Migalhas de Responsabilidade Civil

Seguro-garantia: critérios para sua eficaz utilização como instrumento de gerenciamento de riscos em contratos de infraestrutura – Parte II

O presente ensaio busca apresentar critérios de interpretação que possibilitem melhor estruturar o contrato de seguro-garantia de forma a possibilitar o cumprimento de sua função promocional.

22/11/2023

O presente ensaio, dividido em duas partes sequenciais, busca apresentar critérios de interpretação que possibilitem melhor estruturar o contrato de seguro-garantia de forma a possibilitar o cumprimento de sua função promocional.

Na Parte I, evidenciou-se que não há na legislação brasileira disciplina específica sobre os elementos estruturais do contrato de seguro-garantia. E, a partir do exame de algumas dificuldades observadas quanto ao cumprimento específico de obrigações contratuais pelo segurador, recomendou-se a adoção preferencial da opção indenizatória nos contratos privados de empreitada e nas contratações públicas – em seus mais diversos modelos – envolvendo a realização de obras. E, agora, na Parte II, serão objeto de análise os fatos supervenientes que podem acarretar a própria supressão da garantia nesse tipo de contrato de seguro.

Diversos fatos surgidos durante a execução do contrato podem acarretar o agravamento do risco técnico e financeiro do contrato, agravamento esse que será refletido diretamente nas obrigações originariamente estabelecidas, uma vez que importam na modificação das premissas negociais que motivaram a formação do seguro-garantia. Cite-se, como exemplo de agravamento do risco, a hipótese em que o segurado, durante a execução do contrato, obtém acesso a informações privilegiadas sobre acidente envolvendo o despejo de produtos químicos ocorrido na região em que serão realizadas as obras, com potencial de substancial modificação do projeto originário e, deliberadamente, as omite do tomador e do segurador.

No âmbito estrito das contratações privadas, o agravamento do risco é disciplinado pelos artigos 768 a 770 do Código Civil1. Particularmente no que se refere ao exemplo citado no parágrafo precedente, dispõe o art. 769 que o segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé. Ao estatuir essa regra, o objetivo do legislador foi o de perpetuar o dever de o segurado prestar informações relevantes associadas ao risco durante toda a fase de execução contratual, obrigação já estabelecida quando da formação do contrato, nos termos dos artigos 765 e 766 do Código Civil, e que deve ser observada durante todas as etapas contratuais2.

A dinâmica própria da realidade social, notadamente em uma sociedade marcada pela crescente complexidade e por transformações cada vez mais velozes3, pode acarretar o surgimento de novos fatos que agravem o risco, fatos esses não previstos quando prestadas as informações iniciais que balizaram a formação do contrato. Dada a complexidade dos elementos sociais e econômicos produzidos pela sociedade contemporânea, que gera inúmeras novas situações de risco e o agravamento dos já existentes4, bem como tendo em vista a natureza específica do contrato de seguro, que pressupõe uma relação jurídica de trato sucessivo estruturada com base no princípio da boa-fé e em deveres informativos5, quaisquer fatos relevantes associados ao risco devem ser noticiados de forma contínua no âmbito da relação contratual.

E a consequência jurídica pela não observância da obrigação estabelecida no caput do art. 769 do Código Civil é a perda do direito à garantia estabelecida no contrato. O dever de comunicação estabelecido nesse dispositivo relaciona-se a qualquer circunstância que possa agravar o risco6, mesmo que a nova circunstância seja externa e não se vincule diretamente ao segurado7. Se o segurado tiver ciência inequívoca, mesmo que não tenha contribuído para a sua ocorrência, deverá informar oportunamente o segurador. O silêncio do segurado em tal circunstância evidenciará a sua má-fé de forma a justificar a perda do direito à garantia.

Nesse ponto, estabelece a Circular 662/22 da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP que, na hipótese de ser prevista a exigência de comunicação da alteração do objeto principal ao segurador, sua não comunicação, ou sua comunicação em desacordo com os critérios estabelecidos nas condições contratuais do seguro, poderá gerar a perda da garantia se essa omissão agravar o risco e concomitantemente tiver relação com o sinistro ou estiver comprovado, pelo segurador, que o segurado silenciou de má-fé8.

