Migalhas de Responsabilidade Civil

Influenciadores digitais e redes sociais: Repercussões jurídicas acerca da atuação dos digitais influencers na era da hiperconectividade

A sociedade contemporânea passa por mudanças significativas em várias esferas, resultando em novas tecnologias e riscos que afetam as relações humanas e levantam questões éticas, jurídicas e sociais.

11/4/2024

A sociedade contemporânea tem sido palco de um amplo espectro de mudanças em diversas esferas, abarcando aspectos sociais, econômicos, culturais, políticos e tecnológicos, os quais, por sua vez, têm provocado alterações significativas nas relações humanas. Na presente conjuntura de uma sociedade altamente interconectada e de consumo exacerbado, embasada em um novo paradigma tecnológico e no mercado de consumo digital, emergem novas tecnologias, riscos e danos que afetam cotidianamente os indivíduos, acarretando numerosas implicações éticas, jurídicas e sociais.

Neste contexto, se observa um crescente grau de conectividade por parte dos indivíduos, configurando o fenômeno da hiperconectividade, no qual os dados digitais são gerados de maneira contínua e exponencial. Dessa forma, se verifica uma verdadeira revolução digital, que se evidencia por meio do estabelecimento de um novo paradigma tecnológico na contemporaneidade.

O avanço de diversas inovações tecnológicas e sua progressiva incorporação no cotidiano das pessoas, modificou de modo determinante a vida dos indivíduos, principalmente, no tocante a utilização disseminada da internet, computadores, smartphones, tablets, dispositivos vestíveis (werable devices), IoT - Internet das Coisas, redes sociais, inteligência artificial, entre outros.

Tais instrumentos tecnológicos provocaram transformações profundas na estrutura socioeconômica da sociedade contemporânea, destacando-se uma nova configuração do mercado de consumo - o mercado de consumo digital - baseado em novos arranjos contratuais, desenvolvimento do comércio eletrônico, veiculação de publicidade digital, especialmente, com o uso massivo de marketing de influência, emprego da inteligência artificial, tratamento de dados pessoais dos consumidores, criação de perfis digitais de consumo (profiling) e novos objetos da relação jurídica de consumo - bens digitais - oferecidos no mercado de consumo digital.

Dessarte, as mudanças no cenário comunicacional são marcadas pela disseminação de publicidade no ambiente digital, sobretudo, por meio do crescente uso de marketing de influência por parte dos fornecedores no mercado de consumo digital.

Neste contexto de hiperconectividade, hiperconsumo e de virtualização das relações contratuais, a vulnerabilidade do consumidor é intensificada, uma vez que as assimetrias - técnica, informacional e, sobretudo, digital - se ampliam, assim como o desequilíbrio contratual entre consumidores e fornecedores no âmbito das relações de consumo digitais.

Constata-se que as plataformas digitais desempenham o papel de conectar instantaneamente milhões de pessoas, possibilitando a disseminação rápida de diversos conteúdos e transpondo as fronteiras físicas por meio do ambiente digital.

Nessa conjuntura, os fornecedores, atentos às mudanças tecnológicas e comunicacionais, vislumbraram no marketing de influência um novo modelo publicitário capaz de potencializar o impacto de suas campanhas publicitárias por meio da atuação dos influenciadores digitais nas mídias sociais.

Essas celebridades digitais exercem significativa influência sobre a vida das pessoas que os seguem, podendo modificar hábitos, comportamentos e até mesmo influenciar decisões de compra no mercado de consumo.

Diante disso, é indispensável uma proteção efetiva do consumidor no mercado de consumo digital, o que permeia a controvérsia acerca da possibilidade de imputação de responsabilidade civil aos influenciadores digitais pela disseminação de publicidade ilícita em plataformas digitais, com esteio no flagrante desrespeito aos preceitos normativos e éticos norteadores da publicidade no Brasil, estabelecidos pelo Sistema Jurídico Nacional, notadamente, por meio do CDC - Código de Defesa do Consumidor e pelo CBAP - Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitaria.

A primazia da proteção dos consumidores diante da ocorrência de danos, sejam eles potenciais ou concretos, materiais, extrapatrimoniais ou sociais, causados pelos influenciadores, permite concluir pela atribuição de responsabilidade objetiva e solidária aos fornecedores, nas situações em que divulguem publicidade ilícita, tendo em vista o risco da atividade econômica desenvolvida, a relação de confiança estabelecida e o benefício econômico obtido com sua atuação ilícita no mercado de consumo digital.

