ser levantado para a averbação no caso.

O reconhecimento da assinatura digital para fins registrais, no entanto, dependerá da regulamentação por parte dos respectivos tribunais.

Convém destacar que a averbação não depende apenas do contrato em si. É obrigatório que no instrumento "tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada" (art. 167, I, "3", lei 6.015/73), além do "seu valor, a renda, o prazo, o tempo e o lugar de pagamento, bem como pena convencional" (art. 242, lei 6.015/73). Por fim, não se olvide que a Lei do Inquilinato exige a assinatura de duas testemunhas para que a averbação seja realizada (art. 33, parágrafo único).

4. Qual a natureza da garantia oferecida pelo Quinto Andar ao locador?

Sem dúvida uma das principais vantagens da plataforma Quinto Andar está no conjunto de garantias oferecidas ao locador. Além da diminuição dos procedimentos burocráticos e da maior possibilidade de negócios por meio de sua base de possíveis locatários, o aplicativo estimula a adesão dos proprietários de imóveis a partir da chamada Proteção Quinto Andar.

O aplicativo promete "mais facilidade e segurança para proprietários e inquilinos" anunciando ao usuário que "você tem a certeza que receberá o valor do aluguel em dia não importa o que aconteça, além de ter a integridade do seu imóvel garantida. Enquanto isso, os inquilinos não precisam pagar o seguro-fiança ou cheque-caução e nem encontrar um fiador".

É interessante observar que o novo modelo da Proteção Quinto Andar "substituiu o seguro-fiança, cujo valor era coberto pela imobiliária desde o fim de 2015", conforme noticiou a imprensa. Assim, não se tratando de uma fiança, nem de um seguro-fiança, como informa a plataforma, qual seria a garantia oferecida pelo aplicativo?

O contrato padrão utilizado pela plataforma não é disponibilizado antes da locação, o que dificulta a análise deste ponto. Com esta ressalva, mas tendo em vistas as informações divulgadas pela própria empresa, parece certo tratar-se de fato de uma fiança, a despeito do marketing da plataforma afastar esta modalidade de garantia.

Nos termos do art. 818 do Código Civil, pelo contrato de fiança "uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra". Sem dúvida este é o caso da garantia oferecida pelo aplicativo, que dá certeza ao locador, credor das obrigações assumidas pelo locatário, de que receberá pontualmente os aluguéis, a multa e eventuais indenizações por descumprimento contratual.

A fiança se constitui por escrito, quer seja no próprio contrato de locação, quer seja no contrato que a plataforma firma com o usuário dono de imóveis. Uma vez prevista tal garantia, independente do nomen juris que a ela se dê, ostentando ela as características do art. 818, a condição de fiança não poderá ser afastada pelas partes. E, ante este regime, deve-se ter claro alguns dos efeitos que eventualmente os usuários locatários não tem em vista: (i) o pagamento, pelo Quinto Andar, de valores devidos pelo locatário lhe sub-roga neste crédito; (ii) por tal razão, tudo o que vier a ser pago pelo Quinto Andar poderá ser cobrado do locatário (art. 831, Código Civil).

Ainda sob este ângulo, pense-se na hipótese de o contrato firmado através do aplicativo chegar ao seu termo final e as partes, sem dar ciência ao Quinto Andar, decidem manter o seu vínculo contratual, sem solução de continuidade, agora por prazo indeterminado. Trata-se de exemplo concreto, próprio das informais relações brasileiras no âmbito do mercado imobiliário. Veja-se que, neste caso, "salvo disposição contratual em contrário" – que não se sabe existente -, "qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado" (art. 39, lei 8.245/91).

Assim, o aplicativo poderá continuar responsável pelos débitos do locatário, mesmo não tendo ciência da prorrogação informal do vínculo inicialmente firmado no âmbito da plataforma.

5. A cláusula compromissória inserida no contrato padrão do Quinto Andar é válida?

Em caso de controvérsia entre as partes, o aplicativo informa que a lide será resolvida por um "tribunal de arbitragem". Aparentemente, o contrato padrão de locação firmado no âmbito do aplicativo prevê uma cláusula compromissória, por meio da qual as partes obrigam-se a sujeitar seus litígios à arbitragem, na forma do art. 4º da lei 9.307/96.

A hipótese, todavia, suscita debates. A relação entre contratos de adesão, particularmente aqueles que também são regidos pelo CDC, e as cláusulas compromissórias é polêmica e inconclusa.

Como premissa, dispõe art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem que "nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição". Sendo a convenção de arbitragem um desdobramento natural da liberdade contratual, em grandeza tal que permite às partes inclusive afastar o Poder Judiciário na resolução de seus conflitos, a lógica da lei institui como principal elemento desta prerrogativa a efetiva manifestação de vontade de contratar uma cláusula tal.

É certo que a simples adesão a qualquer regulamento contratual pré-instituído também é manifestação de vontade. Todavia, dados os possíveis conflitos em razão da ausência de concreta negociação das cláusulas impostas por uma das partes, a Lei de Arbitragem previu mecanismo inteligente de atribuir ao aderente a iniciativa de instituir a arbitragem – opção em que a escolha pela arbitragem será sua, o que demonstra a inexistência de prejuízos; ou de manifestar expressamente sua vontade neste sentido, e não apenas aderir, comprovando assim sua ciência e concordância a respeito.