A referida Circular dispõe ainda que a não comunicação da expectativa de sinistro ao segurador, ou envio dessa comunicação em desacordo com as disposições contratuais, poderá igualmente configurar hipótese de agravamento do risco, ensejando a perda do direito pelo segurado à garantia caso esse fato impeça o segurador de mitigar os efeitos da inadimplência junto ao tomador9.

Podem ocorrer, de igual sorte, atos intencionais imputáveis ao próprio segurado que importem no agravamento do risco. Essa hipótese é regida pelo art.768 do Código Civil que dispõe que o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. No momento de formação do contrato, o segurado deve prestar todas as informações necessárias para análise de risco e, uma vez consolidadas, é possível dimensionar o risco concreto associado ao quadro fático-jurídico delineado por esse conjunto de informações. Esse mesmo quadro fático-jurídico deverá ser preservado durante a execução contratual, cabendo ao segurado, por um lado, prestar continuamente quaisquer informações relacionadas à alteração de circunstâncias que possam interferir na análise de risco e, por outro, abster-se de qualquer comportamento que possa agravar o risco10.

A disciplina específica conferida pelo Código Civil à matéria, vedando expressamente o agravamento intencional do risco pelo segurado, funda-se igualmente na constatação de ser elevada a probabilidade de ocorrência desse tipo de comportamento nocivo no âmbito dos contratos de seguro11. Dado que a avença tem por pressuposto a cobertura de riscos predeterminados12, observa-se a existência do intitulado risco moral associado à própria natureza dessa espécie contratual. O segurado, ciente de que a cobertura do risco constitui uma obrigação assumida contratualmente pelo segurador, pode ser levado a reduzir as medidas de precaução que ordinariamente adotaria caso não houvesse formalizado o contrato de seguro, podendo, inclusive, atuar de forma negligente ou mesmo dolosa com o objetivo de receber a indenização resultante da ocorrência do sinistro13.

Interfere o legislador, assim, de forma a coibir esse tipo de comportamento hostil por parte do segurado com o objetivo de assegurar, no plano singular, a higidez do contrato de seguro e, no plano macro, a preservação do mutualismo14.

Como no seguro-garantia há uma relação tripartite sui generis, a questão que se coloca é saber se o agravamento do risco levado a cabo pelo tomador também pode ensejar a perda do direito à garantia. Embora não exista disciplina normativa específica sobre essa hipótese, a interpretação consentânea com o sistema normativo que rege os contratos de seguro é a que afasta a possibilidade de perda da garantia, uma vez que essa é prestada exclusivamente em favor do segurado, não havendo qualquer benefício auferido pelo tomador caso ocorra o sinistro.

Como visto, uma das razões subjacentes à vedação da conduta que acarreta o agravamento intencional do risco associa-se ao denominado risco moral que, por sua vez, pressupõe a redução de medidas de precaução com o objetivo de receber a indenização resultante da ocorrência do sinistro. O tomador, no entanto, mesmo que deixe de adotar medidas preventivas que seriam ordinariamente exigíveis, não adota esse tipo de conduta no âmbito do seguro-garantia com o objetivo de receber indenização em razão da ocorrência do sinistro, não havendo, assim, sob a perspectiva teleológica, razão para aplicar extensivamente a regra estabelecida no art.768 do Código Civil à hipótese.

Pode-se afirmar, no que diz respeito aos efeitos produzidos diretamente sobre o contrato de seguro, que a eventual negligência do tomador, sob o ponto de vista funcional, não seria abusiva, pois não busca ele, conforme acima destacado, criar uma situação específica em favor da ocorrência do sinistro que lhe favoreça15. A regra estabelecida no art.768 do Código Civil deve ser funcionalizada à luz do princípio da boa-fé, que orienta os negócios jurídicos de forma geral16 e possui especial relevância setorial na compreensão do contrato de seguro17, não se aplicando, de acordo com essa perspectiva, a consequência jurídica de perda da garantia na hipótese de negligência por parte do tomador18.

Delineado, assim, o quadro de agravamento do risco nos contratos de seguro-garantia, é de se concluir que, em inúmeras situações concretas em que se observe agravamento, esse instrumento não será capaz de cumprir seu papel de assegurar o efetivo cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato principal. Ao revés, haverá perda da garantia nas mencionadas hipóteses de agravamento de risco, afastando-se, com isso, as alternativas legalmente previstas de pagamento de indenização ou de assunção direta das obrigações a cargo do tomador.          

