Migalhas de Responsabilidade Civil

Responsabilidade civil médica por violação ao dever de informação e as peculiaridades do consentimento de pacientes oncológicos submetidos ao Car-T Cell

Panorama da responsabilidade civil médica: consentimento informado em oncologia. Relação entre informação, dano e responsabilidade. Crescente exigência de consentimento individualizado.

16/5/2024

1. Notas introdutórias: Panorama jurídico da responsabilidade civil médica por violação ao dever de informação

Nestas breves reflexões, propõe-se um panorama geral do atual entendimento doutrinário e jurisprudencial brasileiro sobre responsabilidade civil médica por violação ao dever de informação, levando em consideração as peculiaridades e a dinâmica envolvida no consentimento de pacientes oncológicos. As ponderações aqui expostas foram apresentadas quando da minha participação, no dia 10 de abril de 2024, em reunião com membros fundadores do Instituto Miguel Kfouri Neto (IMKN) - Direito Médico e da Saúde, para debater sobre aspectos ético-jurídicos em oncologia, ao lado dos doutores Vanderson Rocha (professor titular USP) e Gabriel Massote (diretor IMKN).

Para que se caracterize a responsabilidade civil do médico pela falha na obtenção do consentimento, deve-se estabelecer uma relação clara entre a falta (ou incorreta) de informação e o prejuízo final. Assim, afirma Miguel Kfouri Neto que ‘o dano deve ser consequência da informação falha ou inexistente; esta se liga àquele por nexo de causalidade’.i Será imputável ao profissional o dano moral, por ‘não ter advertido o paciente quanto àquele risco, que acabou por se concretizar’. Indeniza-se o dano moral gerado por privar o enfermo de sua autodeterminação.

Mais recentemente, no Direito Médico, a doutrina do consentimento informado (leia-se, livre e esclarecido) tem ganhado novos contornos e, neste cenário, doutrinaii e jurisprudênciaiii brasileiras vêm se firmando no sentido de que não será considerado válido o consentimento genérico (blanket consent) ou por meio de formulário padronizado, necessitando ser claramente individualizado.

O dever de informação assumido pelo médico restará cumprido a partir da análise do ‘critério do paciente concreto’,iv ou seja, a explicação do profissional deve ser extensa e adaptada às características do enfermo (idade, condição médica, grau de instrução, nível intelectual e cultural etc.). Ademais, informações genéricas constantes no TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido não representam informação qualificada e, por isso, não são suficientes para permitir decisões refletidas ou compreensão adequada do paciente sobre diagnóstico, prognóstico e/ou benefícios e riscos do tratamento proposto.

Vale, ainda, um destaque: Mesmo que a assinatura de um documento (TCLE) seja importante para a comprovação da conduta médica diligente, conforme leciona André Pereira, o consentimento do paciente não pode mais se confundir com a efetiva prestação da obrigação do médico de informar, pois ‘a informação é apenas um aspecto do consentimento esclarecido’.v

Apesar de não ser proibida a utilização de formulário com estipulações gerais e padronizadas – cujo conteúdo é predisposto unilateral e antecipadamente para uma generalidade de pacientes-aderentes em uma condição semelhante de atendimento –, na atividade interpretativa, como leciona Flaviana Rampazzo Soaresvi, para aferir se ocorreu o consentimento esclarecido do paciente, incide a lógica do art. 46 do CDC.

