Introdução
O marketing de influência tem sido planejado como uma das estratégias de comunicação eficientes nas plataformas on-line, aproveitando a imagem de pessoas para promover produtos e divulgar serviços. Contudo, esta nova forma de publicidade suscita questões jurídicas significativas, particularmente em relação à responsabilidade civil dos participantes.
Conforme o CDC, a responsabilidade civil objetiva ocorre quando o fornecedor é responsável pelos prejuízos causados ??ao consumidor, sem a necessidade de comprovação de culpa, fundamentada na teoria do risco. O CDC também define publicidade enganosa e abusiva. Os influenciadores revolucionaram a forma como os consumidores decidem sobre os produtos, especialmente em segmentos como o esportivo, alimentício, vestuário, dentre outros. Por exemplo, no âmbito da corrida, os influenciadores de grande alcance digital promovem equipamentos, suplementos e programas de treino.
Contudo, a promoção de produtos sem a devida orientação médica ou orientação do profissional de educação física, pode expor seguidores a sérios riscos à saúde. Além disso, a intensa publicidade para adquirir produtos caros ou alcançar padrões de desempenho inalcançáveis, principalmente para adolescentes, pessoas acima do peso, ou mesmo quem busca um padrão exibido pelos influenciadores, pode afetar a autoestima e desencadear algum processo de ansiedade1.
O arcabouço jurídico brasileiro, pautado pelo CDC e pelo CC, já oferece subsídios para responsabilizar influenciadores e empresas por danos causados aos consumidores. Neste contexto, a jurisprudência e a doutrina têm sido desafiadas a adaptar conceitos tradicionais de responsabilidade civil ao mundo digital, em especial à atuação dos influenciadores.
Fundamentação legal da responsabilidade civil no marketing de influência
A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro pode ser dividida em responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva. No caso do marketing de influência, a aplicação de ambas as modalidades dependerá da natureza do dano causado e do envolvimento do influenciador ou da empresa que patrocina a campanha publicitária.
Os arts. 12 e 14 do CDC, trazem a previsão que o fornecedor de produtos ou serviços responde independentemente de culpa pelos danos causados ao consumidor em razão de defeitos na prestação do serviço ou no produto fornecido. No caso de marketing de influência, a empresa que contrata o influenciador pode ser responsabilizada objetivamente por danos gerados por uma divulgação inadequada ou enganosa.
Segundo Tartuce (2024), o CDC adotou expressamente a ideia do risco- proveito, aquele que gera a responsabilidade sem culpa, justamente por trazer benefícios ou vantagens, em outras palavras, aquele que expõe aos riscos outras pessoas, determinadas ou não, por dele tirar um benefício, direto ou não, deve arcar com as consequências da situação.
A Responsabilidade subjetiva, previstas nos arts. 186 e 927 do CC exige a comprovação de culpa, seja na forma de dolo ou negligência, para que haja responsabilização. O influenciador pode ser responsabilizado de forma subjetiva quando, deliberadamente ou por imprudência, promove um produto de forma enganosa ou induz seus seguidores a erro.
Influenciadores e a necessidade de clareza na publicidade
Um dos principais pontos de discussão no marketing de influência é a publicidade enganosa, que ocorre quando o influenciador omite ou distorce informações relevantes sobre o produto ou serviço, induzindo o consumidor a erro. O CDC, em seu art. 37, veda expressamente a publicidade enganosa, sendo considerado ilícito qualquer tipo de publicidade que contenha informações falsas ou que omita informações essenciais, capazes de confundir o consumidor.
Outro ponto sensível é a falta de clareza na divulgação de conteúdo patrocinado. O CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária exige que influenciadores deixem claro quando o conteúdo divulgado é patrocinado, a fim de evitar que os consumidores sejam levados a acreditar que as opiniões expressas são genuínas e não pagas.
Em um caso recente, o CONAR notificou uma influenciadora por não ter indicado de forma clara que uma série de postagens no Instagram sobre um novo lançamento de roupas que era patrocinada por uma marca de moda. A situação era delicada, pois, o influencer era seu filho menor de idade, prática vem crescendo, no marketing de influência.2 Embora a mãe (responsável pleo perfil), tenha argumentado que o público sabia que se tratava de publicidade, o CONAR entendeu que a omissão violava os princípios de transparência e lealdade, resultando em uma advertência à influenciadora (mãe) e à marca.