A partir do reconhecimento inicial de que o seguro-garantia faz-se capaz de mitigar problemas associados ao descumprimento de obrigações contratuais, buscou-se apresentar, nas duas partes que integram o presente ensaio, um panorama crítico dos contratos privados de empreitada e das contratações públicas envolvendo a realização de obras para, ao final, sugerir alguns critérios de interpretação que possibilitem assegurar maior efetividade a esse tipo sui generis de contrato de seguro, destacadamente no âmbito das contratações públicas envolvendo obras de infraestrutura.

O percurso foi iniciado com a apresentação do quadro normativo existente de forma a identificar as diversas fontes legislativas e regulamentares, reconhecendo-se que não há disciplina específica em sede normativa sobre elementos estruturais do contrato de seguro-garantia.

A seguir, foram apresentadas as características gerais do seguro-garantia e evidenciadas algumas vicissitudes observadas nos contratos privados de empreitada e nas contratações públicas envolvendo a realização de obras de forma a conjugá-las com a utilização do seguro-garantia. Nesse ponto, buscou-se dar ênfase a três especificidades observadas em contratos dessa natureza: (i) precariedade técnica dos projetos de engenharia e arquitetura; (ii) complexidade de arranjos contratuais em que a realização de obras é apenas um dos itens que configuram o objeto contratual; e, (iii) incompatibilidade com os percentuais legais estabelecidos para o alcance do seguro-garantia.

A análise crítica dessas especificidades, por sua vez, revelou haver dificuldades substanciais quanto ao cumprimento específico de obrigações contratuais pelo segurador, sugerindo-se, em razão dessa análise, um primeiro critério norteador para a interpretação e aplicação do seguro-garantia: a adoção preferencial da opção indenizatória nos contratos privados de empreitada e nas contratações públicas – em seus mais diversos modelos – envolvendo a realização de obras, prestigiando-se a diretriz geral de pagamento em dinheiro estabelecida no art.776 do Código Civil.   

Paralelamente, sugeriu-se que a previsão de assunção do cumprimento de obrigações pelo segurador em caso de inadimplência deve ser estabelecida apenas nas hipóteses em que: (i) seja possível a especificação de forma pormenorizada, segregada e objetiva da obrigação a ser cumprida; (ii) o projeto originário apresentar viabilidade técnica para ser executado continuamente; e, (iii) o remanescente da obra não ultrapassar os valores fixados como limites máximos pela legislação para a cobertura do seguro-garantia.

Como etapa final, foi enfrentado o tema do agravamento do risco, apresentando-se as hipóteses em que deverá ocorrer a supressão da garantia, o que implicará na não aplicação das alternativas legalmente previstas de pagamento de indenização ou de assunção direta das obrigações a cargo do tomador.

Advirta-se, por fim, que os critérios hermenêuticos apresentados deverão ser conjugados com inúmeras medidas concretas a serem tomadas pelos diversos atores envolvidos no contrato de seguro-garantia a fim de que seja ampliada a vocação desse instrumento para mitigar problemas associados ao descumprimento de obrigações contratuais. Dentre essas medidas, destacam-se as seguintes: (i) melhoria na estruturação dos projetos e efetiva avaliação de sua solidez pelo segurador; (ii) fortalecimento dos mecanismos de gestão e governança com ênfase no acompanhamento das etapas de execução contratual; e, (iii) maior detalhamento contratual das etapas de execução contratual e respectivas obrigações, bem como das circunstâncias específicas que evidenciem o inadimplemento.

Assim, será possível utilizar o seguro-garantia como instrumento apto a mitigar com maior efetividade o descumprimento de obrigações estabelecidas em contratos privados de empreitada e de contratações públicas envolvendo a realização de obras, assegurando-se o cumprimento da sua relevante função promocional19.