Assim, o TCLE é anulável caso o seu emitente não tenha prévio conhecimento de seu conteúdo ou se a sua redação for tal que impeça a sua real compreensão. Deve-se verificar a cognoscibilidade do paciente, com a oportunidade de passagem por uma adequada fase prévia informativa e um efetivo processo decisório. Nesse sentido, Paulo Nalin é categórico: ‘a informação, vale frisar, não basta existir e ser suficiente, deve, sobretudo, ser clara (...) particularizando a informação, de modo compreensível e acessível, ao destinatário ou aderente’.vii

Conforme explicam Maria de Fátima Freire de Sá e Iara Antunes de Souza, a resolução do CNS 466/12 impõe fases de um processo de diálogo entre o médico e o paciente, a fim de se obter um consentimento livre e esclarecido: ‘a primeira fase do processo é de esclarecimento, segunda é de leitura do termo quando escrito e, por fim, após devidamente esclarecido, o paciente/sujeito da pesquisa manifesta sua anuência à prática médica ou científica’. viii

Atualmente, compreende-se a substancial alteração da relação médico-paciente, partindo-se de um esquema autoritário e vertical para um modelo democrático e horizontal, dando-se maior atenção às competências de comunicação clínica, sendo esta compreendida como o processo contínuo de interação entre o profissional da saúde e o enfermo, em um contexto no qual as características e os valores individuais de cada paciente são devidamente considerados.ix Desse modo, a releitura da doutrina do consentimento do paciente demanda, cada vez mais, que o consentimento seja compreendido como um processo e não um ato isoladamente considerado, devendo ocorrer real passagem prévia e contínua pelo devido processo informativo-decisório.x

Tendo em vista que a base do processo de consentimento se assenta num relacionamento bilateral, exige-se a troca de informações e o diálogo entre as partes, a fim de que seja efetivamente obtido um consentimento válido e eficaz sob o ponto de vista jurídico.

Por fim, vale destacar que, na prática, o mais dificultoso será determinar a exata medida da informação devida sobre os riscos a serem objeto da informação prestada. Diante disso, é essencial a ponderação sobre o escalonamento de riscos e os níveis de complexidade do atendimento no contexto do consentimento à atuação médica.

Em geral, tanto no Brasil como em Portugal, a doutrina e a jurisprudência vêm defendendo a obrigação do médico comunicar os riscos significativos, ou seja, aqueles que o profissional da medicina sabe ou deveria saber que são importantes e pertinentes, para o homem médio colocado nas mesmas circunstâncias daquele paciente. Trata-se da denominada "Teoria dos Riscos Significativos", segundo a qual o risco será considerado significativo em razão de quatro (4) critérios, como sustenta André Pereiraxi:

  1. necessidade terapêutica da intervenção;
  2. em razão da sua frequência (estatística);
  3. de acordo com a sua gravidade;
  4. de acordo com as características/comportamento do paciente.

Nessa linha, Flaviana Rampazzo Soares, no livro "Consentimento do paciente no direito médico", afirma que os riscos com frequência significativa devem ser informados ao paciente, mas nos de ocorrência insignificante, o dever de informação pode ser atenuado.xii Por outro lado, a autora explica que, mesmo quando os riscos forem estatisticamente insignificantes, devem ser informados ao paciente quando:

  1. possuem natureza grave e forem específicos de uma intervenção ou tratamento, a exemplo do risco de tetraplegia em cirurgia de coluna ou o risco de reversão espontânea de dutos após uma vasectomia;
  2. ou, ainda, quando a ocorrência do risco puder causar elevado prejuízo ao paciente, em suas diferentes dimensões (psíquicas, físicas, sociais, familiares, religiosas, laborais etc.). xiii

Então, observa-se a importância da ponderação sobre a frequência e gravidade do risco, para o fim de determinar o conteúdo da informação a ser recebida/compreendida pelo paciente. Além disso, outro fator importante na análise do conteúdo mínimo do consentimento, como já sustentamos na obra ‘Responsabilidade Civil Médica e Inteligência Artificial’, xiv é a novidade do tratamento, pois quanto mais recente for um procedimento terapêutico, maior rigor deverá presidir à informação dada ao paciente. Nesse cenário, pode-se tomar como exemplo novas tecnologias utilizadas nos cuidados de saúde, como cirurgias assistidas por robôs, sistemas decisionais automatizados (IA) para apoiar decisões clínicas ou, ainda, tratamentos inovadores como o Car-T Cell, que será objeto de investigação no presente artigo.