A fórmula prevista na lei, de fato, segundo Carlos Alberto Carmona, "protege o contratante mais fraco". É que, querendo a parte aderente a solução para seu litígio, "dará início ao procedimento [arbitral], contra o quê não poderá opor-se o contratante mais forte; e, não querendo optar pela via arbitral, bastará ao oblato propor demanda judicial, contra o quê também não poderá opor-se o policitante"7.

Por outro lado, em contratos regidos pelo CDC, como ocorre na locação por adesão do Quinto Andar, a legislação consumerista expressamente considera nula de pleno direito cláusulas que "determinem a utilização compulsória de arbitragem" (art. 51, VII). A disposição presente no Código do Consumidor é anterior à regra da Lei de Arbitragem, causando aparente conflito quando a cláusula compromissória for contratada em contratos de consumo.

Para o douto Professor Carmona, escrevendo logo após a publicação da Lei de Arbitragem, a solução deste conflito passaria pelo reconhecimento da invalidade da cláusula compromissória "em contrato que discipline relação de consumo"; isto, porém, não impediria que se introduza "a arbitragem pela via do compromisso: surgida a controvérsia, podem as partes, de comum acordo, celebrar compromisso arbitral para submeter o dissenso à solução de árbitros"8.

Essa posição mais restritiva, no entanto, encontra óbice na própria possibilidade de celebração de compromisso arbitral após a existência do conflito. De fato, se é possível por manifestação expressa de vontade submeter um conflito já existente à arbitragem, mesmo efeito haveria na instauração de arbitragem por parte do consumidor com aquiescência do fornecedor. A iniciativa por parte do consumidor ou a sua aquiescência posterior, previstas na Lei de Arbitragem, são as soluções já previstas no sistema para a compulsoriedade proibida no CDC.

A atribuição dessa espécie de eficácia condicionada à cláusula compromissória, posto que dependente da iniciativa do consumidor ou de sua aquiescência, tem dirigido o entendimento das duas Turmas da Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça.

Em acórdão relativamente recente, por exemplo, decidiu a Terceira Turma, seguindo voto da relatora Ministra Nancy Andrighi, que "o art. 51, VII, do CDC limita-se a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral"9. De igual modo, no âmbito da Quarta Turma, também já se decidiu que "não há incompatibilidade entre os arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da lei 9.307/96. Visando conciliar os normativos e garantir a maior proteção ao consumidor é que entende-se que a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso este aderente venha a tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressamente, com a sua instituição, não havendo, por conseguinte, falar em compulsoriedade"10.

À luz do que se viu, não existem dúvidas de que a arbitragem prevista nas locações firmadas por intermédio da plataforma Quinto Andar não é obrigatória, mas uma alternativa à escolha de locador e , dependente da aquiescência da outra parte – como visto, ambos são igualmente consumidores. Surgindo controvérsia, caberá a cada uma das partes optar ou não pela via arbitral, considerando sobretudo os custos para tal, normalmente mais altos do que as despesas para ajuizar demanda judicial.

6. Conclusão

Com algum gracejo, diz-se que (alguns) advogados são deal brakers, sujeitos que, amarrados a paradigmas superados, seriam os responsáveis por dificultar a operação de novos modelos de negócio. A crítica é injusta: quer seja porque não parece ser esta a mentalidade da maior parte dos profissionais da área jurídica, quer seja pelo fato da lei, bem, ser a lei.

A lei não pode e não deve ser superada. O Poder Judiciário, hoje, atua como verdadeiro órgão regulador do mercado, sendo fundamental a empreendedores e usuários conhecer de que modo negócios como o Quinto Andar serão recebidos quando colocados sob a lente de juízes e tribunais.

Sem dúvida a plataforma Quinto Andar tem méritos e poderá revolucionar o mercado imobiliário brasileiro. Para que isto ocorra, convém que a comunidade jurídica possa ter claro quais são os seus limites e suas possibilidades.

* Ermiro Ferreira Neto é doutorando em Direito Civil (USP). Professor de Direito Civil e Direito Imobiliário da Faculdade Baiana de Direito (graduação e pós-graduação). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, Instituto Brasileiro de Direito Civil, Instituto de Direito Privado e Instituto Baiano de Direito Imobiliário. Advogado, sócio de Fiedra, Britto & Ferreira Neto Advocacia Empresarial.

__________

1 "Como se acenou, contudo, o microssistema do consumidor aplicar-se-á ao inquilinato, integralmente, sempre que o locador se posicionar como fornecedor, na definição do art. 3º da Lei. Não existe razão para a exclusão de aplicação". (VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada – Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 10. ed., 2010, p. 23). Também assim: "(...) se tratando de locação residencial, aplicação das normas protetivas do CDC, em minha opinião, deveria ser a regra, com o que concorda apenas parte minoritária da jurisprudência" (MARQUES, Claudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 6. ed., 2011, p. 453).

