Migalhas de Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil ambiental em perspectiva intergeracional

A prática do ato ilícito de degradação ao meio ambiente atinge os interesses das atuais e das futuras gerações e, assim, a teoria da responsabilidade civil precisa ser ressignificada para ser aplicada no contexto intergeracional das relações jurídicas constituídas no âmbito da sociedade de risco.

13/4/2023

Introdução 

Anthony Giddens (2000), ao desenvolver uma teoria do risco, afirmou que este é intrínseco à sociedade de risco, utilizando o exemplo das mudanças climáticas para corroborar a sua afirmação.

A comunidade internacional ainda vive a realidade da sociedade de risco, intensificada pela complexidade da era da modernidade, que preconiza a divisão do mundo entre países centrais e periféricos, ricos e pobres, sendo que os primeiros tomam as decisões que impactam no mundo todo e ficam com os lucros e, os últimos, suportam os prejuízos de referidas decisões, sem ter o direito de participar do debate.

As mudanças climáticas e a degradação ao meio ambiente corroboram a tese da sociedade de risco, arraigada no contexto da globalização, uma vez que os efeitos dos danos ao meio ambiente estão sendo suportados de maneira exacerbada pelos países do Sul Global, bem como pelos países que pouco agridem o meio ambiente, a exemplo do Kiribati, que se vê diante da degradação de suas estruturas sociais, econômicas e culturais devido às consequências causadas pelo aumento do nível do mar, com a falta de empregos, a falta de estabilidade financeira, escassez de alimentos, de água potável, o que vem dando ensejo ao deslocamento forçado de seus cidadãos.

Desde o Protocolo de Kyoto, de 1997, a comunidade internacional discute a participação e a responsabilização mais eficaz dos países que mais degradam o meio ambiente para a adoção de medidas de reabilitação, recuperação e restauração, sem muito êxito, uma vez que o próprio documento fora desqualificado pelos países centrais.

Isso faz com que a comunidade internacional seja provocada a discutir com mais empenho a questão da responsabilização por danos ao meio ambiente, tanto no âmbito internacional, como no nacional, bem como para as atuais e para as futuras gerações.

Nesse contexto, questiona-se por qual razão não se tem, ainda, um Pacto Global para o Meio Ambiente, de natureza hard law, obrigatório para todos os Estados, principalmente pelo fato de se conceber a proteção ao meio ambiente como interesse da humanidade.

Talvez por isso as organizações internacionais estejam sendo provocadas a se manifestarem sobre a temática das mudanças climáticas registrando-se o pedido de duas solicitações de Opinião Consultiva a respeito deste tema, uma perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a outra, perante a Corte Internacional de Justiça as quais, em síntese, discutem as obrigações dos Estados em relação à proteção ao meio ambiente, tanto no âmbito do sistema regional, como no âmbito do sistema global de proteção aos direitos humanos.

Não se pode deixar de consignar que, recentemente, no âmbito global, a Organização das Nações Unidas, pelo Conselho de Direitos Humanos, em 8 de outubro de 2021, adotou a Resolução A/HRC/48/13 (ONU, 2021) reconhecendo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito humano e o dever de devida diligência dos Estados de adotarem as medidas necessárias à proteção do meio ambiente.

Um dos aspectos mais relevantes da Resolução em apreço é a possibilidade de proteção autônoma do direito ao meio ambiente, o que pode reforçar a litigância deste direito no âmbito nacional e internacional.

Por sua vez, em 28 de julho de 2022, a Assembleia Geral das Nações Unidas emitiu a Resolução A/RES/76/300 (ONU, 2022), também sobre o direito humano ao meio ambiente limpo, sadio e sustentável, no mesmo sentido da mencionada Resolução do Conselho de Direitos Humanos.

Apesar de não serem vinculantes, as Resoluções desencadeiam um movimento para que os Estados reconheçam o direito ao meio ambiente como direito humano em suas Constituições nacionais e para que as Organizações Internacionais também o façam em tratados internacionais globais e regionais.

O reconhecimento do direito humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é consequência dos diversos movimentos sociais desencadeados na comunidade internacional para a proteção ao meio ambiente e vem num momento crucial para a proteção ao meio ambiente de perda considerável da biodiversidade do Planeta Terra, bem como após a COP 26, Conferência que ressaltou a necessidade de ações imediatas no sentido de conter o aquecimento global.

Diante desse cenário, essa intervenção tem o objetivo de refletir a respeito da relação jurídica de direito ambiental constituída a partir da prática do ato ilícito de degradação ao meio ambiente, a fim de que se possa estabelecer os parâmetros para a responsabilização civil ambiental intergeracional.

Nota-se que o foco dessa discussão reside nos elementos constitutivos de referida relação jurídica, em especial, na consideração da humanidade como sujeito de direito, compreendendo as atuais e as futuras gerações.

A grande provocação desta análise concentra-se, portanto, em propor uma reflexão a respeito do conceito de gerações futuras e em apontar caminhos para a responsabilização.

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Colunistas

Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.