2. Peculiaridades e dinamicidade do consentimento de pacientes oncológicos submetidos ao Car-T Cell

O processo de consentimento informado em oncologia é especialmente complexo. Há um protocolo chamado Spikes,xv que orienta os profissionais da saúde sobre algumas etapas do processo de consentimento do paciente e a forma de comunicação de notícias difíceis/complexas, particularmente quando há a necessidade de uma abordagem mais delicada sobre diagnóstico de câncer, recidiva da enfermidade ou início de tratamento paliativo.

Antes de compartilhar as informações, o profissional deve avaliar o que o paciente já sabe sobre sua condição clínica, ajustando o nível de detalhe e a abordagem da conversa com base nesta percepção. Além disso, o enfermo deve ser convidado a expressar quão detalhada ele deseja que a informação seja repassada, respeitando seu direito de saber e, eventualmente, também o seu direito de não saber.

A informação deve ser transmitida de forma honesta, clara e em linguagem acessível, evitando na medida do possível, os termos técnicos, com uma ênfase especial em explicar o diagnóstico, prognóstico e o tratamento. Ainda, o protocolo Spikes indica a importância de, na consulta, o médico concluir a conversa com uma síntese das informações compartilhadas, com a confirmação da sua compreensão, e discussão dos próximos passos do tratamento ou estratégias a serem seguidas.

Além disso, pacientes com câncer frequentemente experimentam um estado de hipervulnerabilidade devido ao impacto emocional do diagnóstico. Os médicos devem avaliar cuidadosamente como as informações são recebidas, verificando a compreensão do enfermo e ajustando a comunicação conforme necessário. Eventualmente, na consulta seguinte, confirmar se o paciente compreendeu aquelas informações que foram repassadas na consulta anterior.

Outro ponto importante a se considerar é que, conforme já afirmado, a tomada de decisão nos cuidados de saúde deve ser compartilhada, isto é, trata-se de um processo colaborativo, que envolve médico e paciente (e, muitas vezes, familiares) na discussão das opções de tratamento, considerando as preferências e valores do paciente. Além disso, as condições e preferências do enfermo podem mudar ao longo do tempo, assim como as informações sobre novos tratamentos ou mudanças no prognóstico da doença.

Por isso, é essencial que haja uma reavaliação regular sobre a informação prestada, especialmente em pontos críticos do cuidado do paciente. Em outras palavras, como já ressaltamos, o consentimento a ser colhido pela equipe médica não é um evento único, mas sim processual, por meio de um processo contínuo de comunicação e reavaliação. Nesse sentido, sustenta Alessandro Nilo: ‘[o consentimento] difere-se no tempo ao longo do tratamento e renova-se de acordo com a evolução do caso. Em nenhuma outra prestação de serviços o acordo consensual estabelecido entre as partes é tão renovado, passo a passo ao longo do tempo, como ocorre no contrato de tratamento’.xvi

Ao trazer o presente debate para o contexto de pacientes oncológicos submetidos a um tratamento denominado Car-T Cell, verifica-se que a vulnerabilidade é agravada em razão dos efeitos emocionais decorrentes da gravidade da doença e, ainda, pela publicidade feita sobre a tecnologia inovadora como única e última hipótese curativa para salvar sua vida.

A terapia CAR-T - Receptor de Antígeno Quimérico em Células T é uma forma avançada de imunoterapia usada para tratar malignidades hematológicas, como alguns tipos de leucemia e linfomas que não responderam a outras terapias. Neste tratamento, células T do próprio paciente são geneticamente modificadas em laboratório para produzir receptores artificiais na sua superfície, conhecidos como receptores de antígeno quimérico. Estes receptores permitem que as células T reconheçam e ataquem células cancerígenas de forma mais efetiva. A terapia Car-T é especialmente recomendada como terceira linha de tratamento, em casos de câncer recidivado ou refratário, oferecendo uma nova esperança para pacientes cujas opções de tratamento prévias foram esgotadas.