Além da publicidade enganosa, outra forma de responsabilização pode surgir quando o influenciador promove produtos que sejam perigosos ou nocivos à saúde dos consumidores, como por exemplo, no caso da blogueira Gabriela Pugliesi3, no anúncio do produto desinchá, que teria em sua composição sustância diurética e pode causar riscos à saúde de pessoas que não poderiam ingerir tal ativo. A influenciadora argumentou que não tinha conhecimento de nenhum risco e que apenas promovia o produto a partir das informações fornecidas pela empresa.
No entanto, o Conar entendeu que, como figura pública, a influenciadora tem o dever de diligência ao promover qualquer produto, especialmente aqueles relacionados à saúde, o que configura uma responsabilidade solidária com a empresa. Essa análise reitera a importância do influenciador verificar a idoneidade dos produtos e serviços que promove, sob pena de responder civilmente por eventuais danos.
Relação entre empresa e influenciador: Solidariedade na responsabilidade civil
A relação jurídica entre influenciador e empresa patrocinadora também é um ponto relevante no que diz respeito à responsabilidade civil. O art. 7º, parágrafo único, do CDC estabelece a solidariedade entre todos os participantes da cadeia de fornecimento, o que inclui tanto a empresa quanto o influenciador. Isso significa que o consumidor pode demandar reparação tanto da empresa quanto do influenciador, cabendo a estes discutir entre si a divisão da responsabilidade.
Os influenciadores têm o dever de cautela ao divulgar produtos e serviços, e a jurisprudência brasileira vem reforçando a aplicação do princípio da boa-fé na relação entre influenciadores e seus seguidores/consumidores. O influenciador deve atuar com diligência e transparência, assegurando que as informações fornecidas sejam verídicas e que o conteúdo patrocinado seja claramente identificado como tal, visto que, eles estabelecem uma relação de confiança com seus públicos.
A boa-fé exige que o influenciador não apenas se atenha às normas de publicidade, mas também se responsabilize por eventual dano causado por informações incorretas ou produtos defeituosos que promove. Em casos onde fica comprovada má-fé ou dolo, como a promoção intencional de produtos sabidamente inadequados, a responsabilidade pode ser agravada.
Conclusão
A responsabilidade civil no marketing de influência está em ascensão no cenário legal do Brasil, à medida que a internet se consolida como o principal veículo de promoção de produtos e serviços. O direito a informações claras e exatas, garantidas pelo CDC, deve ser respeitado tanto pelas empresas quanto pelos influenciadores, que, ao se transformarem em plataformas de publicidade, também assumem obrigações perante os clientes.
As recentes decisões judiciais apontam para um aumento da supervisão e responsabilização no marketing de influência, intensificando as obrigações de prudência e transparência dos influenciadores. Portanto, tanto o influenciador quanto uma empresa ou marca que divulga produtos ou serviços nessas plataformas precisa estar ciente das normas de publicidade e do princípio da transparência, prevenindo práticas fraudulentas e garantindo a proteção dos consumidores.
A responsabilidade civil no marketing de influência não deve ser vista apenas sob o prisma legal, mas também sob uma perspectiva ética. Influenciadores devem agir com responsabilidade social, evitando promover produtos que possam causar danos ou afetar negativamente a saúde mental e física de seus seguidores. Além disso, devem ter cuidado para não criar falsas expectativas ou incentivar o consumismo desenfreado, que pode trazer prejuízos financeiros e emocionais a seus seguidores.
________
1 Dos 36,9% dos brasileiros que passaram 3 horas ou mais por dia nas redes sociais, 43,5% possuem diagnóstico de ansiedade. É o que aponta o relatório “Panorama da Saúde Mental”, do Instituto Cactus e da AtlasIntel. Disponível aqui. Acesso em 06/10/24.
