Migalhas de Responsabilidade Civil

A dignidade sexual da mulher: pode o Direito Penal impor limitação aos seus direitos da personalidade?

Novos atos perpetrados contra a dignidade e liberdade sexuais passaram a ser previstos pela lei penal.

8/9/2022

Introdução

A flexibilização de barreiras, trazida pela modernidade, proporcionou uma sociedade mais sexualizada. Neste novo ambiente de grandes transformações pelas quais passou a sociedade, houve alteração da legislação, criminalizando-se não os padrões sociais, mas as condutas que viessem de encontro aos preceitos fundamentais, garantidos constitucionalmente.1

Novos atos perpetrados contra a dignidade e liberdade sexuais passaram a ser previstos pela lei penal, justamente por isso, como será visto, estamos diante da necessidade da criação doutrinária de mecanismos que viabilizem uma proteção à liberdade e autonomia de atos de disposição sobre a imagem do próprio corpo da mulher, de modo que a vítima de um crime contra a dignidade sexual possa voltar a decidir o que deseja fazer com o fato do agressor/ autor do dano, ter disponibilizado sem o seu consentimento, suas imagens, quer a motivação tenha sido a de auferir lucro (sextorsion), ou de promover uma espécie de vingança (revenge porn).2

O termo “violência contra a mulher” foi alcunhado pelo movimento social feminista há mais de vinte anos, podendo se referir a diversas situações, atos e comportamentos que prejudicam a mulher:

A violência contra a mulher inclui, por referência ao âmbito da vida familiar, além das agressões e abusos, impedimentos ao trabalho ou estudo, recusa de apoio financeiro doméstico, controle dos bens do casal e/ou dos bens da mulher exclusivamente pelos homens da casa, ameaças de expulsão da casa e perda de bens, como forma de “educar” ou punir por comportamentos que a mulher tenha adotado.3

A Organização Pan Americana de Saúde, traz os seguintes dados/estatísticas sobre a violência contra a mulher. Alertando para o fato de que tal violência pode ter consequências mortais, como o homicídio ou o suicídio, os dados são alarmantes:4

1 em cada 3 mulheres em todo o mundo sofreram violência física e/ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros durante a vida; 42% das mulheres vítimas de violência por parte do parceiro relatam lesões como consequência da violência (...) depressão, estresse pós-traumático e outros transtornos de ansiedade, dificuldades de sono, transtornos alimentares e tentativas de suicídio.

A taxa foi ainda maior para as mulheres que sofreram violência sexual de não-parceiros; 30% das mulheres que estiveram em um relacionamento relata ter sofrido alguma forma de violência física e/ou sexual na vida por parte de seu parceiro; 20% das mulheres relatam terem sido vítimas de violência sexual na infância; Globalmente, 38% dos assassinatos de mulheres são cometidos por um parceiro masculino; Entre os fatores associados ao aumento do risco de perpetração da violência e ao aumento do risco de ser vítima de parceiros e de violência sexual estão a baixa escolaridade, maltrato infantil ou exposição à violência na família (ou entre os pais) uso nocivo do álcool, abuso durante a infância, atitudes violentas e que permitem desigualdade de gênero; Os custos sociais e econômicos da violência por parte do parceiro e da violência sexual são enormes e repercutem em toda a sociedade.

Bloqueios e inseguranças são comumente criados na mente das mulheres, fazendo-as temerem de participar da vida social, em igualdade de condições com os homens. A violência de gênero ocorre nos meios educacionais, corporativos ou familiares. Em todas essas formas de violência contra a dignidade da pessoa da mulher, o propósito maior do autor das violências é de as manter em situação de controle, desmotivando-as, reforçando a lógica colonialista de sua culpabilização, como forma de manter seus controles psicológico, material e existencial.

Essa violência termina por contaminar toda a sociedade, de forma que as mulheres ao contestar essa forma de manipulação psicológica e ao tentar contrapô-la são transformadas em figuras desnecessariamente agressivas, ameaçadoras, descontroladas e histéricas.5

Nas palavras de Kruger6 "como uma prática sexista sutil e extremamente naturalizada, o fenômeno contribui para a recorrente desqualificação intelectual e infantilização de mulheres", por isso as práticas consideradas como violência contra a mulher foram ampliadas para se adequar aos novos danos que elas vêm sofrendo. Sendo considerada como violência psicológica, toda forma de ação ou omissão que implique em agressão, humilhação, exposições vexatórias, a qual o opressor expõe à vítima, podendo-lhe causar sérios danos emocionais a sua autoestima e a sua identidade. A violência verbal ocorre juntamente com à violência psicológica, de conotação específica, posto visar causar dano à sanidade mental da mulher.

__________

1 JAKOBS, Gumther. A imputação objetiva no direito penal. Tradução de André Luís Callegari. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2000.p. 45

2 Neste artigo serão analisados atos praticados em razão da violência de gênero, a vítima será analisada sob o único prisma: o fato de ser mulher.

3 SACRAMENTO, Lívia de Tartari e; REZENDE, Manuel Morgado. Violências: lembrando alguns conceitos. Aletheia, Canoas, n. 24, p. 95-104, dez. 2006. Disponível aqui. acessos em 13 maio 2022.

4 Disponível aqui.

5 KRUGER, Patrícia de Almeida. Penetrando o Éden: Anticristo, de Lars Von Trier, à luz de Brecht, Strindberg e outros elementos inquietantes. Tese. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2016.

6 Idem p. 184.

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Colunistas

Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.