Informar um paciente oncológico sobre a possibilidade de cura, especialmente através de tecnologias inovadoras como a terapia com células Car-T, requer sensibilidade, precisão e clareza. Há alguns fatores a serem ponderados para que os enfermos tenham uma compreensão clara do seu diagnóstico, opções de tratamento (alternativas terapêuticas existentes ou não), e os riscos e benefícios associados à tecnologia, permitindo-lhes tomar decisões informadas sobre o seu tratamento.

Em janeiro de 2024, foi publicada uma pesquisa realizada no Massachusetts General Hospital, nos Estados Unidos, para investigar o perfil da comunicação entre oncologistas e pacientes (e seus familiares), no contexto específico do Car-T Cell.xvii Constatou-se que, em geral, médicos discutem os aspectos novos e eficazes da terapia com os enfermos, mas raramente abordam os riscos específicos, a possibilidade (mesmo que pequena) de falha do tratamento e o planejamento de cuidados avançados. Os profissionais da Medicina preferencialmente enfatizam os resultados positivos da tecnologia – o que ressaltamos ser algo muito adequado e importante.

Todavia, há uma questão a ser ponderada: como lidar com a situação de que, muitos pacientes acabam com lacunas significativas de conhecimento, a respeito de resultados negativos e riscos, possibilidade de falha do tratamento, possíveis toxicidades e outros efeitos colaterais. Como qualquer tratamento de saúde, aqui não é diferente, pois há sempre riscos e a álea terapêutica envolvida. Para um mesmo tipo de tratamento, cada organismo pode reagir de maneira diversa.

FDA - Food and Drug Administration, nos Estados Unidos, emitiu em fevereiro de 2024 um alerta sobre o risco de cânceres secundários desenvolvidos depois de alguns anos, em pacientes tratados com o Car-T. xviii Por isso, a agência recomenda que os pacientes recebendo essa terapia celular sejam monitorados por toda a vida, para verificar qualquer nova malignidade. Todavia, a FDA constatou que o desenvolvimento destes cânceres secundários ocorreu em uma porcentagem baixíssima, cerca de 1% dos pacientes. Além disso, apesar desse risco, a própria agência enfatiza que os benefícios gerais desta tecnologia continuam a superar muito os seus possíveis riscos.

Diante deste cenário, podem ser levantados alguns questionamentos: o que o médico deve informar ao paciente que será submetido ao Car-T Cell? Ou, ainda, como devem ser trazidas estas informações? E, por fim, quais as consequências jurídicas de não informar ou informar inadequadamente?

Antes de considerar a terapia Car-T, os médicos devem fornecer aos pacientes uma visão clara do seu quadro clínico atual, incluindo o estágio da doença, prognóstico e inexistência de outras opções de tratamento. Deve ser explicado o porquê deste tratamento estar sendo considerado (por exemplo, devido à refratariedade ou recidiva após tratamentos anteriores). Ou seja, o médico, durante a consulta, inicia a conversa estabelecendo um contexto claro sobre a situação atual do paciente, incluindo o tipo e estágio do câncer, tratamentos anteriores e como esses tratamentos afetaram a doença. Isso ajuda a situar a conversa dentro da jornada de tratamento específica do paciente.

Uma explicação da terapia Car-T deve ser fornecida, incluindo como funciona, por que é considerada inovadora e para quais tipos de câncer é atualmente aprovada, incluindo o caso específico do paciente em questão. Isso ajudará a estabelecer uma base de conhecimento para que o enfermo possa entender melhor os benefícios e riscos associados. Ademais, atualmente, os profissionais da saúde devem se comprometer com uma comunicação contínua, permitindo que os enfermos façam perguntas, expressem suas preocupações e revisitem suas decisões à medida que o tratamento evolui, as circunstâncias mudam e/ou novas informações se tornam necessárias.