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1 Para a análise mais acurada da disciplina conferida ao agravamento do risco, remetem os autores aos comentários por eles apresentados aos artigos 768 a 770 do Código Civil em obra coletiva que buscou abordar de forma sistemática e pormenorizada a disciplina normativa conferida ao contrato de seguro pelo Código Civil.  MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; TÁVORA, Rodrigo de Almeida. Comentários aos artigos 768, 769 e 770 do Código Civil. In: GOLDBERG, Ilan; JUNQUEIRA, Thiago. (Org.). Direito dos seguros: comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

2 Úrsula Goulart Bastos classifica a obrigação estabelecida no art.769 do Código Civil como um dever de informar qualificado. BASTOS, Úrsula Goulart. O agravamento do risco no seguro de dano. In: GOLDBERG, Ilan; JUNQUEIRA, Thiago. (Org.). Temas atuais de Direito dos Seguros. Tomo I. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 521.

3 Bauman qualifica essa sociedade de “líquido-moderna”. Conforme assinala o Autor “numa sociedade líquido-moderna, as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidades. As condições de ação e as estratégias de reação envelhecem rapidamente e se tornam obsoletas antes de os atores terem uma chance de aprendê-las efetivamente. BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p.7

4 Conforme adverte Beck, “na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos. Consequentemente, aos problemas e conflitos distributivos da sociedade da escassez sobrepõem-se os problemas e conflitos surgidos a partir da produção, definição e distribuição de riscos científico-tecnologicamente produzidos”. BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 23.

5 Martins-Costa evidencia que “desde os mais arcanos tempos da História securitária tanto o princípio da boa-fé quanto a configuração de deveres informativos a cargo das partes tiveram no contrato de seguro um campo de especialíssimas relevância e função. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 372.

6 Sobre a circunstância que deve ser reportada ao segurador, os autores já tiveram oportunidade prévia de esclarecer que, diferentemente do Código Civil de 1916, que também previa em seu art.1.455 a obrigação a cargo do segurado de comunicar qualquer fator que possa agravar o risco, o atual o atual Código qualifica esse incidente, relacionando-o apenas às hipóteses de agravamento considerável do risco. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; TÁVORA, Rodrigo de Almeida. Comentários aos artigos 768, 769 e 770 do Código Civil. In: GOLDBERG, Ilan; JUNQUEIRA, Thiago. (Org.). Direito dos seguros: comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

7 Conforme esclarece Serpa Lopes “a causa do agravamento do risco pode decorrer de uma circunstância exterior, isto é, alheia à vontade do segurado”. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 413.

8 Art.11. (...)  § 2º Na hipótese de ser prevista a exigência de comunicação da alteração do objeto principal à seguradora, sua não comunicação, ou sua comunicação em desacordo com os critérios estabelecidos nas condições contratuais do seguro, somente poderá gerar perda de direito ao segurado caso agrave o risco e, concomitantemente: a) tenha relação com o sinistro; ou b) esteja comprovado, pela seguradora, que o segurado silenciou de má-fé.

9 Art.17. (...)§ 2º Na hipótese de ser prevista a exigência de comunicação da expectativa de sinistro à seguradora, sua não comunicação, ou sua não comunicação de acordo com os critérios estabelecidos nas condições contratuais do seguro, somente poderá gerar perda de direito ao segurado caso configure agravamento do risco e impeça a seguradora de adotar as medidas dos incisos II e III do artigo 29.

10 Nesse ponto, Serpa Lopes extrai da boa-fé não apenas o dever do segurado de prestar informações verdadeiras, como igualmente o dever de não omitir circunstâncias associadas à análise de risco: “Já assinalamos o aspecto moral da principal obrigação do segurado: é o dever de boa-fé nas declarações que prestar, quer no sentido positivo de dizer a verdade, quer no sentido negativo de não calar circunstâncias que, por influírem no risco, tinha o dever de informar”. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 412. Rosenvald  e Farias, por sua vez, enquadram a conduta do segurado no âmbito do chamado princípio do absenteísmo, constituindo o agravamento intencional do risco uma espécie de venire contra factum proprium: “Essas situações se consubstanciam no chamado princípio do absenteísmo, que, embora pareça óbvio, indica que quem quer prevenir riscos de danos patrimoniais ou existenciais perante um contrato de seguro, assim se conduz por absoluta ojeriza a um fato danoso previsível que se quer impedir que ocorra e, em sendo impossível, remediar. O agravamento intencional do risco é uma espécie de venire contra factum proprium por parte do segurado que manifesta um comportamento sucessivo contraditório, atuando decisivamente para a conflagração do dano que, inicialmente, desejou segurar. ROSENVALD, N.FARIAS, C. C. Curso de Direito Civil - V.4 - Contratos. 11. ed. Salvador/BA: Juspodivm, 2021. p. 1369.

