A questão de regulação dos efeitos do tempo nas relações jurídicas suscita, classicamente, especial indagação por se tratar de matéria de relevante interesse teórico e fundamental alcance prático. Trata-se, em linha de princípio, de combinar a tutela da segurança jurídica e da necessidade de estabelecer certa dinâmica no âmbito das relações jurídicas.
No contexto da relevância das figuras da prescrição e da decadência, o direito civil brasileiro é pródigo em estudos, tendo dedicado ao tema um de seus estudos mais famosos: o trabalho do professor Agnelo Amorim Filho sobre a distinção entre a prescrição e a decadência. A preocupação com a análise da matéria persiste na atualidade, como revela a atenção dada por ilustres doutrinadores contemporâneos com o seu desenvolvimento e suas bases teóricas.
A preocupação com as questões relativas ao efeito do tempo no direito não escapou à comissão do nosso atual CC. Na verdade, pode-se dizer que elas constituíram um ponto central de sua atenção.
Com efeito, o exame da obra de Miguel Reale sobre o projeto do CC aponta que um de seus objetivos expressos foi o princípio da operabilidade, tendo como exemplo dessa preocupação o delineamento entre prescrição e decadência, a fim de estabelecer os traços distintivos entre as duas figuras, para evitar um fator de confusão e insegurança jurídica.
Ao mesmo tempo, verifica-se que o CC/02 continha um propósito claro nessa matéria: a redução dos prazos prescricionais, tendo sido um dos mais nítidos exemplos dessa tendência a previsão relativa à pretensão indenizatória: 3 anos! O contraste não poderia ser mais marcante quando se recorda o prazo para a mesma situação no direito anterior!
Perceptível aqui que o codificador possuía um nítido objetivo: contribuir para uma maior dinâmica social, ditar uma certa aceleração das decisões adotadas pelos particulares, de modo que os eventuais conflitos jurídicos no âmbito da responsabilidade civil fossem suscitados em tempo ágil, relativamente reduzido: 03 anos ! Ao mesmo tempo, estabelecer a paz social após o decorrer desse mesmo período, evitando a inércia por parte dos partícipes das relações jurídicos-sociais.
Cumpre pontuar que a solução preconizada originariamente pelo codificador de 2002 tinha o mérito de harmonizar-se, em princípio, com a solução contida no CDC para as hipóteses de defeito do produto: com efeito, o art. 27, do CDC, prevê o prazo de 05 anos para a ação indenizatória nesse caso.
Ora, sob a premissa de que o CDC regula a relação em que uma das partes é vulnerável, no caso o consumidor, apresenta-se como pertinente a constelação em que o principal prazo prescricional nele previsto é maior que o prazo para as relações hoje qualificadas como paritárias: as civis e empresariais, reguladas pelo CC.
Contudo, numa demonstração cristalina de que a sociedade pode resistir às pretensões do legislador, e consequentemente interferir sobre a eficácia das normas jurídicas , deu-se paulatinamente no direito civil brasileiro uma reação ao projeto de dinamização social formulado a partir do encurtamento dos prazos para as ações indenizatórias. Nesse sentido, a jurisprudência nacional afastou-se da solução de um mesmo prazo para a pretensão de ressarcimento, os citados 3 anos, tendo definido o prazo para a responsabilidade contratual como sendo o decenal, previsto no art. 205, do CC.
Muito embora revestida de fina base doutrinária, que não cabe recordar aqui, esta circunstância demonstra a resistência do meio econômico-social brasileiro a um projeto reformador: considera-se, na verdade, necessária a existência de prazos mais longos para que se possa obter a concretização dos créditos.
Não obstante a presença de relevantes questões constitucionais relativas à necessária tutela do meio ambiente, pode-se vislumbrar a resistência tácita ao prazo de 03 anos como um fator para a decisão do STF de considerar imprescritível a pretensão de reparação cível ambiental. Cabe indagar se a mesma solução seria estabelecida por nossa corte constitucional se o prazo prescricional para a ação de reparação cível atual fosse de vinte anos, como ao tempo do CC/16.
Nesse contexto, a proposta de 05 anos contida no art. 205, do texto de reforma do CC quanto ao prazo de prescrição para a responsabilidade civil possui diversos méritos. Ela retoma, inicialmente, a ideia de um mesmo prazo para as esferas da responsabilidade contratual e extracontratual, a fim de estabelecer segurança jurídica a esse cenário, respeitando o nosso panorama social, na medida em que o estabelecimento do prazo de 03 anos revelou-se exíguo para a realidade brasileira.
Em segundo lugar, aprofunda a ideia sistematizante, adotando o mesmo prazo tanto para o sistema geral, regulado pelo CC, como para o sistema especial das relações de consumo, no caso a disposição do art. 27, do CDC, o que se apresenta como uma benesse, ao estabelecer uma harmonização para pretensões que, em essência, decorrem da responsabilidade civil.
Em terceiro lugar, a partir da previsão contida no caput do art. 205, pretende recuperar o projeto de dinamização das relações jurídico-sociais, mediante o estabelecimento de um prazo geral de cinco anos para as pretensões decorrentes de ações condenatórias. Fica a dúvida, porém, se os players do cenário econômico jurídico brasileiro reagirão favoravelmente a essa proposta.
Em quarto lugar, o projeto pauta-se pela moderação, ao manter-se na via binária da responsabilidade civil. É certo que se poderia adotar a tentativa de estabelecer uma terceira via de responsabilidade, no esforço de abranger situações que mereceriam um tratamento especial, como é o caso da hipótese da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares. No entanto, esse caminho poderia conduzir à indeterminação jurídica. A solução de ampliação para o prazo de 05 anos para a responsabilidade civil extracontratual representa uma solução de meio termo para esses casos, o que talvez reconduza a jurisprudência a perseguir os prazos legais estabelecidos, evitando, assim, a justificável invocação da teoria subjetiva da actio nata para preservar a possiblidade de reparação em difíceis questões situadas na zona intermediária entre contrato e delito.
Ao mesmo tempo, estabelece o projeto de reforma o mesmo prazo de 05 anos para a hipótese do ressarcimento por enriquecimento sem causa. Também aqui a solução tem o nítido propósito de racionalização. Atualmente, a previsão existente no art. 206, § 3º, IV institui o prazo de 03 anos para essa situação, que se equipara ao prazo originariamente previsto para a pretensão decorrente da responsabilidade civil.
Ajustando-se o prazo prescricional da responsabilidade civil para 05 anos, opta-se, no projeto, em manter essa simetria. Ao mesmo tempo, a previsão desse prazo iguala-se, conforme já referido acima, ao prazo constante do art. 27, do CDC, o que se constitui em uma tentativa de reduzir a possibilidade de invocação do argumento de que em determinadas hipóteses de ressarcimento, por enriquecimento sem causa, seria invocável o CDC.
Em síntese, pode-se considerar que existem sólidos argumentos a embasar a solução constante do projeto de reforma do CC em um tema tão relevante para essa nevrálgica área do direito privado, que se interliga não somente com a matéria de responsabilidade civil, como também com a efetividade das soluções jurídicas e a sempre perene tentativa de estabelecer a certeza do direito.
Mas só o tempo – o fenômeno que se pretende regular - dirá se a solução proposta pelo projeto de reforma do CC será realmente efetiva...