Por exemplo, o médico informa: ‘Sr. Manoel, uma opção de tratamento que estamos considerando, a partir deste momento, é denominado terapia com células Car-T. É um tipo de tratamento onde usamos o próprio sistema imunológico do seu corpo para combater o câncer. Isso é feito modificando geneticamente algumas de suas células de defesa, para que elas possam reconhecer e atacar as células cancerígenas mais efetivamente’. Ou seja, neste momento, o médico introduz à conversa a terapia com células Car-T, explicando o que ela é e como funciona de maneira simplificada, mas precisa.

Outro ponto essencial para fazer parte o processo de consentimento do paciente engloba uma discussão sobre os riscos e efeitos colaterais – ao menos abordar os mais frequentes e específicos ao tratamento proposto. Isso inclui, por exemplo, a CRS - Síndrome da Liberação de Citocinas, neurotoxicidade, infecções, citopenias, possibilidade de toxicidade em órgãos não-alvo etc. Os pacientes submetidos à terapia Car-T geralmente são monitorados de perto em um ambiente hospitalar, especialmente nos primeiros 10 dias após a infusão, para que qualquer problema possa ser rapidamente identificado e tratado. Os enfermos devem ser informados sobre os sinais de alerta desses efeitos colaterais, e como eles serão monitorados e gerenciados.

Por fim, é essencial trazer o debate a respeito do gerenciamento de expectativas, o que, na verdade, aplica-se para qualquer inovação tecnológica na Medicina. Embora os profissionais da saúde não garantam o sucesso de 100% do tratamento com o Car-T Cell, muitas vezes há uma superexpectativa do paciente com a tecnologia e, mais do que isso, vislumbra-se uma complexidade maior de assimilar informações repassadas pelo médico.

Em que pese a terapia Car-T oferecer uma promessa bastante significativa e revolucionária no tratamento de certos cânceres hematológicos, particularmente aqueles que não responderam a tratamentos anteriores, a percepção pública e as expectativas podem, às vezes, ultrapassar a realidade dos resultados possíveis. A mídia frequentemente destaca histórias de sucesso de tratamentos inovadores, como a terapia Car-T, enfatizando os casos de curas ou remissões completas. Embora tais histórias sejam verdadeiras e forneçam esperança, elas podem não representar a experiência de todos os pacientes.

A superexpectativa em relação a novas tecnologias médicas, como a terapia com células Car-T, é um questão complexa para o médico gerenciar. Pacientes com câncer, especialmente aqueles em estágios avançados ou que esgotaram outras opções de tratamento, podem se apegar demasiadamente à esperança de uma 'cura certa e milagrosa'.

É importante ressaltarmos novamente que a Medicina não é uma ciência exata e a álea terapêutica estará sempre presente. Para um mesmo tipo de tratamento, cada paciente pode reagir de maneira distinta. Sem dúvidas, é muito importante manter a positividade de um paciente oncológico, dizendo que há grandes chances de que ele se enquadre na grande maioria dos casos de enfermos que obtiveram a cura daquela patologia, por meio de um determinado tratamento. Contudo, cabe ao médico saber gerenciar adequadamente estas superexpectativas. Inclusive, sustentamos isso no intuito de que estes nobres profissionais se protejam de, eventualmente, uma demanda judicial relacionada à responsabilidade civil por violação ao dever de informação.

Vale a ressalva de que a ressignificação do direito à informação de pacientes oncológicos, nos moldes apresentados, engloba uma espécie de 'padrão ouro no tratamento', razão pela qual é importante considerar as peculiaridades da situação concreta, para aferir a possibilidade de exigir do médico determinada conduta diante de eventual condição precária de trabalho ou, ainda, outras questões relacionadas à própria estrutura da entidade hospitalar onde ocorreu o atendimento.