2 AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO LOCATÍCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios. 2. Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 111.983/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/08/2012, DJe 28/08/2012)

3 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 52 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. GRAU DE SUCUMBÊNCIA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. (...) 2. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica a relações locatícias, porquanto regidas pela Lei 8.245/91. Precedentes. (...) 4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 253.960/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/4/2015, DJe de 6/5/2015)

4 Confira-se, por todos: "Parece-me que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência será construída em casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já lhes concede. As exceções, sempre nesta visão teleológica devem ser estudadas pelo judiciário [...]". (BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5ª ed. Revista dos Tribunais, 2013. p.94)

5 Em sucessivos julgados, a Segunda Seção firmou a orientação de que o destinatário final, para fins de incidência do CDC, “é aquele que ultima a atividade econômica, ou seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo produtivo. Logo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário)”. (REsp 1599042/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, j. 14/03/2017).

6 APELAÇÕES CÍVEIS. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 942 DO NCPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALUGUEL DE IMÓVEL PELA INTERNET POR INTERMÉDIO DO SITE IMOVELWEB. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA NÃO CONHECIDA. PRECLUSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO SITE RESPONSÁVEL PELA INTERMEDIAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO E QUE AUFERE LUCROS COM O SERVIÇO OFERTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. DEPÓSITOS DE ALUGUEL E CAUÇÃO EFETIVADOS SEM A ENTREGA DAS CHAVES E CONCRETIZAÇÃO DA LOCAÇÃO. FRAUDE. CULPA CONCORRENTE EVIDENCIADA. DIREITO À RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO PELA METADE. DANOS MORAIS NÃO OCORRENTES. (...) 2. Responsabilidade objetiva do fornecedor. A parte ré obtém lucro significativo com o serviço que disponibiliza e a partir daí deve responder por eventuais prejuízos decorrentes de fraudes que seu sistema de segurança não consiga impedir. Veja-se que o responsável pelo ilícito somente chegou até o autor graças ao serviço disponibilizado pela ré. Em outras palavras, a pessoa responsável pela conduta criminosa, somente chegou até o autor graças ao serviço disponibilizado pela ré, que lucra valores... significativos e até por isso deve responder quando o sistema mostra-se falho. Aplicação do disposto no art. 14 do CDC. 3. Caso concreto em que o autor interessou-se por locar um imóvel constante na plataforma da ré, cadastrando-se e solicitando maiores informações, sendo-lhe remetido o contato da anunciante pela ré. Efetuados depósitos de aluguel e caução tal como negociado, a locação não se consumou, amargado o autor o prejuízo. (...). (TJ-RS, Apelação cível 70073268286, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, publicado em 31/10/2017). JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. ALUGUEL POR TEMPORADA. IMÓVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRELIMINARES REJEITADAS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (...) 5. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/1990), que, por sua vez, regulamenta o direito fundamental de proteção do consumidor (artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal). 6. O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor preconiza que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. 7. A questão dos autos reside no fato de o autor ter procedido à locação por temporada, inclusive com realização do respectivo pagamento, de um imóvel inexistente, anunciado nas páginas da recorrente, que somente aceita anúncios mediante remuneração diária do locador, e, em contrapartida, informa no site que para anunciar é necessária a comprovação formal da existência do imóvel e dos documentos pessoais do locador, e, no presente caso, isso não ocorreu. 8. Consta dos autos, ainda, que o autor/recorrido realizou cadastro no site da ré, ocasião em que procedeu a escolha do imóvel a ser locado, tendo solicitado o contato do proprietário na plataforma do sítio eletrônico (ID 4169525 e 4169528, pags. 03 e 04). Registre-se, ademais, que o proprietário, da mesma forma, apresentou sua resposta à solicitação do autor, utilizando-se da plataforma do site da ré (ID 4169528). Enfatize-se, ainda, que os dados constantes do contrato em questão estavam em consonância com o registrado no anúncio publicado/ofertado pela empresa ré (ID 4169527). Por fim, vislumbra-se que as respostas por email da recorrente, que fazem alusão ao anúncio do imóvel em seu sítio eletrônico (ID 4169528, pags. 07 e 09), bem como o formulário de pedido de reembolso com o timbre da empresa ré (ID 4169529, pags. 01 a 03) revelam sua responsabilidade com o ato ilícito praticado. (...) (TJ-DF, Recurso inominado n. 07500247820178070016, Relator: Fabrício Fontoura Bezerra, publicado em 22/08/2018)

7 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 85.

8 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 57.

9 REsp 1.753.041/GO, Rel. Ministra Nancy Andrigui, Terceira Turma, julgado em 18/09/2018, DJe de 20/09/2018.

10 REsp 1.189.050/SP, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/03/2016, DJe de 11/03/2016.

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Coordenação

Alexandre Junqueira Gomide é doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Advogado, professor e parecerista.

André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor na pós-graduação em Direito Imobiliário da Puc-Rio e em outras instituições. Sócio do escritório Longo Abelha Advogados.