11 Há mesmo quem sustente ser uma das funções da disciplina do agravamento intencional do risco a sanção ao ato doloso do segurado. Nesse sentido Miragem e Petersen apontam uma dupla função: a preservação da base econômica do contrato de seguro e a sanção ao ato doloso do segurado. MIRAGEM, Bruno; PETERSEN, Luiza. Alteração do risco no contrato de seguro e critérios para sua qualificação: agravamento e diminuição relevante do risco. In: GOLDBERG, Ilan; JUNQUEIRA, Thiago. (Org.). Temas atuais de Direito dos Seguros. Tomo I. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 468.

12 A assunção de riscos pelo segurador só se torna possível a partir da análise técnica de referências de sinistralidade produzidas a partir das informações geradas pelo próprio universo de segurados, permitindo-se, com isso, a precificação do prêmio de forma mais consentânea com a realidade. Nesse ponto, Goldberg assinala que “a precificação da generalidade dos seguros dispõe de base estatística confiável, capaz de proporcionar ótimos níveis de assertividade por parte dos subscritores”. GOLDBERG, Ilan. Reflexões a respeito do seguro garantia e da nova lei de licitações. Revista IBERC, Rio de Janeiro, v. 5, n.2 p. 66, maio/ago. 2022. Disponível em:    https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc. Acesso em: 4 set. 2023.

13 Esclarecem nesse ponto Miragem e Petersen que o conceito de risco moral (moral hazard) abrange “tanto a possibilidade de o titular do interesse adotar, ao longo da relação contratual, justamente por estar garantido pelo seguro, uma postura negligente, diminuindo seu grau de vigilância, de modo a facilitar a ocorrência do sinistro (comportamento culposo), como, até mesmo, uma conduta oportunista, visando o recebimento da indenização securitária ou do capital segurado (comportamento doloso)”. MIRAGEM, Bruno; PETERSEN, Luiza. Direito dos seguros. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 47.

14 Conforme assinalam Tepedino, Konder e Bandeira, “busca-se, a partir do princípio do mutualismo, diluir os riscos pela coletividade dos segurados, que contribuem em prol de fundo mutual, formado pelas reservas técnicas, que se destinarão ao pagamento das indenizações na hipótese de sinistro. TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, P. G. Fundamentos do Direito Civil: Contratos, v. 7. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 472.

15 Ao discorrer sobre o conceito de merecimento de tutela, esclarece Eduardo Nunes de Souza que representa ele o reconhecimento de que a eficácia de certa conduta particular é compatível com o sistema. Segundo o autor, trata-se de uma consequência necessária da constatação de que certo ato é lícito do ponto de vista estático ou estrutural e, em perspectiva dinâmica ou funcional, não é abusivo (não constitui o exercício disfuncional de uma situação jurídica). SOUZA, Eduardo Nunes de. Merecimento de tutela: a nova fronteira da legalidade no direito civil. Revista de Direito Privado (São Paulo), v. 58, p. 75-110, 2014.

16 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

17 Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

18 Conforme destacado por um dos autores do presente ensaio, nas nuances do caso concreto, cabe ao intérprete superar a análise meramente estrutural (o que é?), para privilegiar a funcionalização dos interesses irradiados (para que servem?), por meio de interpretação aplicativa dos comandos infraconstitucionais à luz da Carta Magna ou pela aplicação direta dos princípios e valores constitucionais. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Reflexões metodológicas: a construção do observatório de jurisprudência no âmbito da pesquisa jurídica. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 9, p. 1, 2016. Na mesma direção, v. também: Rumos Cruzados do Direito Civil Pós-1988 e do Constitucionalismo hoje. In: MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Rumos Contemporâneos do Direito Civil: Estudos em Perspectiva Civil-Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 17-35.

19 Ao abordar a função promocional do ordenamento, Bobbio (2007, p. 15) destaca que a técnica do encorajamento visa não apenas a tutelar, mas também a provocar o exercício dos atos conformes, e, a introdução da técnica do encorajamento reflete uma verdadeira transformação na função do sistema normativo em seu todo e no modo de realizar o controle social. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. São Paulo: Manoele, 2007.

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Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.