3. Considerações finais

A terapia Car-T Cell representa uma evolução significativa no tratamento das malignidades hematológicas, oferecendo novas esperanças e possibilidades onde, anteriormente, as opções eram limitadas ou ineficazes. Ao abordarmos o consentimento para o tratamento com esta tecnologia, lidamos com muito mais do que aspectos técnicos ou clínicos; estamos navegando por questões profundamente sensíveis da experiência do câncer. Todo o debate proposto nestas breves reflexões teve como foco o Direito Médico preventivo, no intuito de evitar demandas judiciais sobre responsabilidade civil médica por violação ao dever de informação.

Nesse cenário, além de ser considerada a complexidade da tecnologia e a hipervulnerabilidade de pacientes oncológicos, é necessário reconhecer que cada enfermo traz sua própria história, esperanças, medos e expectativas. Portanto, é crucial que o consentimento seja adaptado para atender às características individuais do enfermo, garantindo um processo de diálogo para que informações importantes sejam compreendidas. Isso inclui uma discussão aberta sobre os potenciais benefícios e riscos, possíveis efeitos colaterais e os cenários de sucesso e fracasso do tratamento.

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i KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 11. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 41; 48

ii Em decisão paradigmática do Superior Tribunal de Justiça em 2018,  decidiu-se que há efetivo cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso concreto do paciente e, neste sentido, não será considerado válido o consentimento genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado (STJ, REsp 1540580/DF, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. p/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 02/08/2018.)

iii FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil.  4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 1318.

iv PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente. Estudo de Direito Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 556.

v PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente. Estudo de direito civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 74.

vi SOARES, Flaviana Rampazzo. Consentimento do paciente no direito médico: validade, interpretação e responsabilidade. Indaiatuba: Foco, 2021, p. 227-228.

vii NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 149.

viii SÁ, Maria de Fátima Freire de; SOUZA, Iara Antunes de. Termo de consentimento livre e esclarecido e responsabilidade civil do médico e do hospital. In: ROSENVALD, Nelson; MENEZES, Joyceane Bezzerra de; DADALTO, Luciana (Coord.) Responsabilidade civil e medicina. Indaiatuba: Foco, 2020, p. 57-76.

ix NOGAROLI, Rafaella. Responsabilidade civil médica e inteligência artificial: culpa médica e deveres de conduta no século XXI. São Paulo: Thomson Reuters Brasil – Revista dos Tribunais, 2023, p. 81 e ss.

x VASCONCELOS, Camila. Direito médico e bioética: história da judicialização da relação médico-paciente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p. 193 e ss. DANTAS, Eduardo. Direito Médico. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2022, p. 129 e ss.

xi PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente. Estudo de Direito Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 394-416.

xii SOARES, Flaviana Rampazzo. Consentimento do paciente no direito médico: validade, interpretação e responsabilidade. Indaiatuba: Foco, 2021.

xiii SOARES, Flaviana Rampazzo. Consentimento do paciente no direito médico: validade, interpretação e responsabilidade. Indaiatuba: Foco, 2021.

xiv NOGAROLI, Rafaella. Responsabilidade civil médica e inteligência artificial: culpa médica e deveres de conduta no século XXI. São Paulo: Thomson Reuters Brasil – Revista dos Tribunais, 2023, p. 265.

xv PORTAL Oncologia do Brasil. Protocolo SPIKES: conheça estratégias necessárias para comunicar más notícias. Editorial, 6 dez. 2021. Disponível em: https://www.oncologicadobrasil.com.br/blog/protocolo-spikes/. Acesso em 26 abr. 2024.

xvi NILO, Alessandro Timbó. Direito médico: o contrato de tratamento no direito brasileiro. Curitiba: Juruá, 2020, p. 145-146.

xvii DHAWALE, Tejaswini et al. Communication about chimeric antigen receptor T-Cell (Car-T) Therapy. Transplantation and Cellular Therapy, n. 30, v. 4, abr. 2024.

xviii URAN, Melissa. FDA Adds Boxed Warning to CAR T-Cell Therapies, but Says Benefits Outweigh Risks of Secondary Cancers. The Journal of the American Medical Association (JAMA), n. 331, v. 10, p. 818-820, fev. 2024.

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Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.