Além disso, os influenciadores digitais devem pautar sua conduta pela observância dos princípios éticos e jurídicos vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, como os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, fornecendo informações qualificadas sobre o conteúdo publicitário, a fim de assegurar as legítimas expectativas despertadas pela publicidade digital, em consonância com os princípios da informação, transparência e confiança, sob pena de imputação de responsabilidade civil.

Diante dos argumentos apresentados, a imputação de responsabilidade civil objetiva aos influenciadores digitais se delineia como mais adequada ao deslinde da controvérsia, com fundamento na violação aos preceitos normativos da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e no risco da atividade econômica desempenhada.

Ademais, os influenciadores digitais obtêm inegável proveito econômico com a realização de atividade publicitária no mercado de consumo digital.

Nesse sentido, destaca-se, ainda, existir um caráter facultativo de vinculação de imagem, credibilidade, fama e influência por parte dos digital influencers a determinado produto ou serviço do fornecedor. Desse modo, os influencers devem nortear sua conduta no mercado de consumo digital pela imprescindível observância aos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, com o objetivo de se evitar a perpetração de eventual prática comercial abusiva lesiva aos interesses dos consumidores (seguidores).

Destarte, os influenciadores não são obrigados a se vincular, mas na hipótese de aceitarem a vinculação publicitária com contrapartidas – remuneração direta (em pecúnia) ou indireta (os denominados “mimos e recebidos” e demais contrapartidas deste modelo) – assumem responsabilidade civil objetiva e solidária com o fornecedor pelos danos causados pela divulgação de publicidade ilícita nas redes sociais.1

Para além da temática da imputação de responsabilidade civil aos influenciadores digitais pela divulgação de publicidade ilícita nas plataformas digitais, outros assuntos despontam no âmbito da atuação dos digital influencers, com destaque para a prática comercial abusiva do assédio de consumo, a tutela de dados pessoais dos consumidores, a divulgação de fake news, o (over)sharenting, os quais demonstram de forma indubitável, a premente necessidade de regulamentação da atividade econômica desenvolvida pelos influenciadores no cenário contemporâneo da sociedade digital.

No âmbito das redes sociais, notadamente, marcado pela atuação de influenciadores na realização de atividade publicitária no mercado de consumo digital, o assédio de consumo e vislumbrado, por meio de estratégias agressivas de marketing, caracterizadas pela divulgação de anúncios publicitários, de maneira reiterada, excessiva e invasiva.

Nesse giro, os consumidores são atingidos pela massiva difusão de publicidade digital de produtos e serviços promovida por influencers, nas mídias sociais, que, por conseguinte, ensejam uma situação de perturbação, importunação ou mesmo inconveniência aos seus seguidores, no ambiente digital, que se configura como um dano causado pelo assédio de consumo, com evidentes prejuízos aos direitos básicos dos consumidores.2

Em conclusão, evidencia-se que a atuação dos influenciadores digitais nas mídias sociais é um campo vasto e dinâmico, cuja complexidade e multiplicidade de questões se revelam inesgotáveis. O referido contexto em constante evolução, aliado à rápida transformação do panorama tecnológico, engendra uma multiplicidade de desafios e dilemas jurídicos, éticos e sociais, os quais, por conseguinte, demandam uma análise crítica e acurada da temática dos digital influencers, sob a perspectiva dos preceitos ético-jurídicos da boa-fé objetiva em consonância com os princípios da informação, transparência, confiança e da função social dos contratos, com a finalidade de se permitir o adequado deslinde das controvérsias havidas no contexto contemporâneo de uma sociedade hiperconectada e do hiperconsumo.

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1 SILVA, Michael César; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; BARBOSA, Caio César do Nascimento. Digital Influencers e Social Media: repercussões jurídicas, perspectivas e tendências da atuação dos influenciadores digitais na sociedade do hiperconsumo. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024, p.232.

2 SILVA, Michael César; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; BARBOSA, Caio César do Nascimento. Digital Influencers e Social Media: repercussões jurídicas, perspectivas e tendências da atuação dos influenciadores digitais na sociedade do hiperconsumo. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024, p.256.

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Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.