2 Representação Nº 210/22 • Autor: Conar, por iniciativa própria • Anunciante e influenciadora: Malwee Malhas e Cleila Mamãe Miguelreche • Relatora: Conselheira Fabiana Soriano • Sétima Câmara • Decisão: Alteração • Fundamento: Artigos 1º, 3º, 6º, 28, 37 e 50, letra “b”, do Código . A direção do Conar propôs esta representação contra anúncio divulgando produtos da Malwee nas redes sociais de @miguelreche, Cleila Mamãe do Miguel Reche. O anúncio, no entendimento da denúncia, não apresenta clara identificação de sua natureza publicitária, orientação que é ponto de partida para a correta apresentação da publicidade divulgada por influenciadores digitais, tanto mais quando dirigida a crianças e adolescentes. A direção do Conar questiona ainda se há uso de apelo imperativo de consumo, linguagem considerada inadequada pelo Código. A defesa da Malwee alega tratar-se de postagem espontânea, sem propósito publicitário e que só tomou conhecimento da postagem em tela quando do recebimento da notificação pelo Conar. Considera ainda não haver apelo imperativo de consumo ou qualquer outro desrespeito às recomendações do Código. Escreveu a relatora em seu voto: “o aumento significativo de tutores de crianças e adolescentes que desejam tornar seus filhos influenciadores mirins é um fenômeno que demanda cuidado e atenção por este Conselho, com atenção compartilhada por todo o mercado publicitário. Em análise do vídeo objeto desta denúncia, apesar de toda a argumentação transcorrida pela defesa, percebe-se que sua gravação se passa em um cenário no interior de uma loja franqueada da representada, previamente preparada para este fim (com espaço propício e exposição do kit objeto da promoção), o que pode configurar uma coparticipação da representante da marca na produção do vídeo, portanto, na ingerência editorial do conteúdo. Vale ressaltar que a mesma promoção e o mesmo kit estão sendo anunciados em outra postagem dos mesmos perfis, com comentário e interação da marca. No entender desta relatora, a vocalização pela influenciadora ao final do vídeo ‘vem pra Malwee, vem’ configura apelo direto, dirigido a crianças e adolescentes, já que a rede social permite usuários serem cadastrados a partir de 13 anos e, antes disso, acessar o seu conteúdo por meio de um administrador responsável como no caso dos menores @miguelreche e @ rafaelareche. A própria representada admite esta possibilidade”. A relatora concluiu pela alteração do anúncio, para que fique clara a identificação da natureza publicitária e que seja omitida ou alterada a chamada à ação: “Vem pra Malwee, vem!”, de modo a não proferir apelo direto ao consumo.
3 Mês/Ano Julgamento: FEVEREIRO/2019. Representação nº:294/18Autor(a):Conar mediante queixa de consumidor Anunciante: Desinchá e Gabriela Pugliesi. Relator (a):Conselheira Milena Seabra Câmara: Sexta Câmara Decisão: Advertência Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 6º, 23, 27 e 50, letra "a", do Código e seu Anexo H. Resumo: Consumidora paulistana enviou e-mail ao Conar denunciando publicidade em redes sociais do produto denominado Desinchá. Segundo a denunciante, a peça publicitária pode levar o consumidor ao engano, levando-o a crer que não há risco no consumo do produto, que conteria diuréticos em sua fórmula. A Desinchá negou em sua defesa tratar-se de publicidade; a blogueira teria agido espontaneamente, depois de ter recebido amostras do produto. A defesa considerou este fato sinal de que o produto surte os resultados prometidos. Juntou laudos que demonstrariam os benefícios do produto. Já a blogueira Gabriela Pugliesi comprometeu-se em futuras postagens a empregar linguagem adequada, recomendando a seus seguidores que consultem profissionais especializados sobre o consumo do produto. A relatora não aceitou os argumentos da anunciante, considerando ser publicitária a postagem. Levando em conta que, pelo seu formato, ela já não mais está em exibição, propôs a advertência à Desinchá e Gabriela Pugliesi, sendo acompanhada por unanimidade.
________
BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo, a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução Carlos Alberto Medeiros, 1 ed., Rio de Janeiro, Zahar, 2022.
Brasil. lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. ( CC). Disponível aqui. Acesso em: 07/10/24.
BRASIL. lei 8078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF, Disponível aqui. Acesso em: 07/10/2024.
http://www.conar.org.br/codigo/codigo-de-etica
GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 13. ed. São Paulo: Forense, 2024.